Brasil

Sobre foro privilegiado, vácuo de poder e STF

Quando Ricardo Lewandowski rasgou a Constituição e manteve os direitos políticos da impichada Dilma, em uma trama sorrateira costurada em conjunto com Renan Calheiros, a Suprema Corte calou-se em um vergonhoso silêncio corporativista. Felizmente, os eleitores mineiros endossaram a Constituição nas urnas.

Na mesma linha, o trio Gilmar Mendes, DiasToffoli e Ricardo Lewandowski permitiu a reeleição de Alcolumbre e Rodrigo Maia, engavetando a carta magna. Ninguém disse nada.

Se voltarmos no tempo, lembraremos de Celso de Melo dando dica aos advogados de defesa dos mensaleiros sobre os famosos embargos infringentes, que attenuaram bastante a pena dos condenados.

As viradas de mesa no caso da prisão em segunda instância e as anulações da condenação de Lula, que nunca teve seu mérito revisado, são outros exemplos que mostram que a Corte decide de acordo com os ventos de ocasião, tomando posições majoritariamente políticas. Casos não faltam e não dedicarei mais tempo aos exemplos.

Nos anos 90 ou na virada do século, não me recordo de uma Corte tão ativista ou intrometida. O STF da época não parecia ser composto por pavões vaidosos que gostavam de holofotes e pitacos em tudo. Provavelmente também não eram provocados com tanta assiduidade, não havia uma “Rede” a instaurar pedidos semanalmente.

Não sei em que momento se deu essa mudança, alguns dizem que foi após o televisionamento das sessões, que teria convertido juízes em atores. Mesmo assim, de atores para políticos a jornada é longa. Foi uma transformação gradual, aquela história do sapo em água fervente. Hoje o tribunal é fonte contínua de insegurança jurídica e protagonista quase certo das maiores confusões do país.

Trata-se de uma Corte caríssima, poucos falam sobre isso. São quase 2800 funcionários para atender os 11 semi Deuses, reclusos em seus castelos construídos com muito ego, mordomias, soberba e retórica difícil. Não tenho dúvidas que deve ser a pior relação “custo-benefício” entre as instituições públicas brasileiras.

A pergunta que não quer calar é como chegamos a esse ponto. Há uma tese que eu particularmente gosto, a de que o poder não deixa vácuo. Se quem o detém não exerce como deve, alguém o fará. Nesse caso, a leniência vem do Congresso.

E aí temos o problema do maldito foro privilegiado. Dezenas de deputados e senadores tem processos em andamento na Corte, certas figuras proeminentes com anos na fila. Alguém consegue imaginar qualquer uma das casas com pautas que desagradem seus julgadores? Trata-se de anomalia insolúvel.

A existência do foro privilegiado, portanto, descaracteriza o correto balanceamento entre os poderes. O maldito nasceu na Constituição de 1988, e mesmo assumindo que foi por uma causa justa (o regime militar perseguiu parlamentares), seus efeitos colaterais foram bastante nocivos (eu até me pergunto se os “penduricalhos” nos salários da magistratura não começaram a surgir a partir desse período, algo a ser pesquisado).

A falta de um Legislativo que enquadrasse o Poder Judiciário dentro das suas “linhas de atuação ” criou um monstro. Essa ausência do famoso “check and balance”, próprio de um sistema tripartite (Executivo, Legislativo e Judiciário) gera frequentemente ameaças de crises institucionais.

Alguns dirão que o modelo de escolha  dos ministros intefere no bom andamento do processo. Há contra exemplos, os EUA são o melhor deles. Lá o balanceamento entre os três poderes ocorre normalmente e não há notícias de crises como a que vivemos como rotina. Por outro lado, a Constituição Americana é muito mais simples do que o nosso “livro”…

Tudo que foi escrito é mera opinião desse escriba, mas a conclusão não é nada promissora. Como a probabilidade do Congresso acabar com o foro privilegiado é remotíssima, ele seguirá acuado em qualquer situação de potencial conflito com o Judiciário.

E como já foi dito, não existe vácuo de poder. O STF, com suas contradições ambulantes, seguirá ditando as regras do jogo, acima do bem e do mal e imune às poucas críticas (onde já se viu criticar divindades). Não será a concessão de uma graça (ou indulto) que mudará essa realidade.

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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