Educação: o Brasil patina na América Latina

Pessoas conseguem distinguir verdade da mentira?
A OECD (Organization for Economic Cooperation and Development) é uma organização multilateral de fomento ao desenvolvimento com 38 membros, do qual o Brasil ainda não faz parte, mas já expressou o desejo de fazer.
Em um teste patrocinado pela OECD comparando 21 países, o Brasil está ficou em último lugar na capacidade média de distinguir corretamente se informações online (que alternam ora notícias corretas, ora incorretas) são verdadeiras ou falsas, se posicionando atrás inclusive da Colômbia.
Interessante notar, no entanto, que, mesmo o país mais bem classificado, que é a Finlândia, se engana 1/3 das vezes, sendo que, na maior parte das vezes, trata-se de puro bom-senso, não exigindo um grande conhecimento intelectual.
Tomando-se o subconjunto de notícias satíricas, em que as pessoas, de forma equivocada, tomaram como verdadeiras, o abismo é ainda maior: A Finlândia acreditou em pouco menos de 1 entre cada 5 sátiras, enquanto o brasileiro (novamente o país pior ranqueado), se enrolou em pouco mais de 2 em cada 5 sátiras.
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Uma das mas renomadas sátiras, que foi assumida como real, foi uma “matéria” do jornal satírico norte-americano the Onion, que anunciou o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, como o homem vivo mais sexy do ano em 2012.

The Onion tem orgulho de anunciar que o líder supremo norte-coreano Kim Jong-un, 29, foi oficialmente nomeado o Homem Mais Sexy Vivo do jornal em 2012.
Com seu rosto redondo e devastadoramente bonito, seu charme juvenil e seu corpo forte e robusto, esse galã criado em Pyongyang é o sonho de toda mulher se tornando realidade. Abençoado com um ar de poder que mascara um lado inconfundível e fofinho, Kim fez o conselho editorial deste jornal desmaiar com seu senso de moda impecável, penteado curto chique e, claro, aquele sorriso famoso.
“Ele tem aquela habilidade rara de ser completamente adorável e completamente macho ao mesmo tempo”, disse a editora de Estilo e Entretenimento do Onion, Marissa Blake-Zweibel. “E essa é a qualidade que o torna o tipo de homem que as mulheres querem, e os homens querem ser. Ele é um verdadeiro gato, com uma intensidade real, que também sabe relaxar e se soltar.”
Este texto obviamente tem estilo satírico, mas foi levado a sério e publicada como verdade pelo diário chinês Diário do Povo, que é órgão oficial do governo chinês, publicado desde 1948.
PISA e o Brasil
O PISA (Programme for International Student Assessment ) é a métrica mais reconhecida para medir qualidade de educação de um país. Ele aplica um teste de conhecimentos em uma amostra diversificada de alunos de 15 anos, de 3 em 3 anos.
O PISA 2022, divulgado em 2023, é a mais recente edição do PISA, que foi adiado 1 ano, por conta da epidemia de Covid-19.
Nota: A diferença de pontos ou percentuais por ano entre países e/ou épocas abaixo irá parecer pequena, mas, de fato, não tem nada de pequena. Isso será explicado melhor na última seção deste artigo.
Na média geral entre Matemática, Ciências e Leitura, dentre 81 países pesquisados, o Brasil ficou em 60o. lugar, o que é muito ruim, como usual. Neste teste, feito de 3 em 3 anos, o Brasil está praticamente estagnado.
Em relação a 2000, o primeiro ano do teste, melhorou 0,58% ao ano em Matemática (o único aumento razoável, mas melhorou apenas 0,21% ao ano em Ciências sobre a nota de 2006 (1o. ano de aplicação) e 0,16% em leitura sobre a nota de 2000.
A bem da verdade, o mundo todo está meio estagnado, mas mais países foram entrando no ranking, tornando transparente o posicionamento ruim do Brasil, mesmo quando comparado à América Latina.
Na América Latina, dentre os 8 países listados, o Brasil ficou em penúltimo lugar, atrás do Chile (44o.), Uruguai (47o) México (52o), Costa Rica (56o.), Peru (58o.) e Colômbia (59o). É muita humilhação. Só ficou na frente da Argentina (62o).
A posição ruim do Brasil na América Latina ficou ressaltada pela inclusão de mais países latino-americanos no ranking do PISA.
Por que isto não me surpreende?
