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As bolhas e a incapacidade predominante

Nós da classe média para cima, vivemos em uma bolha, virtual e real, onde a maioria convive com um subgrupo da sociedade. Isso faz com que nossa a visão, sobre a forma com que a opinião pública está se posicionando sobre os diferentes acontecimentos, fique meio enviesada.

Além da questão de existir uma tendência de se restringir mais ao seu extrato socioeconômico, as pessoas tendem, especialmente no mundo virtual, a interagir mais com seus semelhantes.

A maioria das pessoas gosta de interagir com pessoas que pensam parecido, assim as pessoas curtem e comentam umas as postagens das outras e, geralmente, ignoram as postagens dissonantes. Além disso, elas seguem muitos influenciadores em comum.

A combinação disto tudo faz com o que o algoritmo da rede social termine dando prioridade a filtrar este tipo de postagem para aumentar o engajamento do usuário (Analisando o impacto das bolhas de filtro na polarização das redes sociais – 2020) e, com isso, o faturamento com anúncios e promoções.

A combinação da questão social com as bolhas pode criar uma falsa imagem de predominância do seu grupo político e de que alguém é capaz de prever com acurácia as reações, desdobramentos dos fatos e até o resultado de eleições.

No campo socioeconômico, a partir de um certo paralelo entre renda familiar e nível educacional, somos mais a exceção do que a regra.

O fato é que apenas 9% do eleitorado, em um levantamento de 2018, tem curso superior. Lógico que esse número é distorcido pela faixa mais jovem do eleitorado que não teve tempo de completá-lo.

Indo além dos títulos

No entanto, é preciso estender a análise para além da questão de estatística pura de nível educacional.

Para isso, desde 2001, o Instituto Paulo Montenegro pega uma amostra da população de 15 a 64 anos e aplica testes variados, não baseados em decoreba, para medir a capacidade da pessoa de entender as coisas além da superfície.

Deste teste deriva uma pontuação que leva a classificação do indivíduo testado em 5 níveis: analfabeto, rudimentar, elementar, intermediário e proficiente.

Evolução do nível de alfabetização desde 2001 – INAF

No nível proficiente temos aproximadamente 12% da população. O curioso é que esse número até piorou um pouco nestes últimos 20 anos, envolvendo 4 governos diferentes (a última pesquisa é de 2018).

Neste nível a pessoa é capaz de elaborar textos e emitir opiniões, com razoável base, além de saber interpretar tabelas e gráficos e conseguir fazer algum tipo de planejamento, inferências etc.

Ensino Superior inchou, mas as pessoas ….

Dentre as pessoas com nível superior, apenas 1/3 tem nível proficiente. O que isso significa? Que o ensino superior, tanto público quanto privado, é, em média, muito fraco no Brasil.

Muitas das faculdades privadas têm um padrão muito ruim de ensino e vão mais na linha do pagou-passou.

Houve, na gestão Lula e Dilma, um aumento expressivo no número de vagas nas universidades públicas sem que isso refletisse de forma concomitante na expansão da infraestrutura para atender mais alunos, além de ter sido observado um aumento na evasão no ensino superior e na quantidade de vagas ociosas.

Adicionalmente, na era PT assistimos um expressivo aumento de alunos em instituições privadas em decorrência do FIES e PROUNI, nos quais sobravam recursos e faltavam critérios.

Houve também houve a criação de novas universidades federais, só que de 13 entre as novas universidades criadas, 9 estão piores que a 100ª posição no ranking de universidades do Brasil (2019) publicado pela Folha de São Paulo e entre as 15 universidades federais do país piores ranqueadas. Das 4 restantes, pelo menos 3 foram resultados apenas de desmembramento ou mudança de nome (Não consegui levantar informações confiáveis sobre a Universidade Federal do ABC, criada em 2009, sei que havia campi anterior em Santo André, mas ela se expandiu para São Bernardo do Campo).

Apesar de todo essa aparente “explosão” do ensino superior público e privado no Brasil, nada disso contribuiu efetivamente para que as pessoas se tornassem mais capacitadas.

E o ensino médio?

Entrando no universo das pessoas formadas no ensino médio, o problema persiste.

Apenas 45% das pessoas têm nível proficiente ou intermediário. Mais da metade, assim, fica do nível elementar para baixo.

Por quê? Porque o currículo é enorme em teoria, boa parte do ensino privado é bem fraco enquanto o ensino público é predominantemente sucateado e submetido ao regime de aprovação quase obrigatória.

O PISA, renomado teste internacional aplicado em estudantes de 15 anos, dá uma boa ideia da estagnação que vive o Brasil na educação.

PISA mostra educação brasileira estagnada desde 2009 - O Cafezinho
PISA: bem parado ao longo dos anos
Pisa: como o desempenho do Brasil no exame se compara ao de outros países da América Latina - BBC News Brasil
Mesmo na América Latina estamos mal…

O que esperar de pessoas sem alfabetização proficiente?

Não é difícil imaginar que pessoas não preparadas têm dificuldade em formar uma imagem clara da situação do país que as capacitem para, por exemplo, votar com real conhecimento de causa:

Sem generalizar, alguns dos itens abaixo são crenças bem comuns em pessoas com menor capacidade de interpretar e entender a realidade.

A pessoa típica…

• Pensa que o presidente do país é uma combinação de pai de família com líder quase absoluto, onde tudo que acontece no país, é culpa ou mérito dele.

