Brasil

Entendendo o fenômeno Bolsonaro

Gostem ou não do capitão, ele é o maior fenômeno eleitoral desde a coroação de Luis Ignácio, ‘ex-fundador’ do Brasil e hoje presidiário.

Bolsonaro não tem partido político fixo, ao longo de 28 anos como deputado transitou em vários deles, sempre no baixo clero. Destacou-se no Congresso mais por suas frases polêmicas que por sua atuação parlamentar. Não é especialista em nenhum assunto e como militar da reserva primou pela defesa de interesses corporativistas na Câmara.

Quando anunciou sua candidatura à presidência, tornou-se motivo de chacota, mesmo partindo de um patamar razoável de 7% das intenções de voto. ‘Não tem potencial de crescimento’ , dizia a maioria, inclusive esse escriba. Logo superou a barreira dos 10% e consolidou-se em segundo lugar, somente atrás do divino preso. Mesmo assim, a aposta era que desinflaria a partir do começo do horário eleitoral, visto que possuía meros 8 segundos de TV e uma estrutura de campanha amadora. Sacramentada a obviedade que fichas sujas são inelegíveis, herdou a liderança nas pesquisas em um patamar de 20% no início dos programas de TV e rádio.

Sofreu um atentado à faca, perdeu metade do sangue do corpo, e por questão de minutos não entrou para história como candidato assassinado. Hospitalizado por três semanas, ficou ausente da campanha e exceto em um breve período de poucos dias após a facada, apanhou de todos os candidatos.

A pouco tempo da eleição, atingiu 32-33% de intenção de votos, equivalente ao somatório de Haddad e Ciro. Mobilizou milhões de pessoas que foram às ruas no Domingo para defendê-lo do movimento ‘#elenão’, que no dia anterior também se manifestou em várias cidades do Brasil, uma espécie de ‘um contra todos’.

Especula-se sobre a possibilidade de que seria capaz de vencer no primeiro turno, possível, apesar de pouco provável. Mesmo que não o faça, se mantiver a tendência de crescimento observada nos últimos dias, chegará ao segundo como franco favorito. Desalojou o PSDB do papel de anti PT e às vésperas das eleições simboliza uma trajetória imprevisível e surpreendente, derrotando até aqui todas as probabilidades. Como explicar?

Bolsonaro foi o primeiro político de alcance nacional a abraçar a causa do combate à violência e criminalidade, um tema sensível à quase toda população e negligenciado nos gabinetes de Brasília e outras capitais. Os índices de homicídios não retrocedem há muito tempo e são compatíveis com países em guerra civil (60mil assassinatos anuais). Quem vociferava contra isso desde sempre? Por mais que ele não traga as soluções, que a ideia ‘armamentista’ seja na melhor das hipóteses uma medida coadjuvante na resolução do problema e na pior uma estupidez, para angariar empatia basta tratar o assunto com a importância que o mesmo tem para a população. Quando ele diz que prefere ver um bandido sofrendo na cadeia do que uma vítima inocente no cemitério, está representando milhões de cidadãos de bem desalentados com a permanente situação de insegurança.

Bolsonaro sempre foi um veemente defensor da Lavajato, ao contrário de muitos colegas, que pelo rabo preso ou proximidade com quem o tem, nunca estiveram em sua linha de defesa. Valendo-se do fato de não estar envolvido nos escândalos, algo raro no mar de lama sob o qual o Congresso submergia, o deputado elevava o tom dos discursos contra a corrupção, sem papas na língua ou seletividade. Como poucos efetivamente o fizeram, a falta de concorrência lhe ajudou a conquistar o imaginário popular como político honesto, espécie em extinção nos dias atuais.