PISA em Geral
A novidade do PISA 2022, em relação ao PISA 2018, é que a China continental não foi mais avaliada (ela tinha ficado em 1o. no PISA 2018, na parte da China onde o teste foi aplicado) e, assim, a Singapura assumiu a liderança por quase 24 pontos em relação a Macau, que também pertence à China. Os países orientais ocupam as 6 primeiras posições do ranking.
Os EUA, como usual, não é lá muito bem avaliado para um país desenvolvido. No PISA 2022 aparece em 18o (com 459 de média). perdendo, para Singapura (14% acima ), Macau, Japão e Taiwan (9% acima), Coreia do Sul (7%) e Hong Kong (6%), Estônia (5%), Canadá e Irlanda (3%), , Suíça e Austrália (2%), Finlândia, Nova Zelândia, Reino Unido e Polônia 1%), República Tcheca e Dinamarca(estão virtualmente empatados com os EUA). O Brasil está 18% abaixo dos EUA em pontos.
Já na edição anterior, (PISA 2018), antes da pandemia, os EUA estavam em 25o. lugar, mostrando que nos EUA a pandemia não interferiu tanto na vida cotidiana quanto na Europa (a queda nos EUA foi de apenas 1,1%). Além dos países citados acima, aparecem a China continental (que não apareceu em 2022), Eslovênia(caiu 3,8%), Suécia (caiu 2,9%), Holanda (caiu 4,4%), Alemanha (caiu 3,6%), Bélgica (caiu 2,7%) e Noruega (caiu 4,5%).
No aumento anual de 2000 a 2022 a classificação do melhor país para pior en crescimento de pontos é: Peru: 1,2%, Chile 0,41%, Brasil 0,39% (o Brasil caiu pouco na pandemia e ficou estável no boom das redes sociais) e Turquia: 0,35%.
No período anterior ao boom digital e móvel de 2000 a 2012, Peru fica novamente em primeiro com 1,6%, depois Tunísia (0,87%), Luxemburgo (0,83%), Chile (0,79%), Polônia (0,78%) e Turquia (0,75%).
A evolução do PISA desde 2000
Há 3 períodos distintos.
O primeiro período (2000 a 2012) foi um período de melhoria contínua, ainda que a um ritmo lento: 0,15% ao ano, entre 2002 e 2012. O Brasil, que partiu de um patamar bem baixo, cresceu com a taxa de 0,75% ao ano. Alguns outros países pobres subiram com taxas maiores que a média geral: na América Latina, o Peru subiu a uma taxa de 1,61% ao ano, a Colômbia subiu 0,53% ao ano, mas o México destoou e até caiu ligeiramente.
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O segundo período (2012 a 1018) reverteu essa melhora e caiu a uma taxa de 0,11% ao ano e 0,17% ao ano em leitura. o que coincide aproximadamente com o grande boom das redes sociais e outros aplicativos viciantes.
Para mim, a força motriz desta queda se refere à conjugação da explosão da mobilidade, pareada com a ascensão meteórica das redes sociais, mensagens instantâneas e congêneres, o que leva muitos jovens e adultos a desenvolveram nomofobia (não querer, de jeito nenhum, ficar longe do celular).
O Brasil teve uma ligeiríssima ascensão de 0,04% ao ano e 0,24% de leitura ao ano, talvez porque a revolução digital tardou mais a ter um presença maciça na população como um todo.
Apesar de ser um tema palpitante, não há muitos estudos a respeito. Interessante que a maioria dos estudos mais focados não são em países desenvolvidos. Separei um artigo de 2021 chamado Internet addictions outside of Europe: A systematic literature review, com 159 citações externas.
Um trecho: Foram incluídos 64 estudos fora da Europa …A maioria dos estudos investigou o vício em internet e transtorno de jogo na Internet (que foi incluído como distúrbio na Sociedade Americana de Psiquiatria)…. no entanto, estudos sobre vício em jogos de azar online, pornografia online e vício em mídia social também foram incluídos. As taxas de prevalência de vício generalizado em Internet variaram de 12,6% a 67,5%. As principais descobertas revelaram uma gama de fatores de risco associados a vícios online, como sofrimento psicológico, transtornos de humor, suicídio, impulsividade, agressão e problemas de sono.
É óbvio que as redes sociais (Teens, Social Media and Technology – 2022 – Pew Technology) , mensagens, jogos (incluindo os jogos de redes), vídeos (YouTube) e streaming estão entre os grandes componentes do uso da Internet no celular ou computador, entre os jovens.
