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Olavo de Carvalho: análise de um artigo sobre Newton

Olavo de Carvalho morreu aos 74 anos, 8 dias depois de diagnosticado com Covid-19, sendo que ele não era vacinado por convicção própria.

Olavo de Carvalho em foto de 2019

O médico particular dele alega que ele morreu de enfisema (em geral, causado pelo fumo), agravado por outros males, e não de Covid-19, sendo que existe na Internet um vídeo notório onde Olavo de Carvalho defende que o cigarro não faz mal.

No entanto, não é isso que me move a escrever este texto.

Nos últimos anos, Olavo de Carvalho, foi alçado como ideólogo de uma parte da elite financeira da direita, tendo influenciado muitas pessoas.

Ele, mesmo com pouca instrução formal, era uma pessoa muito inteligente, tendo escrito diversos livros, ministrado muitas aulas, cursos e palestras.

Nos últimos anos, ele teve uma ativa participação na Internet, disparando sobre todo o tipo de assunto e gerando muitas polêmicas, que não vêm ao caso aqui.

Mesmo tendo visto muitas postagens e vídeos do Olavo, fui desafiado a escrever sobre um artigo escrito por ele e publicado na grande imprensa.

Optei por um pequeno artigo publicado no Jornal do Brasil em 2006: Nas Origens da Burrice Ocidental, porque ele fala de um tema muito caro para mim: ciências e história da ciência.

E mais: ele fala sobre Isaac Newton, sendo que li há muitos anos um livro sobre ele: “The Life of Isaac Newton” de Richart Westfall (1993), então tenho especial interesse em um texto que fala sobre o mesmo.

Pintura (1717) retratando Isaac Newton. Pintura era a “fotografia” da época

Vou comentar sobre este artigo, dissecando ponto por ponto, de uma maneira relativamente sóbria.

1 – “Um dos paradoxos inaugurais dos tempos modernos está na facilidade sonsa com que a parte pensante da Europa aceitou os dois princípios da mecânica newtoniana — a eternidade do movimento e a lei de inércia — sem parar por um instante sequer para notar que eram mutuamente contraditórios.”

Resposta: Olavo de Carvalho se refere aqui à primeira lei de Newton que diz textualmente: “Um corpo continua em seu estado de repouso, ou em movimento uniforme em linha reta, a menos que uma força aja sobre ele.”

Newton constatou que um corpo sem a ação do atrito da superfície ou do ar, se moveria para sempre com velocidade constante, porque não há nada para pará-lo.

O modelo permite conclusões muito úteis para a vida do dia-a-dia. Ele sabia e nós sabemos, que na prática sempre existe algum atrito para parar qualquer movimento.

No entanto, se vermos um objeto no chão parado, sabemos que o peso do objeto é contrabalançado pela força que o chão faz sobre o objeto (terceira lei de Newton).

A velocidade de um objeto é uma questão de referencial. Assim o objeto em questão parece parado, mas se tem alguém andando em um ritmo constante, o objeto parece andar no mesmo ritmo para trás, ou seja, com uma velocidade constante.

Se estou em um vagão de metrô a 40 km/h; as pessoas paradas nas estações parecem que estão indo para trás a 40 km/h. O meu celular que estou segurando parece parado para mim, mas está se deslocando a 40 km/h também, junto com o vagão, para as pessoas na estação. Quem está certo? Ninguém e ambos!

´É justamente a inércia que arremessa uma pessoa da moto, quando ela bate em algo. Esse projeção se dá na mesma velocidade que a moto estava, gerando possíveis sérias consequências. Se não fosse a gravidade, a pessoa se projetaria muito mais para a frente.

Newton (1642-1726) foi uma das pessoas mais brilhantes de todos os tempos. Além da mecânica clássica, ele nos legou o telescópio moderno, foi um dos primeiros a fazer análise espectral de cores, criou as bases do cálculo integral e diferencial moderno e trabalhou com gravidade e órbitas (aqui tem uma interessante releitura do trabalho de Isaac Newton nesses tópicos), dentre várias contribuições.

Isaac Newton mudou muitas coisas na ciência, sendo sem dúvida o pai da mecânica que está presente no nosso dia a dia, que faz parte do mecanismo de funcionamento de quase todos os gadgets da vida moderna.

Antes de Newton, apesar de alguns precursores enunciarem ideias parecidas de forma desorganizada, a maneira como a maioria das pessoas enxergava a força e o movimento era primitiva.