Não menos importante, seu combate aos exageros do politicamente correto, se por um lado lhe rendeu muitos desafetos à esquerda, que o acusavam de homofóbico, misógino, defensor de tortura, racista, dentre outros impropérios, por outro lhe permitiu conquistar a simpatia de um eleitorado mais conservador, insatisfeito com as imposições da agenda globalista. Os embates com a deputada Maria do Rosario e o deputado Jean Willys atraíram a simpatia de muita gente, inclusive a do autor desse texto. Em algumas ocasiões, declarações que ele deu tomaram proporções maiores do que seriam,  caso fosse um pouco mais articulado. Bolsonaro não se compara a uma Dilma, para quem ‘lé e cré’ nunca andam juntos, mas está longe de ser um primor de oratória.

Esses três elementos o transformaram em um candidato popular, pois os assuntos são caros a uma grande massa de eleitores, e no contraponto ao PT, situação que ele soube aproveitar com eficiência, ocupando uma lacuna deixada pelo usualmente frouxo PSDB. Aliado a uma personalidade simples, mas carismática, em um cenário onde ‘mais do mesmo’ é lugar comum, catalisou sua candidatura.

Para se tornar palatável ao mercado, converteu-se ao liberalismo e se aproximou de Paulo Guedes, economista da escola de Chicago. O passado do capitão contradiz a versão bolsonariana atual, mas coerência não é das virtudes mais admiradas por essas bandas. Convenientemente para si, o pensamento liberal posiciona-se no espectro oposto ao petismo, reforçando seu ‘status’.

Não foram poucas as declarações polêmicas, infelizes e com doses variáveis de preconceito. Concorrentes como o divino preso e Ciro também tem uma folha corrida com afirmações e comportamentos lamentáveis que rivalizam com as do capitão, mas para boa parte da população, essa não parece ser uma pauta relevante. Uma vez definido o candidato, ele é perdoado pelas bobagens que diz.

Mesmo atuando há três décadas dentro do sistema, Bolsonaro vende-se como ‘outsider’ e essa imagem tem prevalecido, em parte por seu posicionamento nos temas violência, corrupção e comportarmento, distintos para o padrão usual, e outra pelo cansaço da população com os partidos tradicionais, fustigados por toda sorte de malfeitos.

Acusado de superficial, não está sozinho. Os candidatos, em geral, sofrem desse mal, espalhando soluções simples para problemas complexos, que geralmente serão engavetadas após a posse, por inefetividade. O armamento da população e as escolas militares são bons exemplos.

A superficialidade, por sinal, é uma das pragas contemporâneas. Como a informação é consumida rapidamente de maneira quase ilimitada, posições extremadas tem maior adesão. A moderação exige mais palavras e tempo para assimilação dos argumentos, paciência, enfim, que falta à maioria das pessoas. Mais um ponto favorável a Bolsonaro.

Não é de surpreender que ele seja o principal candidato a assumir a presidência do Brasil nessa virada de ciclo. Foram 16 anos de Lulo-petismo (incluindo dois de Temer, o radioativo vice de Dilma) que parecem estar exauridos. Da mesma maneira que Lula substitui FHC com uma percepção de ruptura, amenizada pela carta ao povo brasileiro, onde assinou compromissos de responsabilidade econômica, Bolsonaro representa a ruptura ao duopólio de poder, possivelmente atenuada em caso de manifestação de tolerância à diversidade feita pelo ex-capitão.

Por maior que seja a rejeição de parte do eleitorado a Bolsonaro, negar a realidade não ajuda a entendê-la. O fenômeno é explicável. Difícil é prever como será um eventual governo seu, quais os caminhos trilhará na relação com o Congresso, economia, orçamento, reformas. Para começarmos esse exercício, teremos que esperar pelo fim do mês.

https://youtu.be/iD084Y2XI5g

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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Um Comentário

  1. O Brasil neste momento está precisando realmente de um ser forte, família e que fale a língua do povo. sofrido .Sou Bolsonaro porque finalmente, encontrei um ficha limpa.NAO preciso mais votar,mas quero contribuir para um Brasil melhor.Acredito que dará certo.Ja passei por muitos presidentes.Conheci letrados com boa oratória e semianafabetos.

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