Memórias

Minhas Copas: 1998

Em 1997 is tigres asiáticos se transformaram em gatinhos e no ano seguinte a crise na Rússia se alastrou e quase colocou o plano Real a pique. O governo segurou a moeda sobrevalorizada até as eleições, quando FHC se reelegeu no primeiro turno. Iniciava-se o ciclo de presidentes reeleitos. Talvez, uma péssima ideia para o Brasil. O segundo mandato do tucano foi muito pior que o primeiro.

Nesse ano, o presidente tornou-se um político mais solitário. Em um curto espaço de tempo, perdera dois amigos e aliados muito próximos: Sergio Motta, o Serjão, então ministro das Comunicações, seu braço direito no Executivo, e Luis Eduardo Magalhães, líder do governo no Congresso. Dizia-se que o baiano chegaria à presidência, era um potencial candidato na eleição de 2002. Sedentário, sofreu um impacto fulminante. Seu pai, ACM nunca mais foi o mesmo. Nem FHC.

A Copa da França contava com o Brasil na lista de super favoritos. O time era forte. Durante o periodo de preparação, já em sólo europeu, Romário foi cortado. Muito comentado na época que a decisão havia sido tomada pelo coordenador Zico, com quem o baixinho não se dava bem. Supostamente contundido, o herói de 94 jogou pelada no Rio nas semanas seguintes. Um ataque com Romário e Ronaldo, por meia hora já causaria grande estrago aos adversários. Eu manteria o baixinho mesmo à meia bomba. Cortá-lo às vésperas da Copa foi um erro colossal.

Outra estupidez foi manter Bebeto, já na descendência, como titular e deixar Edmundo, melhor jogador brasilero naquele ano, no banco. Incompreensível. De qualquer maneira, o time do velho Lobo Zagalo era consistente: Taffarel, Cafu, Aldair, Junior Baiano, Roberto Carlos, César Sampaio, Dunga, Leonardo e Rivaldo, Bebeto e Romário. Denison, Giovani e Edmundo eram reservas de luxo.

Começamos com uma vitória tranquila sobre a Escócia (2×1), seguida de um 3×0 em Marrocos. Já classificados em primeiro do grupo, o time experimentou um apagão enquanto vencia por 1×0 e em 3 minutos sofreu a virada da Noruega (1×2), resultado que permitiu aos nórdicos se classificarem em segundo e eliminou a seleção de Marrocos, que até então avançava às Oitavas.

Nessa fase, o Brasil venceu bem o Chile (4×1) e depois a Dinanarca (3×2) nas quartas. Na semifinal, outro encontro com a Holanda, que tantas boas lembranças nos trazia da Copa anterior. Foi o melhor duelo da competição. O Brasil inaugurou o placar com Ronaldo, mas o empate veio ainda no primeiro tempo. Após um intenso ‘toma lá, dá cá’ até o final da prorrogação (à época ainda valia o gol de ouro), fomos para decisão de pênaltis. Brilharam a estrela de Taffarel e o entusiasmo do velho Lobo, incansável no estímulo aos atletas antes das cobranças. O treinador brasileiro era pura emoção.

A final seria contra a anfitriã, a França do maestro Zinedine Zidane, que começara a competição sem convencer, quase foi eliminada pelo Paraguai nas oitavas, derrotou a Itália nos pênaltis depois de um 0x0 modorrento e despachou a Croácia na semifinal por 2×1. O Brasil chegava ao último jogo com melhores credenciais. Após o êxito contra os holandeses, eu considerava o título uma barbada. Foi um erro de avaliação, o pico de adrenalina chegou antes do tempo.

Na véspera do jogo, Ronaldo teve uma convulsão. Foi levado às pressas para o hospital e se juntou ao grupo no vestiário, um pouco antes do início da partida. Edmundo apareceu na lista de titulares e o mundo não entendeu nada. O episódio com o Fenômeno até então estava restrito ao time e ficou cercado de segredos por um bom tempo. A versão oficial alega que Ronaldo disse que estava bem e queria jogar. Zagalo então voltou atrás de sua decisão de começar com Edmundo e colocou o Fenômeno desde o início. Nem ele, nem o resto do time entraram em campo naquele dia e Zidane liquidou a fatura com dois gols de cabeça no primeiro tempo. Nos acréscimos da etapa final, o 3×0 consagraria os ‘blues’, em seu primeiro título mundial. Consolidava-se ali uma freguesia que dura até hoje. Em outras duas ocasiões decisivas, a França derrotaria o Brasil: na final Copa das Confederações do ano seguinte e nas quartas de final da Copa de 2006.

As teorias da conspiração proliferaram após o inusitado; o Brasil teria vendido a Copa para a França, por intermédio da Nike. Balela. Foi apenas um jogo de um time só. Em um dia bom, o Brasil venceria. A hegemonia seria reconquistada quatro anos depois.

O mundo assistia à saga de Bill Clinton, que lutava para manter-se no cargo. Sob acusação de perjúrio e obstrução de justiça, ele foi à berlinda no segundo processo de impeachment da história americana e acabou absolvido pelo senado em Fevereiro do ano seguinte, mas suas estripulias no salão oval da Casa Branca foram tornadas públicas para o mundo, fazendo a alegría dos tablóides de fofoca. Uma humilhação planetária.

Desabou um edifício na Barra da Tijuca. Isso mesmo, desabou. O edifício The Palace II foi construído com material de segunda e falhas de engenharia, um retrato brasileiro.


Na TV, Ratinho e Gilberto Barros bombavam, era o apogeu da baixaria. Suzana Alves, a tiazinha do Programa do Huck pré-Globo, povoava o universo masculino em trajes mínimos. Paradoxalmente, o cantor do ano era o Padre pop Marcelo Rossi, que atraía multidões com suas missas musicais.

Eu já tinha completado um quarto de século, estava formado e pós-graduado e ascendia na carreira. Ainda não sabia, mas aquela seria a minha última Copa solteiro. As transformações na vida em quatro anos ainda eram radicais. Iria demorar para que as mudanças fossem mais sutis…

 

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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