AtualidadesEconomiaOpiniãoPolítica

E se no multiverso o Bolsonaro não fosse candidato?

Governos causam fatos econômicos?

A galera bolsonarista  aponta algumas boas notícias econômicas recentes neste final de governo. Sim, estas notícias, fora alguma douração de pílula, são verdadeiras!

Claro que há também, por outro lado, itens preocupantes na Economia quando se examina de forma imparcial. 

Enfim, estamos longe de estar em um mar de rosas.

Além disso, obviamente nem tudo que acontece de bom ou de ruim na Economia tem como causa principal medidas e decisões do governo vigente.

A economia, como a maioria das ciências humanas, é marcadamente multifatorial. Muitas vezes é só o governo não atrapalhar que a economia flui.

PT: Do boom ao desastre

Até a crise de 2008, especialmente sob a gestão do Palocci, o governo do PT seguiu a cartilha macroeconômica do governo anterior e o Brasil terminou surfando no boom das commodities e cresceu muito em poucos anos, associado ao aumento real do salário mínimo e a expansão do Bolsa Escola (programa do FHC renomeado para Bolsa Família).

Da crise de 2008 em diante, especialmente com a implantação da famigerada Nova Matriz Econômica (NME), a coisa degringolou feio.

E a queda do preços dos combustíveis?

No que tange a análise das causas de eventos econômicos, um bom exemplo é a recente substancial queda do preço do combustível aqui no Brasil: desde meados de junho o preço do óleo cru caiu bastante. Isto se reflete aqui e internacionalmente.

A cotação do óleo cru voltou nos níveis do final de fevereiro, mês do início da guerra

Alguns posts chapa-branca insistem em sugerir sub-repticiamente uma falsa relação causal entre o governo Bolsonaro e a queda do preço do combustível por aqui, o que é equivocado, a despeito das muitas mexidas na presidência da Petrobras.

Ainda bem que o governo terminou não intervindo no preço! Se bem-sucedida, seria uma interferência indevida e catastrófica para o nível de lucratividade e a capacidade de investimento da Petrobras, que repetiria os malfeitos do final do governo Dilma nessa vertente.

O que mais da Economia pesa na decisão do eleitor?

De todo o modo, é óbvio para todos que vivem o dia a dia, a percepção de carestia, independente dos índices oficiais de inflação, é bem real. 

E ela não é, em grande parte, culpa do governo atual, mas independente do bode expiatório, tem influência no voto.

Óbvio que a queda do preço do petróleo, favorece agora também a queda da inflação porque é um fator que influi em muitos preços, por causa do seu uso em transportes e muitos maquinários.

No caso do dólar, perspectivas continuadamente negativas sobre o controle da inflação nos EUA é um fator que tende a favorecer o real sobre o dólar.

O fato é que a cesta básica aumentou substancialmente acima da inflação em um ano. A guerra da Ucrânia e a Covid-19 bagunçaram muita coisa. Laticínios, carnes e farinha do trigo, por exemplo, dispararam.

Quanto ao auxílio Brasil, todos se apresentarão como pai da criança, por isso é que passou fácil no Congresso.

Perfil dos eleitores, polarização e influência

O estudo periódico do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) do Instituto Paulo Montenegro, em parceria com o IBOPE, aponta que em 2018 (último ano do estudo) 3 em cada 4 pessoas entre 15 e 64 anos não podem ser consideradas alfabetizadas proficientes.

Quem não é proficiente (há definição rigorosa do conceito no site da INAF, não é, por exemplo, capaz de ler e entender de forma apropriada um texto como este.

Isso se reflete no eleitor médio de forma mais relevante do que simplesmente olhar para o nível de escolaridade, que não funciona como garantia, de modo nenhum, de alfabetismo proficiente.

A camada intelectualmente mais capaz está estável, mesmo com mais formados.

Há um elemento interessante: existem evidências acadêmicas (por exemplo em “Who Knows Best? Education, Partisanship, and Contested Facts” – 2014), que a educação, se por um lado aumenta o nível de informação e a capacidade de questionar, paradoxalmente aumenta o fanatismo via polarização, por dar mais “embasamento” para opiniões extremas e criação de conteúdo polarizado, mesclando fatos e fakes com teorias da conspiração malucas.

No final, quem decide a eleição é o povão, na média bastante mal informado, que no máximo  lê manchetes, vê memes e as “verdades” reveladas do WhatsApp. Este segmento recebe, no máximo, o conteúdo deformado e midiático citado acima, dentre outros, de forma embalada e esquemática.

Enfim, trata-se de um mar com vagas grandes em que não há tanto controle, a despeito da influência exercida pela mídia oficial e paralela, no sentido mais amplo, com uma imprevisibilidade que remete às tentativas fracassadas dos figurões do show business de fabricar o novo super grande astro.

Neste espectro há 1.000 razões para o voto desta grande maioria de eleitores em ambas as pontas da corda: razões vagas, emocionais, racionais, superficiais, “ir ou não ir com a cara”. Isto não importa, motivos são motivos, mas o voto pinga de todas as direções.

Lula é o não Bolsonaro, e Bolsonaro é o não Lula

No caso específico das eleições de 2022, muitos votos de Lula vêm do repúdio ao Bolsonaro e vice-versa.

Muitos votantes eram bem próximos de alguns dos 681.500 mortos de Covid-19 até agora, dentre amigos próximos e família. Todos eles assistiram a postura fria do presidente relativa à doença, à vacina e aos mortos (estilo “não-sou-coveiro”).

Por outro lado, muitos brasileiros reconhecem que mesmo que a justiça cega, surda e muda tenha anulado os processos, as provas acachapantes de corrupção do Lula continuam rigorosamente válidas.  Mesmo que eles não lembram ou não consigam detalhar a questão.