• Vê o estado como um provedor que deveria abrir o bolso sem fundos para suprir todas as necessidades do povo e quando não faz isto, é um governo malvado e insensível

• Quando ajuda eleger um político que “consegue” fazer um poço artesiano, ou algo assim, na sua região, o tal passa a ser uma grande figura.

• Encara o político como um tipo de ladrão, mas não sabe muito bem qual deveria ser o seu papel.

• Informa-se basicamente por manchetes, slogans, frases soltas ou lacradoras, memes, mensagens, imagens e aparências.

• Mal sabe o nome do presidente e dos antecessores, e mesmo assim não vai muito além da superficialidade.

• Não sabe, em geral, o nome do vice e outros personagens importantes do nosso cenário político.

• Confunde estado com capital. (Sim, isto é meio fútil, mas isto sempre me causa espécie: já presenciei vários casos, até envolvendo pessoas de boa formação, falando frases como “minha tia foi à Fortaleza e depois para o Ceará”).

G1 e a culpa pela inflação

Neste contexto, há uma pesquisa do Datafolha, divulgada pelo G1, em que 75% das pessoas culpam o presidente pela inflação.

G1 e suas manchetes

Não estou aqui fazendo juízo de valor sobre a culpa do presidente, nem dizendo que a pesquisa está errada, nem minimizando o malefício da inflação para a economia e nem negando que seu aumento pode piorar a situação do atual presidente.

No entanto, o tipo de pessoa retratada acima que dá esse parecer é predominantemente do tipo que:

• Mistura o conceito de inflação com carestia, quando ela percebe que o tomate ou outro item está mais caro.

• Pensa que o preço da gasolina cara é ganância e não entende que o preço do combustível impacta outros itens.

• Imagina que o governo pode tourear a inflação como se fosse um cavalo brabo que está sendo domesticado.

• Até cai na esparrela de achar que tabelamento de preços pode resolver alguma coisa, por absoluta falta de conhecimento de como o mercado funciona.

Fora que a percepção de “culpa” pela inflação não é o mesmo necessariamente do que intenção de voto.

Assim, no fundo, a intenção de voto é a única coisa que realmente importa em pesquisas deste tipo.

Pesquisas temáticas servem mais, talvez, para nortear as estratégias de marketing de cada candidato

Afinal, quem decide a eleição?

Assim, as pessoas sem alfabetização proficiente totalizam cerca de 88% dos eleitores.

E são estes que decidem as eleições e não a chamada “elite” intelectual.

Lógico que aqueles são influenciados pelos formadores de opinião, dos quais a grande maioria está dentro da tal elite, mas não através de análises, textões e artigos, mas sim por elementos simples e diretos, mas não necessariamente relevantes.

Por mais que achemos que estamos fazendo a cabeça de outras pessoas pelas redes sociais (e na maior parte é uma tentativa inútil perante pessoas que já estão com a cabeça feita), a realidade do Brasil se estende muito além de nossos limites.

À guisa de esclarecimento

Esse texto não é propositivo.

Serve apenas para chamar a atenção das pessoas que o mundo lá fora é bem maior do que o mundo que gravita em torno de nós e que muito disso decorre do descaso do estado com a educação por décadas e décadas.

Não se trata aqui de atacar os princípios da democracia ou defender uma ditadura dos “iluminados”.

O remédio sempre será pela educação, e nunca deve se cogitar outras alternativas.

A população minoritária que é alfabetizada proficiente muitas vezes não toma as melhores decisões em sua vida apenas por estar nesta condição. Ou seja, trata-se de uma condição muitas vezes necessária, mas não suficiente.

A vida pede muito mais do que isso.

É preciso sabedoria, ponderação, moderação, conseguir se colocar no lugar das outras pessoas, menos egoísmo, menos impulsividade, mais paciência, e não se deixar levar por comezinhas vaidades ou orgulhos frívolos.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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2 Comentários

  1. Muito bom texto. Gostaria apenas de acrescentar um pouco. A questão mencionada se complementa com o chamado Efeito Dunning-Kruger que, grosso modo, mostra que as pessoas ao absorverem algum conhecimento superficial sobre um assunto (independente da fonte) passam a se julgar conhecedoras do assunto, mais conhecedoras que quem é da área. Uma espécie de decorrência desse efeito é que as pessoas começam a desdenhar daqueles que são especialistas de fato.
    Cansamos de ver isso durante a pandemia.
    Eu costumo brincar que o Brasil era mais fácil quanto éramos “100 milhões de técnicos de futebol” – os mais velhos que gostam de futebol sabem do que estou falando. Hoje, somos um país de 170 milhões de economistas, juristas, infectologistas…
    Adicionando um exemplo ao texto do Paulo, muita gente não entende a diferença entre réu e condenado. A maioria não entende que corrupção é corrupção, não importa o valor ou o tipo de negociata.

    1. Valeu, Marcel! Concordo com você. É pior saber pouco sobre algo e achar que sabe tudo do que não saber (quase) nada e ter consciência disto. Uma das frases mais interessantes em português e paradoxalmente simples é “Eu não sei”. Denota humildade e sinceridade, por vezes incomum no mundo moderno, repleto de “sabichões.

      O efeito Dunning-Kruger é bastante comum em pessoas menos capacitadas, mas ocorre, em algum nível, em todo o mundo. Temos que nos manter alertas para não ser tão vitimados por este efeito.

      Pessoas inteligentes, podem ser boas em algumas coisas, mas, como todo mundo, não são boas em tudo.

      Em suma, achar que sabe mais do que realmente sabe, se passa de um certo ponto, é sinal de presunção, arrogância e ego exacerbado.

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