Opinião

Obrigado? Não.

(Esse texto não diz respeito sobre ser contra ou a favor, ou mesmo sobre a importância das vacinas, é sobre liberdade e opressão)

Quem cala consente.

Venho convalescendo do COVID, estou na reta final e acabei me dando conta que se não tive alterações no paladar e olfato, parece que minha paciência foi atingida em cheio.

Ao longo dos últimos dias me deparei com uma série de assuntos que em outras ocasiões não deixaria de comentar. Vivemos em um tempo de tamanha polarização e analfabetismo funcional, que não raro se torna necessário se explicar até o que não se disse. Exercício para o qual confesso me sentir cada vez menos apto dentro dos limites da civilidade.

Contudo, existem situações onde não cabem omissões acabando por nos impor o “dever” de se manifestar, afinal quem cala consente.

Protótipo de Ditador

Nessa semana durante a apresentação do João Agripino Show, o Governador de São Paulo falou que a vacina do COVID será obrigatória. Disse assim:

“Já garanti que aqui os 45 milhões de brasileiros de São Paulo serão vacinados e a vacinação será obrigatória, exceto se o cidadão tiver uma orientação médica e um atestado médico que não pode tomar a vacina. E adotaremos as medidas legais se houver alguma contrariedade nesse sentido”.

Isso mesmo, o Governador ameaça os cidadãos com medidas legais. Quais seriam? Cerceamento de liberdade? Uso da força física? Expropriação do fruto do trabalho através de multa pecuniária?

Se me protejo ao me vacinar, todos tendo a oportunidade de se vacinarem, os que viessem a optar por não se vacinar não estariam prejudicando fundamentalmente a si mesmos? Caberia então pena ainda maior que essa?

Querer impor a toda uma sociedade uma imunização por força de opressão parece muito mais dar vazão a um viés tirânico do gestor público, do que de fato atender os interesses da comunidade dentro dos limites do jogo democrático.

Tentar impor uma imunização a força é algo pouco inteligente, certamente irá despertar uma aversão maior do que pudesse eventualmente haver “naturalmente” e que certamente tenderia a ser um número residual.

Há quem com legítima preocupação pondere sobre aqueles que por questões de saúde não podem ser imunizados e que por conta disso estariam expostos pelas pessoas que não se vacinarem.

É de fato um argumento forte, uma preocupação mais do que válida, mas será que mesmo por isso devemos como sociedade abrir ainda mais mão de nossa liberdade, do diálogo, do convencimento para oferecer ao Estado mais esse naco de poder opressor? Não parece ser uma aposta razoável que na prática a esmagadora maioria das pessoas irá buscar a imunização?

Questionado pela imprensa, não teria sido mais adequado que o Governador respondesse que dado a alto investimento que a sociedade tem feito em recursos para o desenvolvimento de uma vacina e que dada a gravidade da Pandemia o natural é que a as pessoas procurem se proteger e aos seus entes queridos e não o contrário, não sendo assim necessário se pensar em obrigatoriedade?

Quem é contra vacina?

Se de fato existe um crescente movimento “antivacina”, ele acontece por ironia que possa parecer com maior relevância (dentro de sua pouca relevância de fato) em países mais desenvolvidos e em camadas sociais mais elevadas. Os estudos mostram que nos países mais humildes, assim como nas camadas mais desfavorecidas (que de fato convivem mais com as doenças), a receptividade aos programas de vacinação em massa é muito boa.

Não faltará quem use os exemplos mais estapafúrdios para comparar situações absolutamente distintas.

Conversando sobre essa obrigatoriedade já me ponderaram sobre países que exigem algum tipo de vacinação obrigatória para o ingresso do cidadão estrangeiro. Nesse caso, existe um claro exercício de liberdade. Sendo do meu interesse visitar outra nação e se for exigência dessa que eu esteja imunizado contra uma doença qualquer é prerrogativa minha acatar essa norma para adentrar aquele país, pois tenho a escolha se assim desejar de abrir mão dessa viagem. Sempre lembrando que em casos assim o país exige a vacinação dos estrangeiros que o visitam, não de seus próprios cidadãos.

Outro argumento que me foi apresentado em um debate sobre esse tema diz respeito as leis de trânsito que assim como outras leis quaisquer poderiam ser vistas como também uma opressão do Estado. Não se trata de ser contra toda e qualquer regulamentação das relações sociais, se trata de que esse seja um processo criterioso e não algo inercial. Aliás é fácil perceber que nem mesmo um enorme arcabouço de leis e punições fazem de nosso trânsito algo civilizado, o que somente se conseguirá com mais educação e esclarecimento.

Direitos e deveres

Não me parece que nos países mais desenvolvidos, imunizações em massa sejam fruto de obrigatoriedade, mas sim de campanhas de esclarecimento.

Houve quem ponderasse comigo que no Brasil é diferente, que não somos uma nação desenvolvida o suficiente para crer no discernimento da população. É isso mesmo, para essa gente o brasileiro é gado e como tal deve ser tratado, não nos cabe assim buscar referência nas sociedades mais desenvolvidas, tentando percorrer aqui os caminhos mias civilizados.

O Brasil já passou por diversos processos de imunização coletiva com grande sucesso, não me parece que tenhamos elementos novos que nos imponham o caminho fácil autoritário.

Vacinação é um DIREITO da população e uma OBRIGAÇÃO do Estado e não o contrário.

Marcelo Porto

Gênio do truco, amante de poker, paraíba tagarela metido à besta, tudólogo confesso que insiste em opinar sobre o mundo ao meu redor. Atuando no mercado financeiro desde 1986, Marcelo Porto, 54, também é Administrador de Empresas e MBA em Mercado de Capitais.

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