Jogo Bonito!
A essência do futebol é o gol. Buscá-lo incessantemente causa admiração.
Infelizmente, experimentamos em 1982 um ponto de inflexão na história do ‘jogo bonito’. A derrota da seleção canarinho, expoente máximo do futebol arte, para a pragmática e defensiva Itália, que veio a sagrar-se campeã naquela Copa, alterou radicalmente os rumos do futebol. A partir de então, a retranca passou a ser valorizada, times repletos de brucutus, marcadores natos e destruidores de jogadas, se tornaram coqueluche. Passamos a viver nos tempos em que 1×0 é goleada.
Eu me recordo como se fosse hoje daquela Copa. O clima de expectativa e congregação ao redor daquele time nunca mais se repetiu nas vésperas dos mundiais nos 28 anos seguintes. Acho que isso era causado pela confiança que aquela seleção inspirava. Um time que jogava sempre para frente, em busca do gol. E como consequência…só fazia golaço! Foram 15 gols naquela Copa, e quase todos uma ‘pintura’.
Mas, infelizmente perdemos. Talvez por que no fatídico jogo contra a Itália, eu mudei a roupa com a qual me vestia. O ‘moletom’ cinza foi abandonado, justo naquele jogo. Afinal, era uma superstição idiota. O primeiro tempo eu assisti no meu vizinho. No intervalo, fui correndo para a minha casa, nervoso. O empate era nosso, faltava só um gol. Que veio. Mas não resistiu à entrega do Toninho Cerezo, alguns minutos depois. Ao final do jogo, chorei. Mas não estava sozinho. 123 milhões choraram comigo e naquela noite, Fernando Vanucci (alô você!) embargou a voz no Jornal Nacional, e quase abriu o berreiro. Eu tinha 9 anos e uma história de alegrias e tristezas com o futebol me esperavam, mas nada foi tão marcante quanto aquela tarde no Estádio do Sarriá.
Acho que o Brasil chorou como premonição do que teríamos pela frente. Esquemas defensivos passaram a prevalecer em nosso futebol, com ‘professores’ privilegiando volantes marcadores, em detrimento de armadores qualificados. A preocupação em não tomar gol prevaleceu sobre a vontade de fazê-lo, corrompendo nosso DNA genuinamente ofensivo. Algumas poucas exceções se destacaram ao longo dessas três longas décadas, mas nada que realmente enchesse os nossos olhos. Talvez esse Santos de Neymar e Ganso tenha sido o que mais se aproximou da magia daquela época.
Experimentamos Lazaronis, Zagallos, Parreiras, Scolaris, Dungas e Menezes, esse último agora responsável por levar o Brasil à próxima Copa, e adepto de uma retranquinha básica. Que o digam os corinthianos, que sofriam continuamente com a reclusão do seu time na defesa, após fazer 1×0. Mesmo os mais renomados ‘professores’ da atualidade; Muricy e Felipão, são especialistas em armar boas defesas…
Quem joga no ataque hoje é o Barcelona, base da seleção espanhola. E encanta o mundo. Surrou impiedosamente o nosso badalado Santos, na final do Mundial de Clubes. Ganhará tudo? Não, em algum momento, cairá. Será um dia de pouca inspiração com um adversário bem aplicado. O futebol é assim mesmo, nem sempre o melhor ganha. Mas faz história quem joga para frente e busca o gol a todo momento.
Papai Joel Santana recuou o Flamengo covardemente em recente confronto com o Emelec, após estar ganhando de 2×1. Tomou dois gols, levou a virada e está virtualmente eliminado na primeira fase da Libertadores. Um papelão. Bem feito! Hoje, em um jogo quase amistoso entre Vasco X Flamengo, o técnico vascaíno entrou com três volantes em campo. Saiu perdendo no intervalo, corrigiu o time no segundo tempo (sacando um dos volantes, substituindo por um outro mais habilidoso), empatou – mas não tardou muito para colocar mais um destruidor em campo. Voltou a ficar com três volantes. Levou um gol de pênalti no último minuto de jogo. Foi castigado pela postura covarde. Perdeu. Bem feito! O pior é que essa turma não aprende, continuarão sustentando esses esquemas medrosos.
Sou vascaíno desde sempre e de coração, mas sobretudo sou apreciador do bom futebol. Por isso, também ‘estou’ torcedor do Barça. Espero que o sucesso do time catalão desperte novamente a nossa vocação ofensiva, tão maltratada por professores dos mais variados estilos nas últimas décadas.
Quando estava de mudança da Grécia para Inglaterra, engatei um papo com a turma que ‘empacotava’ a minha casa. No momento em que souberam que eu era brasileiro, começamos a falar de futebol. O fanatismo grego pelo esporte bretão é tão grande quanto o nosso. Foi quando um dos sujeitos com o qual conversava me escalou, de ponta a ponta, a seleção Brasileira de 82. Só errou o Serginho e teve dificuldade para lembrar do goleiro, o não tão seguro Waldir Peres. Ele me disse que chorou muito após a derrota para Itália. Me senti confortado. Além dos 123 milhões de brazucas que derramaram lágrimas pela derrota do futebol arte para o brucutu, tivemos companhia em muitas partes do mundo. Meu interlocutor grego seguramente não foi o único.
O futebol pragmático, defensivo e ‘pegador’ pode até conquistar alguns títulos, mas quem faz história e se eterniza na memória dos admiradores do ‘jogo bonito’ é o futebol ofensivo. O exemplo do empacotador grego é uma comprovação disso. Aprendam, professores!