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No terceiro período (2018-2022) a média do PISA caiu 1,9% (0,47% ao ano e 0,60% ao ano em leitura. Esta foi disparada a maior queda anual, desde o início da aplicação do teste em 2000! O Brasil teve uma queda de 0,19% ao ano, sendo 0,18% ao ano em leitura. A queda deve ter sido menor porque a intensidade da quarentena não foi tão alta quanto os países desenvolvidos (Nos países do OECD a queda foi de 0,55% ao ano, e 0,57% ao ano em leitura.
Pode-se tentar dar várias explicações a este fenômeno, mas, no meu modo de entender, este é um claro efeito do impacto da pandemia de Covid-19 e as medidas de quarentena em vários lugares do mundo.
O artigo “Impacts of the COVID-19 pandemic on the social sphere and lessons for crisis management: a literature review” de 2023, com 86 citações externas, fez uma cuidadosa revisão da literatura sintetizando os achados.
Alguns trechos abaixo:
A pandemia da COVID-19 é a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial que desafiou dramaticamente a sociedade humana ….
É claro que muitos aspectos da vida humana foram interrompidos nessas circunstâncias. A pandemia da COVID-19 impôs enormes dificuldades de saúde, econômicas, ambientais e sociais em todo o mundo. Enquanto isso, bloqueios e restrições de longo prazo … intensificaram algumas das consequências da pandemia.
Os resultados mostram que há sete áreas principais que foram afetadas negativamente pela pandemia da COVID-19: saúde, vulnerabilidade social, educação, capital social, relações sociais, mobilidade social e bem-estar social. A literatura relatou efeitos psicológicos e emocionais dramáticos, exacerbação da segregação e da pobreza, interrupção nos sistemas educacionais e formação de uma lacuna de informação, bem como tendências de declínio do capital social entre as comunidades.“
Educação: o Brasil e o mundo patinam
Os pontos do PISA são calibrados para poder comparar os países entre si, mas também com os testes PISA dos anos anteriores. Adota-se uma média de 500 pontos e um desvio padrão de 100 pontos. Desse modo, a pontuação sozinha não dá nenhuma pista da nota absoluta média que os estudantes obtiveram.
Como já tinha adiantado na nota acima, quando comecei a abordar o PISA. Isso quer dizer que as diferenças percentuais do texto anterior, dão uma boa ideia de ordem, mas não da distância real entre os países. Acima parece que todas as diferenças são pequenas, mas não são!
Para dar uma ideia de nota absoluta, o relatório PISA 2022, volume I classifica os alunos do nível 1 ao nível 6. Estudante nos níveis 5 e 6 são considerados de alta performance e o nível 1 é abaixo do básico. Estudantes classificados no nível 6 são bem raros em todos os países, nas 3 áreas (matemática, ciências e leitura).
Como iremos mostrar abaixo, mesmo o bom resultado da Singapura esconde um grande potencial de melhora, o que naõ é tão óbvio de perceber apenas olhando o número de pontos.
Tomando-se, por exemplo, o teste de matemática na Singapura, não é concebível imaginar que 40% das pessoas sejam bem boas em matemática porque tem melhor QI.Ainda que se tenha uma parcela de alunos bem inteligente em Singapura, assim como em qualquer outro lugar, o quociente de inteligência segue uma curva normal, assim seria bem difícil ter 40% de todos os estudantes fora da curva pela inteligência deles.
O que realmente acontece é que muitos assimilaram mais porque se sentiram, de algum modo, mais motivados e estimulados. Sendo assim, fica claro que, mesmo no país com que tirou a melhor pontuação do mundo em 2022, há muitos alunos desmotivados e, assim, há muito espaço para melhorar.
A tabela abaixo mostra um retrato muito pior para o Brasil do que qualquer imaginação poderia supor olhando apenas o número de pontos do PISA, mas é fácil de se intuir, diante do que se observa por aqui. .

Em Matemática, a Singapura tem apenas 7% dos estudantes com nível 1 (abaixo do básico), os EUA 1 em cada 3 estudantes e o Brasil tem pouco mais que 7 em 10 abaixo do básico (meu Deus!). Na outra extremidade, a Singapura tem 40% com alta performance, os EUA apenas cerca de 1 em cada 12 alunos e o Brasil, bem o Brasil, só 1 em cada 100 alunos na banda de cima!
