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#Tbt Jogos Inesquecíveis que marcaram minha vida

Minha primeira vez no Maracanã em dia de GP Brasil de Fórmula 1.

Brasil 1 x 0 Alemanha – 1982

            Era início de 1982 e a seleção brasileira de futebol ainda não tinha um time titular definido para a Copa do Mundo que se aproximava.

            O técnico Telê Santana fazia experiências em busca do time ideal e de reservas coringas, que pudessem suprir várias posições. Naquela época só eram permitidas duas substituições por partida e apenas cinco atletas ficavam à disposição do treinador no banco de reservas.

            A Fórmula 1 já era febre entre os brasileiros. O vascaíno Piquet era campeão mundial. A segunda corrida da temporada seria o GP do Brasil em Jacarepaguá, no dia do amistoso do Brasil no Maracanã contra a Alemanha.

            A Brabham e a Williams elaboraram um projeto que utilizava um reservatório de água para refrigerar o sistema de freios, ao mesmo tempo que essa água se esgotava ao longo da corrida, e o bólido ficava mais leve. Para poder atender à pesagem mínima obrigatória, enchiam novamente o reservatório, alegando que no regulamento havia a previsão de que qualquer fluído eventualmente gasto poderia ser reposto para a pesagem. Assim, conseguiam a pesagem mínima de 580 Kg.

            Isso dava uma vantagem de até 60 Kg a menos de peso no bólido ao final da corrida.

            Meu Pai resolveu levar tanto eu quanto meu irmão a um dos eventos. Deixou que escolhêssemos. Na minha cabeça, ver a seleção brasileira seria uma chance única enquanto que a corrida de F1 “tem todo ano”.

            Escolhemos ir ao Maracanã. Deixei a F1 para outra oportunidade, afinal é todo ano. Infelizmente eu nunca fui a uma corrida de Fórmula 1.

            Seria minha primeira vez no Maracanã. A empolgação estava no máximo.

            Para evitar confusão, meu Pai programou de irmos cedo para o estádio. Almoçamos antes do meio dia e logo após já nos encaminhamos para o ponto de ônibus inicial do 711 (Rio Comprido – Rocha Miranda), que nos deixaria em frente ao maior do mundo.

            Entramos sem tumulto algum, e até hoje tenho a cena gravada na memória que todo Pai adora fazer com o filho, que é adentrar no túnel de acesso às arquibancadas do estádio e ficar vendo a reação do filho: O túnel é longo e inicialmente silencioso e escuro, mas à medida que fomos caminhando, o som da galera foi crescendo, crescendo, até que a vibração contagiante da torcida ao nosso redor nos inundou em volume máximo, bem como o clarão do estádio quase nos cegou. Penso ser exatamente a mesma sensação do jogador de futebol profissional quando entra em campo na final do campeonato, com o estádio lotado. Bom, pelo menos era assim, porque a FIFA fez questão de acabar com as festas de recepção do time da casa, ao impor um rito de entrada conjunto com os dois times, arbitragem à frente, totalmente formal e sem graça.

            Mas era algo contagiante, inexplicável. Você se sente como um grão de areia no deserto. Na TV é tudo pequeno, para uma criança é difícil dimensionar. No estádio, ao vivo, tudo é diferente.

            Meu irmão e eu éramos deslumbrados com o antigo placar do Maracanã e queríamos ver o bonequinho comemorar o gol.

            O glamour acabou por aí.

            Um calor escaldante, era final de março, 40 graus. Apesar de termos chegado cedo, o estádio já estava cheio na parte da sombra, e meu Pai optou que ficássemos no meio do campo, para poder ter boa visão tanto do ataque de um lado do estádio (sul) quanto do outro (norte).

            As notícias de Jacarepaguá davam conta de uma corrida histórica e de superação de Nélson Piquet, que, largando na sétima posição, foi conseguindo ultrapassar os adversários e vencia a corrida. “Seria” a primeira vitória de um brasileiro em Jacarepaguá. Piquet desmaiou no pódio, de exaustão, principalmente pelo calor sufocante. O que seria um vitória histórica, se tornou uma briga de tribunais. Renault e Ferrari protestaram contra o enchimento deliberado do reservatório de água de Brabham e Williams. Depois de um julgamento polêmico, o entendimento quanto ao peso mínimo foi pacificado que deveria se manter ao longo de toda a prova, o que ruiu a estratégia utilizada no projeto do reservatório, que era novamente completado por água ao final de cada prova, para a pesagem.

            Mas esse imbróglio aconteceu semanas após a corrida. Ali, no Maraca, a notícia foi da vitória de Piquet. Para a história ficou marcado como a primeira vitória das seis de Alain Prost, recordista de vitórias de GP Brasil de Fórmula1.

             Um barulho de helicóptero vindo de fora do Maracanã agitou a torcida que iniciou um coro: – Pequi! Pequi! Fiquei impressionado como os cariocas conheciam a iguaria, mas meu Pai explicou que o grito era: Piquet! Ele deveria estar chegando para assistir a partida.  

            O Maracanã foi enchendo, enchendo, lotando, lotando, e daí já não dava mais para ficar sentado, todo mundo em pé. A seleção entra em campo e é um frenesi no estádio. Já não há mais espaço e começa a se formar uma segunda linha de pessoas em pé na minha frente, ou seja, onde deveria haver uma fila, tínhamos duas filas de torcedores apertados como sardinhas na lata. Nos meus 8 anos, eu tentava ver alguma coisa entre os adultos.

            Uma chuva vinda do alto da arquibancada molha toda a torcida. Eram copos cheios de urina, tradição é tradição, bom para a alma de torcedor, mas eu começo a ficar estressado.