As teorias de Albert Einstein, que invalidaram parte das ideias de Newton em situações muito especiais, são extremamente importantes, mas não fazem parte do cotidiano da maioria das pessoas de forma direta.

2 – “A física antiga dizia que um corpo, se não movido por outro, tende a ficar parado. Newton contestou isso, afirmando que a força da sua própria inércia mantém cada corpo eternamente no seu estado presente, seja de repouso ou de movimento retilíneo e uniforme.”

Resposta: “Força da sua própria inércia” não poderia ser uma expressão mais equivocada. Força é tudo que a inércia não representa.

Olavo se esquece que os antigos não tinham conceito de referencial.

Nós podemos até nos imaginar parados, mas a Terra está girando em torno de si mesma completando uma volta em 24 horas e ainda girando em volta do Sol a uma velocidade de mais de 100.000 km/h e não sentimos isso. E isso não é tudo, porque o próprio sistema solar está se movimentando no espaço.

É muito presunção considerar nosso referencial pessoal melhor do que qualquer outro, incluindo outras pessoas que estão se deslocando em relação a nós.

3 – “Só há um problema: se o movimento é eterno, não faz sentido falar em ‘estado presente’ a não ser por referência a um observador vivo dotado do sentido da temporalidade. No movimento eterno, tudo é fluxo e impermanência. Não há ‘estados’ — seja de repouso ou de movimento.

Resposta: Palavras intricadas e com métrica quase poética, mas sem qualquer sentido real.

Movimento eterno é um ideal que o próprio Newton sabia que era o limite de uma situação inatingível na prática.

Por que a lei é usada na vida real?

Porque há condições próximas.

Quando há um bloco B sobre um outro bloco A em cima de uma mesa, que se move com uma velocidade V, e alguém bloqueia o bloco A perto da borda da mesa; o bloco B continua se movendo horizontalmente com a velocidade V e só vai horizontalmente parando (se verticalmente não chegar ao chão) por causa da resistência do ar.

Se a tal experiência for repetida em uma grande câmera de vácuo, ficará muito perto da condição expressa pela primeira lei. Nunca será exato, porque não se consegue fazer um vácuo perfeito.

Mesmo com vácuo perfeito, isso só não dura para sempre porque a câmera tem tamanho finito, mas é possível imaginar.

O número irracional 𝜋 tem infinitas casas decimais, sendo que nenhum tipo de regularidade foi encontrada. O fato de não podemos escrever ou representar 𝜋 com todas as suas casas decimais não inviabiliza seu uso na prática.

O mesmo vale para a primeira lei de Newton: ainda que o movimento infinito não exista, diferentes níveis de aproximações acontecem em situações práticas, resultando em movimentos extensos e duradouros e as leis de Newton podem então ser perfeitamente usadas, nesses casos e mesmo em deslocamentos curtos.

4 – ” ‘Estado’ é apenas uma impressão subjetiva que o observador, ele próprio envolvido no movimento geral, obtém ao medir os movimentos físicos pelo seu tempo interior. A tentativa de montar um universo puramente matemático independente da percepção humana acabava fazendo tudo depender da própria percepção humana. A física materialista fundava-se numa metafísica idealista.

Resposta: Toda vida depende de nossas vívidas, mas enganadoras percepções. Um objeto só está parado na nossa mente. Se estamos no avião, coisa que não estão imóveis assim o parecem.

Ora, muitos equipamentos modernos (microscópio eletrônico, reatores nucleares, aparelhos de ressonância magnética, aceleradores de partículas) funcionam independente da percepção humana.

Faz muito tempo que nossas percepções foram ultrapassadas por aquilo que nossos cérebros foram capazes de projetar.

E olha que se colocarmos uma esfera dura, lisa e perfeita girando em uma superfície muito lisa podemos quase ter a ilusão do que Newton queria passar para nós como movimento sem fim.

5 – “A contradição é tão flagrante, que chega a ser escandaloso que durante tantos séculos quase ninguém a tenha percebido, ou pelo menos assinalado expressamente.”

Resposta: É impressionante como ele se postava como um dos poucos, dentre os mais inteligente da galáxia, capazes de perceber a óbvia contradição, que nós, que fazemos parte da grande maioria de idiotas, não captamos.

6 – “Porém a absurdidade ostensiva continha dentro de si outra ainda pior. Todo movimento é, por definição, uma mudança ocorrida dentro de uma escala de tempo determinada. Se você esticar indefinidamente os limites do tempo, não haverá mais diferença possível entre a mudança e a permanência, entre o acontecer e o não acontecer. “Movimento eterno” é conceito autocontraditório.”