Em Leitura, a Singapura tem apenas 12% dos estudantes com nível 1 (pouco menos que 1 em cada 8), os EUA um pouco mais do que 1 para 5 alunos e no Brasil metade dos alunos.. Na outra ponta, Singapura tem 18% (pouco menos do que 1 em cada 5) com alta performance, os EUA têm 12% (um pouco menos do que 1 em cada 8 alunos) e o Brasil apenas 2 em cada 100 alunos. Proporcionalmente, os EUA está mais perto de Singapura em Leitura do que em Matemática.
Em Ciências, a Singapura tem apenas 7% dos estudantes com nível 1, os EUA tem um pouco mais do que 1 para 5 e no Brasil, tem 55% (mais do que a metade dos alunos). Na outra face, Singapura tem 25% (1 em cada 4 alunos) com alta performance, os EUA têm 1 em cada 10 alunos e o Brasil somente 2 em 100 alunos.
Educação: quase tudo errado
Décadas passam, e quando se testa alunos em conhecimentos básicos, há uma grande oportunidade de melhoria. Quando se lê o documento do PISA, percebe-se que os testes aplicados são muito diferentes da cobrança típica de uma escola tradicional.
Em vez de testar apenas o conhecimento factual, ele avalia a capacidade dos alunos de usar o conhecimento de maneira prática. O foco está em competências como raciocínio crítico, resolução de problemas e capacidade de interpretar e aplicar informações em contextos diversos. As questões do PISA geralmente são contextualizadas em situações do cotidiano ou em problemas reais. Isso exige que os alunos interpretem, analisem e resolvam problemas que não estão necessariamente ligados a um currículo específico, mas que são relevantes para a vida adulta e para o trabalho. O teste de leitura não se limita à compreensão literal de textos, mas avalia a capacidade de encontrar e integrar informações, fazer inferências e refletir sobre o conteúdo de textos diversos, como artigos, gráficos e documentos.
A parte abaixo é amplamente opinativa e subjetiva, mas corresponde às minhas percepções sobre o tema.
Aí está o problema sério na Educação “moderna”: mostramos acima evidências que mesmo a Singapura poderia melhorar muito e o que dirá os EUA? O Brasil, então, está diante de um oceano de atraso, mas que também depende de mais recursos, que não sabemos de onde tirar.
Sabe o que sobra e falta hoje na Educação? Sobra conteúdo inútil, factual, livresco e estático, com excesso de contas manuais e decorebas, que quase não mais se aplicam em um mundo de celulares, computadores e IA, que até geram textos, respostas factuais e resumos.
E, por outro lado, faltam debates, interação mais rica, estímulo à criatividade, ousadia para sair fora da zona de conforto, iniciativa, estímulo ao empreendedorismo, visão prática da vida e de nosso entorno, desenvolver a questão de relacionamentos interpessoais, habilidades de negociação, a importância de flexibilidade, do planejamento, do espírito crítico, desenvolver a capacidade de pôr no papel pensamentos, deias, com poder de síntese, análise e interpretação etc.
Tenho visto na prática que muitos universitários esquecem quase tudo que aprenderam no ensino médio, mesmo tendo estuado nos colégios tipos como melhores e mais caros, especialmente em temas fora da área de sua carreira.
O gap é tão grande, que mesmo quando o estudante termina uma universidade na área que ele pretende trabalhar, ele está repleto de dados livrescos, teóricos e inaplicáveis, e ele logo percebe que tudo fica diferente quando se chega ao mercado de trabalho, inclusive a forma de se relacionar com seus colegas de trabalho.
O mundo mudou, mas grande parte do ensino continua quase no mesmo lugar. Não precisamos hoje de conhecimento enciclopédico imutável, precisamos de gente que possa fazer diferença de verdade.
Muitos serão facilmente engolidos pela revolução da nova IA, que está só começando.
Paulo,
Muito bom tema e texto. Sem incentivo e apoio a uma Educação de Qualidade, da base ao ensino médio, o Brasil continuará patinando. O pior é que estamos na Era da Informação e IA, como menciona. Pergunto-me: será que a IA ajudará a humanidade a ser mais solidária e menos auto-destrutiva ? Parece, que nos tempos atuais, 6 grandes milionários podem definir o futuro de todos para o bem ou para o mal e sem a Educação ficará mais fácil, porque nem a intuição ajudará, já que estamos todos presos a uma telinha.
Obrigado pelo texto.
Valeu, William Rachid Junior. A julgar pelo passado, é bem difícil algo acontecer de verdade no campo da Educação. Quanto à IA, a tecnologia é maravilhosa, o problema é o que fazem com ela e aí siga o dinheiro….