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Desventuras de um app de transporte compartilhado

Tenho um colega de trabalho (vou chamá-lo de Arturo, nome fictício) que é early adopter de novas tecnologias. Ainda mais quando prometem ser mais baratas do que as velhas tecnologias. Por isso, não resistiu à tentação de instalar o novo app de compartilhamento de transporte da Prefeitura de São Paulo, o MobizapSP (vou chamar de Mobi daqui em diante, só para facilitar). Tive oportunidade de escrever a respeito em um longo post alguns dias atrás.

Antes de contar a experiência do Arturo, devo dizer que também instalei o app. Foi uma experiência. Só não tive que informar o tamanho do meu calçado, mas foi quase. O número de perguntas quase me fez desistir. Mas fui paciente (e confiante na Política de Proteção de Dados da empresa), e cheguei ao fim. Pude, finalmente, verificar a usabilidade do app. Não tenho palavras. Por isso, só vou reproduzir uma avaliação que está na loja da Apple:

Mas meu colega não se intimidou com essas dificuldades menores. Na quinta-feira passada, dia de greve no metrô, tentou chamar um Mobi. Um motorista aceitou mas, em seguida, cancelou. Não tendo mais tempo para continuar tentando, desistiu. Detalhe: quando o motorista aceita, o app já cobra o cartão de crédito. Quando o motorista desiste, o app estorna o lançamento. O Uber e a 99, como sabemos, só cobra quando se chega ao destino.

Ontem, segunda-feira, meu colega resolveu tentar novamente. Sorte! O motorista aceitou e não cancelou! O problema é que o app não permite saber onde está o motorista, e também não dá uma previsão de quando ele chega. Arturo, que não se dá por vencido facilmente, esperou pacientemente. E não é que o motorista chegou mesmo! Foram “apenas” 24 minutos de espera, no escuro, sem informação alguma.

Antes de continuar, vale mencionar que a corrida solicitada teria o preço de R$ 18,14. A mesma corrida, pelo Uber X, estava em R$ 39,93. Tarifa dinâmica, beibe! No Mobi não tem nada disso, aqui é a mesma tarifa sempre, faça sol, faça temporal, com greve ou sem greve de metrô. Inegavelmente, Arturo estava bem satisfeito de poder economizar essa grana.

Entrando no veículo, Arturo logo perguntou ao motorista se era a primeira vez que usava o app. Sim, era. O motorista, assim como meu colega, estava testando o serviço. Tinha deixado ligado o dia inteiro, e aquela tinha sido a primeira chamada do dia. O motorista, seu Evaristo (nome fictício), disse que o app não fornece o endereço de quem pediu o carro, só mostra um bonequinho. “Se passar sem querer, já era!”, foi a conclusão do seu Evaristo. Meu colega perguntou se ele tinha visto a mensagem do chat (Arturo tinha mandado uma mensagem perguntando se o motorista estava a caminho). “Não, não vi”. Ao contrário do Uber, o Mobi não mostra para o motorista as mensagens quando chegam, é preciso que o motorista abra o chat… Além disso, o app não mostra quanto tempo falta para chegar ao destino.

O percurso todo levou 23 minutos. Considerando o tempo entre atender ao chamado e o final da corrida, foram 47 minutos. O motorista levou, em 47 minutos, R$ 18,14 para casa (sim, esse foi o valor que apareceu para o meu colega, mas ele descobriu, no final, que esse é o valor do motorista. A cobrança foi de R$ 20,37. Ou seja, para saber o valor de sua corrida, precisa dividir o valor que aparece por 0,89. Bizarro).

Voltemos. Foram R$ 18,14 por 47 minutos. Considerando que, no anda e para do trânsito, foram uns 2 litros de gasolina, líquido sobraram uns R$ 8. Obviamente, por mais que a comissão do Uber seja maior, em horários de pico não tem comparação, a remuneração do motorista é maior. Portanto, o Mobi não tem tarifa dinâmica, mas também não vai ter motorista aceitando corrida em horário de pico. Já é difícil com Uber, imagine com um app que paga quase zero.

Em períodos normais, as tarifas se igualam, e então os motoristas irão aceitar mais corridas pelo Mobi, por que a comissão do app é menor. Mas aí, entra a usabilidade. Entre duas tarifas semelhantes, os usuários vão preferir usar o Uber, que tem uma experiência de usuário muito melhor. Então, temos praticamente um conjunto vazio: em horários de pico, os motoristas preferem o Uber; em períodos normais, os usuários preferem o Uber.

Fico cá imaginando a quantidade monstruosa de dinheiro que será necessário para desenvolver algo minimamente semelhante ao Uber ou 99, com anos de desenvolvimento acumulado. O consórcio que ganhou a licitação vai precisar fazer várias rodadas de capital para manter o negócio em pé. Haja investidor-anjo. A não ser, claro, que o consórcio tenha outros interesses na Prefeitura.

Meu colega, tendo gostado da experiência de ontem, resolveu repetir a dose hoje. Com o Uber X a R$ 44,92, chamou um Mobi, que estava cobrando os mesmos R$ 18,14 de ontem, mas o motorista aceitou e cancelou. Tentou mais uma vez, idem. Uma terceira, a mesma coisa. Foram, no total, 14 tentativas (sim, Arturo é uma pessoa perseverante). O seu Evaristo, pelo jeito, não topou levar o Arturo para casa de graça novamente. Assim como nenhum dos seus colegas. Ainda não inventaram um ser humano que não reaja aos incentivos econômicos.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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