Resposta: Aqui ele brinca, com talento, com as palavras, tentando seduzir o leitor. Ele não tinha nada de bobo.

Olavo leva a primeira lei de Newton a um extremo, quando não depende desse extremo acontecer para ser usado na prática, ainda que aqui não exista nem tempo, nem espaço e nem movimento infinito.

As equações, expressas nas outras 2 leis de Newton, permitem resolver problemas concretos, sendo a primeira lei consequência indireta da segunda lei (F = m a): quando a força resultante é zero, a aceleração também é 0, o que só acontece no repouso ou na velocidade constante.

7 – “Dizem que Newton era o protótipo do gênio distraído, que suas contas tinham de ser corrigidas por assistentes, que uma vez ele foi encontrado na cozinha fervendo um relógio e olhando atentamente para um ovo. Não sei se essas historietas procedem, mas é fato que ele dedicou mais tempo a estudos de ocultismo do que a qualquer coisa que hoje se chamaria de ‘ciência’. Era um tremendo esquisitão, e pelo visto não se atrapalhava só em detalhes de cálculo e culinária, mas nos próprios fundamentos da sua teoria.

Resposta: Ad hominem puro. Primeiro, ele mistura um fato com invencionices. A história do ovo parece ter sido real, mas não foi na cozinha. A criada levou o ovo e a panela para o quarto de Newton, que estava trabalhando.

E esse tipo de fato não tem nenhuma relação com seus escritos e teorias.

Ele era distraído para a vida, nunca se casou, mas era ótimo em cálculos (assistentes não o ajudavam a fazer contas) e ele foi um tremendo workaholic, do tipo que acordava e começava a trabalhar muito cedo, gostava da solidão e não teve problemas com dinheiro.

O tal ocultismo citado é um episódio muito lateral na vida dele. Ele foi um cristão devoto, embora não seguindo todos os dogmas, tendo inclusive estudado bastante a Bíblia, mas isso nunca ocupou o centro da sua vida, repleta de uma vasta produção científica e uma farta quantidade de artigos, anotações e mais 6 livros, com reedições. No final do vida dele, ele ainda estava dedicado a esse trabalho.

8 – “Seus três críticos principais – Leibniz, Goethe e Einstein – sempre falaram respeitosamente dele, mas tenho a impressão de que por dentro riam um bocado do velho. O primeiro observava que reduzir os objetos às suas ‘qualidades primárias’ de medida e movimento, como requerido pela teoria mecânica, resultava em torná-los perfeitamente inexistentes. O segundo tentou mostrar que as qualidades da luz eram correlativas à visão humana; não conseguiu, mas pelo menos deixou claro que um newtoniano só poderia rejeitar sua tese argumentando contra si próprio. O terceiro, ao restringir o alcance dos princípios de Newton a um domínio limitado da realidade, provou o total subjetivismo desses princípios, já que os limites do referido domínio eram os da percepção macroscópica humana”

Resposta: É totalmente leviano dizer que presumivelmente tais cientistas por dentro riam um bocado do “velho” (Isaac Newton). Isso é que é a perfeita expressão de pensamento desejoso interferindo com o conteúdo de um artigo, sem qualquer base fática.

A grande “guerra” de Goethe contra Newton é justamente referente a teoria da luz branca e das cores de Isaac Newton. Este “grande erro” tem sido uma fonte constante de constrangimento para os admiradores de Goethe.

Quanto à Leibniz (1646-1716), ele e Isaac Newton travavam uma célebre disputa pela paternidade do cálculo infinitesimal, então a relação não era lá muito respeitosa. Por causa desta controvérsia, Newton declarou a famosa frase: “Os segundos inventores não têm direitos”. A disputa teve seu fim em 1727, com a morte de Newton. O que se sabe com certeza é que ambos descobriram o cálculo infinitesimal de maneira independente e publicaram em momentos diferentes da vida.

Havia, assim, uma rixa entre eles e eles discutiam sobre muitas coisas. Na época até havia leibnizianos e newtonianos, como se fosse dois clubinhos. Brigavam por tudo.

No caso da mecânica, Leibniz era meio confuso.

Por exemplo, Leibniz sustentava que um corpo em movimento na ausência de qualquer força ativa compensadora naturalmente parará, o que, sabemos hoje, é um besterol.