Lula é o favorito

Não sou vidente, mas assim como eu acho que Bolsonaro nunca teria sido eleito se o PT não estivesse no poder, acho que jamais o PT faria o presidente hoje (que é o mais provável, no momento), se Bolsonaro não estivesse no poder e fosse candidato.

A bolsa de apostas consolidada está pagando, até o momento de escrita deste texto, 1:1,4 para a vitória do Lula e 1:3,1 para a vitória do Bolsonaro.

Não creio na vitória do Lula no primeiro turno, mas quase todos os votos em outros candidatos que não a dupla carimbada B&L no primeiro turno, tendem, no segundo turno, a se dividir entre Lula, brancos e nulos, exceto aqueles poucos votos dados ao Felipe D’Avila do Partido Novo.

Fiz esta análise muitas vezes em eleições anteriores e, invariavelmente, ela funciona muito bem.

Lula e Bolsonaro não governam de fato

Hoje o Bolsonaro fala, vocifera e esperneia, mas os ministros fazem a gestão do dia a dia, sem muita interferência efetiva, porque ele, de verdade, nem tem a menor noção de gestão de ações e pessoas, assim como o próprio Lula.

A diferença é que Lula tem mais esperteza das ruas para se relacionar com as pessoas, o que facilita sua relação com os outros poderes.

O Bolsonaro age mais por enfrentamento, o que traz limites claros para sua atuação, exceto talvez se ele viesse alcançar a maioria do STF com ministros fiéis, como o André Mendonça e Nunes Marques têm demonstrado até aqui (não sei até quando….).

O Judiciário ressuscitou o Lula para espetar o mito

Não acho que, depois de tantos votos contra o Lula, o STF e o STJ (que condenou o Lula em terceira instância por 5 a 0), teria rompido a comporta e liberado o Lula de qualquer passivo jurídico se não houvesse esse enfrentamento explícito entre STF e o grupo do Bolsonaro.

Mesmo que o Moro tenho errado nas suas comunicações com a procuradoria, não há qualquer evidência que qualquer uma das dezenas de provas contra o Lula tenha sido plantada e/ou fabricada.

Assim como a guerra total com a mídia estabelecida começou em 2018 (que resultou no ódio irrestrito da mídia estabelecida contra o mito, exceto o nicho chapa branca) com os sucessivos rompantes da família Bolsonaro, neste mesmo ano iniciou a raiva do STF contra o Bolsonaro, cujo marco inicial se deu a partir das declarações do Eduardo Bolsonaro em outubro de 2018:  bastam um soldado e um cabo para fechar o Supremo Tribunal Federal.

Deputado Federal Eduardo Bolsonaro - Portal da Câmara dos Deputados
Eduardo Bolsonaro: a lenda, o homem, …

Óbvio que o STF já cometeu abuso de poder anteriormente, como no caso da flagrante ilegalidade da decisão de Lewandowski de não cassar os direitos políticos da Dilma em decorrência do Impeachment.

Entretanto, hoje isso ultrapassou quaisquer limites (por exemplo, em que planeta uma alegada vítima não se declara impedida de julgar?) porque existe uma guerra surda entre Bolsonaro e o STF, cada um empunhando as armas que têm.

O Congresso hoje é dono da pauta de mudanças.

Da mesma forma, o Congresso atualmente é o grande vetor de mudança no país, em geral para o lado negativo.

Antigamente, o governo negociava com o Centrão. Hoje o governo depende do que o Centrão dita. Um de seus principais líderes é o poderoso ministro do gabinete civil do Bolsonaro, Ciro Nogueira.

O Centrão é visceralmente ligado à corrupção, desde sempre. Lógico que ele quer que o Brasil cresça porque isso sempre aumenta as chances do político se dar “bem”, mas ele também deseja, no fundo, um estado gordo, porque isto também aumenta as chances do político de se “fazer”.

Com isso, em vez do governo funcionar como contraponto dos retrocessos vindos do Congresso, hoje o governo, na melhor das hipóteses, se omite.

Houve vários jabotis que chegaram e prosperaram: emendas secretas, controle da execução do orçamento via Ciro Nogueira e não mais via ministério da Economia, alteração da gestão de atividades financeiras suspeitas (COAF), fundão eleitoral de R$ 4,9 bilhões mais que dobrando em relação às eleições passadas, afrouxamento da ficha limpa, juiz de garantias (que significa na prática prescrição de quase todos crimes de colarinho branco), lei de abuso de autoridade, estouro do teto orçamentário etc.

Difícil imaginar hoje que seria aprovado pelo Congresso leis como a lei da delação premiada, a lei da responsabilidade fiscal, a lei das estatais, ou a própria lei da ficha limpa.

E olha que o Congresso é ruim há décadas, mas o governo sempre tem uma influência do que passa ou não, porque ele tem a caneta e os meios.

Sem Lula nem Bolsonaro o Brasil seria melhor

Sem o Lula, o PT passa a ser um partido comum, sem brilho, com chances não muito boas de atingir o poder em termos nacionais, tirando o fator Bolsonaro da jogada.

Imagine um mundo em que não houvesse Bolsonaro nem toda essa polarização doentia.

Acho que teríamos candidatos mais sólidos, porque hoje qualquer um que não seja Bolsonaro e Lula está concorrendo para perder, quase com certeza.

Não que isto fosse o caminho da perfeição. Os países subdesenvolvidos (sem esse eufemismo ridículo de país “em desenvolvimento”) são repletos de governos ruins, mas o menos ruim já é uma vitória…

***

Em suma, estamos a mercê desta alternância tóxica, que em prazo mais longo provavelmente colocará o Brasil em um caminho nada auspicioso.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

Artigos relacionados

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
Send this to a friend