O futuro das viagens espaciais
Nos últimos 10 dias, testemunhamos o voo sub-orbital de dois seres humanos sem preparação prévia para este tipo de viagem: Richard Branson, principal acionista da Virgin Galactic e Jeff Bezos, principal acionista da Blue Origin. A experiência dos dois bilionários abre a perspectiva de voos espaciais comerciais, em que passageiros sem nenhum treinamento poderiam viajar pelo espaço. Quão distante estamos desta perspectiva? E o que isto significa? É o que pretendo desenvolver neste artigo.
O início da aviação comercial: um paralelo
Os irmãos Wright e Santos Dumont voaram pela primeira vez com um aparelho mais pesado do que o ar na primeira década do século passado. Não eram bilionários, mas seus feitos podem ser, de certa forma, comparados com os de Branson e Bezos, no sentido de mostrar a possibilidade tecnológica.
Desde a experiência dos pioneiros, quanto tempo foi necessário para que voos comerciais começassem a cruzar os céus? A primeira companhia área do mundo, a anglo-holandesa KLM, foi fundada somente em 1919, enquanto a PanAm, a primeira companhia norte-americana, foi fundada em 1927, mesmo ano da fundação da Varig no Brasil, a primeira companhia brasileira. Ou seja, foram necessários cerca de 20 anos após a invenção do avião até que os primeiros voos comerciais pudessem ser feitos de maneira rotineira.
Na verdade, as primeiras aeronaves com a cara das que temos hoje só vão surgir na década de 30. Antes, eram apenas variações das máquinas de guerra em que os aviões se transformaram na 1ª Guerra Mundial. A Boieng, por exemplo, lançou o Boieng 247, com capacidade para 10 passageiros, somente em 1933. E foi somente na década de 40 que começaram a surgir as aeronaves pressurizadas, que permitiram voos a grandes altitudes.
Considerando este paralelo, será que daqui a 20 ou 30 anos poderemos começar a ter voos espaciais tripulados?
O primeiro voo espacial
Na verdade, o primeiro voo espacial foi realizado por Yuri Gagarin em abril de 1961. Gagarin atingiu altitude de 327 km, em um voo orbital, ou seja, com velocidade suficiente para permanecer em órbita. Em 1963, a russa Valentina Tereshkova tornou-se a primeira mulher a ir ao espaço, permanecendo 3 dias em órbita da Terra, completando 48 voltas em torno do planeta.
Estas conquistas deixam no chinelo o que Bezos e Manson fizeram. Ambos atingiram, respectivamente, 106 km e 86 km de altitude e ficaram no espaço por pouco mais de 10 minutos. Os dois bilionários nem sequer foram originais: em 1986, a professora Sharon Christa McAuliffe tornou-se a primeira civil a participar de um voo espacial a bordo do ônibus espacial Challenger (infelizmente, vítima do acidente da nave) e, em 2001, Dennis Tito, um milionário americano, pagou US$ 20 milhões para que a Rússia o transportasse para a estação espacial internacional. Foi o primeiro turista espacial.
Considerando os primeiros voos de seres humanos para o espaço, o marco dessa conquista deve ser deslocado, portanto, em 60 anos para trás. Se o paralelo com a aviação comercial fosse válido, deveríamos ter tido os primeiros voos comerciais para o espaço já na década de 90. No entanto, nada aconteceu. Agora, 60 anos depois, estamos comemorando o voo suborbital de seres humanos por alguns minutos, como se fosse uma grande conquista. Como vimos, estamos fazendo o que russos e americanos fizeram há 60 anos. Por que a comemoração e a sensação de algo novo?
Os programas espaciais da Guerra Fria
As décadas de 50 a 70 foram marcadas pela chamada Guerra Fria, em que EUA e URSS disputavam palmo a palmo a liderança tecnológica e, mais importante, a narrativa de superioridade de seu modelo econômico. Muitos bilhões de dólares foram investidos pelos dois países nesta corrida. Verbas 100% estatais.
