Esporte

Fora Tite!

A história mostra que dar segunda chance a um treinador de seleção brasileira não leva à conquista da Copa do Mundo. E as chances já não são boas com a atual geração.

Tite é um excelente treinador, estudioso do futebol atual, costuma ter o vestiário sob controle, à despeito do linguajar “moderno” que adota, e, principalmente, consegue ter o respeito dos craques de seu elenco. Fez um trabalho exitoso de recuperação da autoestima da seleção brasileira após uma volta conturbada de Dunga ao comando, e ainda sob as cicatrizes de um 7 a 1, mas, sabemos, a melhoria ocorreu frente a adversários obviamente bem mais fracos do continente sul-americano. Tite, entretanto, cometeu pecados comuns a treinadores em outros momentos da seleção brasileira que acabaram por custar a Copa de 2018. E pelas entrevistas pós-copa, Tite não conseguiu enxergar onde errou.

Ao assumir a seleção, Tite fez questão de abraçar Neymar, dando a ele todo o apoio que um craque sempre reivindica.

E deu dinâmica ao jogo brasileiro, com uma defesa mais segura e meio e ataque mais agrupados.

Falando em mais agrupados, as entrevistas de Tite, com o vocabulário atualizado de futebol, para mim, torcedor raiz, eram hilárias. Meia construtor, último terço do campo, transição, intensidade, blocos, box to box, amplitude, extremos, quebrar linhas, jogo apoiado, time reativo, recomposição. Nos anos 80, o mais moderno que ouvíamos era “overlapping”. Quando Lazaroni em 89/90 veio com “lastro” e outras pérolas, a moda não pegou. Mas hoje, esse modernismo de linguagem, mesmo não acompanhado por criatividade dentro de campo faz sucesso, e Tite é um dos precursores. No final das contas, entendo que seja muito gogó de quem quer ser Doutor Mestre de um assunto que pode ser tratado de forma simples.

Sim, trata-se de um jogo de cena para se apresentar como estudioso e atento às mudanças táticas, desencadeadas pelo futebol alemão e por Guardiola.

Mas tudo bem, Tite tem conhecimento das tais mudanças de jogo do futebol moderno. Levo apenas como implicância de querer elevar o futebol ao nível de um doutorado que afasta o interesse de muitos torcedores.

Tite seguiu sua caminhada rumo à Copa, já com credibilidade da torcida e imprensa.

 A “Neymar-dependência” se acentuou, evidenciando que o Brasil tem uma geração fraca de talentos, carece de mais craques, carece de planos táticos alternativos, e de sermos “os inovadores”.

Neymar, aquecendo para a semifinal olímpica, contra Honduras, no Maracanã

Tite “fechou” o grupo para a Copa muito cedo, abrindo apenas duas ou três vagas, como ele mesmo declarava. Convocou jogadores questionáveis para o banco de reservas (Fred, Fágner, Taison, Fernandinho), e precisou de dois deles em jogo de quartas de final.

Dunga precisou do banco de reservas em 2010 e lá estava Grafite para resolver contra a Holanda. Ficaram em casa Ganso (no melhor momento da carreira), Neymar e Ronaldinho Gaúcho. Dunga também levou Kleberson do Flamengo, que era reserva no rubro negro até duas partidas antes da convocação.

Felipão deu uma segunda chance para Júlio César e levou Henrique (quem?) para a Copa de 2014. Quando precisou trocar a defesa para a semifinal, preferiu mudar David Luiz (que vinha fazendo uma copa exemplar) de posição, para escalar Dante. Com dois canhotos na zaga, a festa estava garantida (Tulio Maravilha gostava muito de enfrentar zagas com dois canhotos – mas isso é outra história).

Henrique (quem?) não jogou. Mas ninguém jogou, mesmo quem estava em campo de corpo presente, e isso escondeu um pouco o problema de escalação da zaga, recaindo a culpa pura e simplesmente nos erros individuais de Júlio César, Fernandinho e David Luiz. Fosse só a loucura de entrar com Bernard “alegria nas pernas”, no lugar de Neymar, e abrir ainda mais a defesa brasileira, estaria de bom tamanho.

Parreira levou a então “sensação do futebol brasileiro” Robinho para a Copa de 2006, mas colocou em campo faltando 20 minutos para acabar o jogo contra a França.

Em Copa do Mundo, o banco de reservas é tão importante quanto os titulares. O desgaste da Copa é grande, cartões tiram jogadores nos confrontos finais.

Agora, nas quartas de final da última Copa, o Brasil perdeu para a Bélgica, não só por conta de reservas abaixo do nível dos titulares em campo. Fomos massacrados no primeiro tempo. Havíamos jogado mal no primeiro tempo contra a Costa Rica e México, mesmo com Casemiro – que era um dos destaques e ficou de fora contra a Bélgica – em campo. Era um aviso. Fosse 3 ou 4 a 0 no intervalo não seria injusto, tamanha a desorganização do Brasil.