            Um rapaz sugere que eu e meu irmão urinássemos em um copo de cerveja para que ele jogasse na torcida abaixo de nós que estava em pé atrapalhando a visão. Cheios de pudor, não aceitamos.

            Um bêbado passa empurrando todos e me empurra pra cima de outras pessoas. Não deu tempo de anotar a placa do atropelamento. Foi a gota d’água, meu estado de tensão com a lotação estava no limite. Comecei a chorar compulsivamente e o jogo nem havia começado.

            Devo ter chorado por pelo menos 20 minutos pedindo ao meu Pai para irmos embora.

            Meu Pai ria para me acalmar. O mesmo torcedor da sugestão de urina no copo tenta brincar comigo, primeiro pergunta para qual time torço, e, ao responder em meio ao choro que torcia para o Vasco, ele começou a tentar me convencer que eu deveria torcer para o Flamengo. Acho que ele conseguiu me distrair (não mudei de time) e parei de chorar.

            Como disse no início, Telê fazia experiências, mas dessa vez extrapolou. Queria um entrosamento e por isso chamou 5 jogadores do Flamengo, mas um deles foi polêmico. Além dos já titulares Leandro, Júnior e Zico, Telê convocou Adílio e Vítor.

            Vítor era reserva de Andrade no Flamengo, e a convocação havia sido na véspera de Internacional e Flamengo no Beira Rio, uma semana antes do jogo da seleção. Vítor iniciou o jogo do rubro-negro na reserva, e, com o Flamengo em desvantagem, entrou na partida no meio do segundo tempo. O Flamengo empatou, mas ainda não se classificava. Aos 42 minutos do segundo tempo, Vítor, em um chute potente de canhota, sua especialidade, fez o gol da vitória rubro-negra por 3 a 2 e garantiu a classificação antecipada para as oitavas de final (saudade do mata-mata!). A resposta de Vítor deu razão a Telê, que escapou de uma crítica mais severa por parte da imprensa. Então, a seleção era metade rubro-negra, e o meio-campo formado por Vítor (reserva no Flamengo), Adílio e o camisa dez Zico.

            Zico acena para a torcida e dá muitas entrevistas no campo de jogo.

            Começa a partida e as pessoas tentam de alguma forma se sentar, o que se prova impossível pela Lei da Física dos corpos ocuparem um mesmo espaço ao mesmo tempo.

            O Brasil domina mas esbarra no lendário goleiro Schumacher. Suas defesas dão rebotes, não aproveitados por Careca.

            Mário Sérgio também tem sua oportunidade para convencer Telê e ir à Copa.

            0 a 0 no primeiro tempo e finalmente conseguimos sentar no intervalo.

            É só iniciar o segundo tempo para todos ficarem novamente de pé, um desânimo para um garoto já bem cansado.

            O Brasil não vai tão bem no segundo tempo e Waldir Perez espalma uma bola por cima do travessão de forma acrobática. Esse lance emblemático ficou na minha memória para sempre, além do gol, é claro.

            Mário Sérgio não convence e é substituído por Éder.

            Com os times cansados, Júnior tabela com Adílio, e chuta de primeira para marcar um golaço!

            Os 150 mil presentes explodem em emoção. E tome chuva de urina e cerveja. O jovem que me acalmou no início, me levanta para comemorar!

            Enquanto os torcedores comemoram de olhos vidrados para o campo de jogo, eu e meu irmão ficamos esperando o bonequinho que comemora gol aparecer no placar eletrônico. Nossa comemoração é quando o torcedor eletrônico aparece.

            A Alemanha ainda tem bela chance de empate mas Waldir Perez fecha novamente a meta, como fez no amistoso do ano anterior, quando defendeu dois pênaltis, e sai como o melhor jogador da partida, repetindo o feito no Maraca. Naquela seleção de Sócrates, Zico, Reinaldo e Careca, sair como melhor em campo, ainda por cima sendo o goleiro, era um feito e tanto.

            Uma tarde de 40 graus no Rio de Janeiro, com direito ao primeiro jogo no Maracanã, chuva de urina e cerveja, e vitória do Brasil contra a Alemanha é para marcar qualquer garoto nos seus 8 anos.

            Quando chegamos em casa, meu pai diz para todos que nunca mais iria me levar ao estádio porque passei “o jogo inteiro chorando e reclamando”. Realmente, reclamei de tudo depois do empurrão do bêbado.

            Hoje, tomo muito cuidado com a frase “nunca mais isso ou aquilo” com meu filho Vítor, e já paguei caro, pois certa vez o ameacei de nunca mais levá-lo ao parquinho, ele agora, de vez em quando, me ameaça com um “nunca mais assista o noticiário! Vamos brincar!”. Definitivamente, não é a melhor frase para se usar com uma criança.  Ser Pai é carregar eternamente sentimento de culpa. Vida que segue. 

            Meu filho Vítor não é canhoto como o meia rubro-negro de 1982, e, por enquanto, tento torná-lo vascaíno e vilanovense. Mas sua escolha será respeitada: “nunca será rubro-negro” não é a melhor solução.

Vinícius Perilo

Vinícius Perilo, 47 anos, é engenheiro civil apaixonado por todos os esportes. Tudo começou no Ursinho Misha em Moscou 80, e, a partir daí, acompanhando ídolos como Oscar, Hortência, Bernard, Jacqueline, Ricardo Prado, Joaquim Cruz. Ama futebol como todo brasileiro, faz parte da geração que chorou de tristeza a derrota de 82 e de alegria com o Tetra em 94. Realizou um sonho de criança e conduziu a Tocha Olímpica para a Rio 16. Ainda acredita no Brasil olímpico.

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