Como sabemos, a dotação orçamentária dos governos precisa disputar espaço com outras prioridades, como saúde e educação. Em países democráticos como os EUA, estes gastos precisam ser justificados diante da opinião pública e vencer obstáculos no processo legislativo. Em países autoritários como era a URSS, o processo é centralizado, então esta dotação segue parâmetros definidos pelos interesses do poder, exercido, no caso, pelo Partido Comunista. Apesar de, neste caso, não haver os problemas inerentes ao processo democrático, o problema acaba sendo o mesmo: recursos escassos. Como sabemos, não há vontade política que crie dinheiro do nada.
O que aconteceu, depois do verdadeiro frenesi da década de 60, é que o dinheiro acabou. Outras prioridades foram tomando conta dos orçamentos dos dois países, na medida em que foi ficando cada vez mais difícil justificar os enormes gastos para colocar homens voando no espaço. Com isso, os programas foram ficando mais modestos com o tempo.
Apesar disso, os americanos ainda reacenderam as esperanças pelas viagens espaciais quando inauguraram o programa dos Ônibus Espaciais na década de 80. Este programa lançou um total de 135 voos tripulados entre 1981 e 2011, quando foi descontinuado. A ideia de ter um veículo reutilizável e com “cara” de avião passava a impressão de que estávamos a caminho das viagens espaciais rotineiras. No entanto, o programa foi descontinuado em 2011, quando terminou a construção da Estação Espacial Internacional.
Algo novo no ar
Na medida em que verbas governamentais foram ficando cada vez mais escassas, surge um novo player disposto a continuar a aventura espacial: o investidor privado.
Em setembro de 2008, a Space X, companhia do empresário sul-africano Elon Musk, lançou o primeiro foguete a atingir altura orbital, o Falcon 1, totalmente financiado com capitais privados. O governo americano, por meio da NASA, passa a ser, neste esquema, um cliente da Space X, e não mais o investidor de risco. E a Space X pode vender seus serviços de transporte espacial a quem bem entender. Na verdade, este é o objetivo.
Em um mundo em que abundam os capitais de risco em busca de boas ideias, é só natural que os governos deixem quem entende do riscado assumir o risco de empreendimentos desse tipo, e dediquem seus orçamentos para funções típicas de Estado e para nivelar oportunidades, financiando iniciativas não lucrativas nos campos da educação e da saúde.
As razões que se dão para o Estado-empresário são de duas ordens: posicionamento estratégico e mobilização de capitais. Quando o governo americano financiou a corrida espacial, estava em busca de afirmação diante de seu maior adversário. Além disso, não havia, naquele momento, investidores privados dispostos a arriscar a montanha de dinheiro necessária para o empreendimento. Colocar um homem no espaço não era um mercado a ser explorado.
Hoje, Elon Musk, Jeff Bezos e Richard Branson estão de olho no mercado de transporte de material para o espaço, o que justifica o investimento. A tecnologia desenvolvida até o momento permite a reutilização dos foguetes, o que torna comercialmente viável a atividade.
Portanto, podemos agora responder o que de tão novo e excitante houve no voo de Richard Branson e Jeff Bezos ao espaço: é a primeira vez que empresários mostram, com o seu próprio exemplo, o quão viável é uma viagem espacial. Trata-se de uma demonstração imensa de confiança no projeto, agora com capitais privados. Esta é a novidade.
Por enquanto, esses voos tripulados são apenas um brinquedo de parque de diversões caríssimo. A “viagem” não leva a pessoa a lugar nenhum, somente permite uma vista deslumbrante da Terra e a experiência da microgravidade. Mas toda inovação tecnológica começa como um brinquedo de ricos, até que a tecnologia permite a sua popularização e redução de custos. É o que vai acontecer com as viagens espaciais. Talvez tenhamos que colocar como marco zero as viagens de Branson e Bezos, assim como foram as experiências limitadas de Santos Dumont e dos Irmãos Wright. Se for assim, talvez na década de 50 deste século já tenhamos voos regulares para a Lua. Sonhar não custa. Ou melhor, custa alguns bilhões de dólares.
Boa explicação! Para aqueles que amam o espaço é uma grande expectativa!