Para o estudioso Tite, ser surpreendido por um esquema de “falso 9” belga (maldito linguajar moderno) haveria de ser motivo de estudo no futuro e reconhecimento de erros.

Mas não, Tite, em sua primeira aparição em programas esportivos após a Copa, no SporTV, salientou somente as virtudes naquele jogo, chegou a dizer que o treinador da seleção belga foi ao encontro dele para dizer que o resultado foi injusto.

Tite apresentou no programa que havíamos tido 25 chances de gol no segundo tempo. Enfim, teria sido uma zebra e não tínhamos merecido a derrota.

Esquece Tite que jogamos mal toda a Copa. Que o primeiro tempo contra Bélgica foi pífio e que merecíamos sair goleados no intervalo. Esquece que a Bélgica não é de primeiro escalão do futebol. E que quando precisou de banco de reservas, não tinha.

Tite teve a sua chance. Sabia que eram dois anos para a Copa do Mundo. Não deu certo. Deixou um trabalho, mas deixou também uma sensação de arrogância e de desconhecimento do “por que perdemos?”.

O histórico de treinadores da seleção que repetem a dose é apavorante:

Aymoré Moreira, treinador campeão em 62, continuou no cargo no fiasco de 66. (edito aqui, alertado por um leitor: Feola, que foi o treinador em 58, retornou ao cargo para o fiasco de 66.)

Zagallo (que tenho imenso respeito) campeão em 70, foi envolvido por um carrossel holandês em 74 e derrotado pela França de Zidane em 98.

Telê (o único que perdeu uma Copa e treinou a seleção na Copa seguinte) foi infeliz em 82 e em 86, pegando a injusta fama de “pé frio”. Quando foi campeão do mundo com o São Paulo, diante do Barcelona, em 92, demonstrou ter aprendido a lição, depois de duas Copas, e, logo após o gol de Raí, fechou a defesa, com a entrada de Dinho, para garantir o resultado.

Parreira, campeão em 94, foi engolido pelos medalhões do Brasil em 2006, perdendo o vestiário e o comando.

Felipão, campeão com a família Scolari em 2002, pegou a justa fama de ultrapassado em 2014.

E Tite?

Acho muito difícil nossa seleção chegar bem para a Copa em 2022. Não apareceram grandes craques para justificar uma euforia. É Neymar (que já não é um Ronaldo, nem um Romário, nem mesmo um Rivaldo) e mais 10 em campo.

Tite arrisca uma aposentadoria precoce na carreira.

Caso não vençamos a Copa, não haverá desculpa de ter criado 25 chances de gol, ou da seleção ter quebrado as linhas em todos os jogos, ter feito a recomposição correta, ter aliado o jogo reativo com a intensidade de posse de bola.

Será que Tite irá responder como Lazaroni, quando perdemos as mesmas 25 chances de gol, contra a Argentina, em 90? “Eu fiz os meus golzinhos nos treinamentos”.

Temos diversos treinadores do mesmo nível ou melhores, brasileiros e estrangeiros. Renato Gaúcho, Rogério Ceni, Jorge Jesus, Guardiola, Klopp. Vamos esperar a derrota?

Vinícius Perilo

Vinícius Perilo, 47 anos, é engenheiro civil apaixonado por todos os esportes. Tudo começou no Ursinho Misha em Moscou 80, e, a partir daí, acompanhando ídolos como Oscar, Hortência, Bernard, Jacqueline, Ricardo Prado, Joaquim Cruz. Ama futebol como todo brasileiro, faz parte da geração que chorou de tristeza a derrota de 82 e de alegria com o Tetra em 94. Realizou um sonho de criança e conduziu a Tocha Olímpica para a Rio 16. Ainda acredita no Brasil olímpico.

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5 Comentários

  1. O banco, ah, o banco. Pelé, Garrincha e Zito eram banco de Joel, Mazola e Dino Sani. Que diferença faz um banco de reservas! E, se fosse hoje, duvido que Pelé fosse convocado. Era “muito novo”, precisava ganhar experiência. Falta ousadia, sobra mesmice.

  2. Excelente análise! Apenas um reparo: na Copa de 66 o técnico foi Vicente Feola (campeão em 58) e não Aymoré Moreira (campeão em 62).

  3. Fora Tite! Você me decepcionou! Há alguns anos vem tirando do meu time, jogadores importantes em plena decisão de campeonatos, para partículas ridículas, sem valor, amistosos. Jogadores que disputariam títulos importantes e que no entanto, jogaram pouco, ficaram no banco, se machucaram muito como foi o caso do Pedro este ano, com pouco tempo em campo ou se exauriram jogando 93 minutos como o Everton para jogar no dia seguinte. É uma seleção que nem vendo apresentando resultados efetivos há anos. Cabe um raciocínio do treinador, para não prejudicar os clubes que investem muito para deixar nosso futebol mais bonito. E não seguir esta ridícula CBF que todos sabemos ser um poço de aproveitadores!!

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