Leibniz também pensava que ao Newton postular a gravidade como uma força irredutível entre dois corpos e agindo à distância, Newton havia abandonado as explicações inteligíveis da filosofia mecânica e retornado a relatos escolásticos pouco informativos que se contentavam com a postulação de poderes primitivos.

Leibniz errou no contexto da época em considerar o espaço, tempo e movimento como relativos, mas essas ideias foram retomadas com Albert Einstein, sob um prisma completamente diferente do que Leibniz postulava.

Não é sem motivo que, no final, Leibniz ficou mais conhecido como matemático e filósofo do que como físico…

Finalmente, Albert Einstein (também muito espinafrado pelo Olavo de Carvalho), admirava muito Isaac Newton, e ele não refutou as ideias de Newton, apenas estendeu essas ideias, generalizando-as, para um mundo com velocidade extremas.

Aqui tem algumas referências coletadas de Albert Einstein sobre Isaac Newton.

“Afortunado Newton, feliz infância da ciência! … Em uma pessoa ele combinou o experimentador, o teórico, o mecânico – e, não menos importante, o artista em exposição. Ele está diante de nós forte, seguro e sozinho: sua alegria na criação e sua precisão minuciosa são evidentes em cada palavra e em cada figura.”

“Afortunado Newton…! A natureza para ele era um livro aberto, cujas cartas ele podia ler sem esforço.”

“No início (se é que isso existia), Deus criou as leis do movimento de Newton junto com as massas e forças necessárias. Isso é tudo; tudo além disso segue do desenvolvimento de métodos matemáticos apropriados por meio de dedução.”

“Ninguém deve pensar que a grande criação de Newton pode ser derrubada em qualquer sentido real por esta [Teoria da Relatividade] ou por qualquer outra teoria. Suas ideias claras e amplas manterão para sempre seu significado como a base sobre a qual nossas concepções modernas da física foram construídas.”

9 – Os admiradores, em contrapartida, chegaram a prodígios de babaquice na devoção que votavam ao cientista inglês. O poeta Alexander Pope comparava a teoria de Newton a um novo fiat lux bíblico. Voltaire não voava tão alto, mas se contorcia de tal modo para livrar o guru da acusação de ser pai do ateísmo moderno, que deixava no ar a suspeita de que ele tinha sido precisamente isso.

Resposta: Gostar do Newton parece que equivale a fazer de alguém meio idiota, o que se confirmará no último parágrafo do artigo.

10 – O problema com a física de Newton é que, quando um sujeito aceita uma tese autocontraditória como se fosse uma verdade definitiva, a contradição não percebida se refugia no inconsciente e danifica toda a inteligência lógica do infeliz. Newton não espalhou só o ateísmo pela cultura ocidental: espalhou o vírus de uma burrice formidável. Uma parcela da elite intelectual já se curou, mas a percepção da realidade pelas massas (incluindo a massa universitária de microintelectuais) continua doente de “newtonismo”. A quantidade de tolices que isso explica é tão infinita quanto o universo de Newton.

Resposta: Teses inválidas, levam a conclusões inválidas. E quem absorver as ideias de Newton corre então, segundo Olavo, o risco de ter toda sua inteligência lógica destruída. Talvez por isto eu seria visto como estúpido, se Olavo me conhecesse.  Newton foi na vida tudo menos ateu. Então ele não espalhou nenhum ateísmo. Quanto à burrice, ela é a base da construção prática de muitos artefatos de nosso mundo moderno, que deve muito às contribuições de Isaac Newton, então esses são monumentos vivos e disseminados de toda essa burrice.

✭✭✭

Enfim, não sobra nada de minimamente aproveitável nesse artigo.

Nesse artigo podemos ver alguém escrevendo sobre o que ele não entende, falsificando a história da ciência, criticando a vida de Newton para falar mal da obra de Newton (ad hominem), romanceando ou inventando críticas de outros cientistas/filósofos e, finalmente, espinafrando quem admira o legado de Isaac Newton.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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5 Comentários

  1. Excelente artigo, parabéns! Um adendo: Einstein mostra que a física newtoniana é errada justamente porque a velocidade não é infinita, como se pensava, mas sim existe uma velocidade máxima na natureza. Tendo uma grandeza que não pode ir ao infinito, todo o resto (tempo e massa) precisa se ajustar. Assim, de fato, há uma contradição na física newtoniana, mas que somente é importante a velocidades muito altas, próximas da da luz. Como você disse, para o dia a dia, Newton basta. O que não é pouca coisa.

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