Opinião

Disciplina é Liberdade. E liberdade se conquista

Lá pelo final do século passado, recebemos na Petrobras uma equipe de uma empresa americana famosa por sua competência na área de acidentes de trabalho. Tivemos uma reunião com eles lá no CENPES, na Ilha do Fundão, onde trabalhei por mais de trinta anos.

Na hora do almoço, para chegar ao refeitório era necessário descer um lance de escadas. E fiquei impressionado ao ver que os quatro gringos pararam a conversa e pegaram o corrimão da escada, descendo cuidadosamente. Quando viram a nossa cara de estranheza, esclareceram; 90% dos acidentes  graves em escritório ocorrem em escadas. Vocês não viram isto na nossa apresentação?

Confesso que fiquei com a cara no chão. Eu já trabalhava ali havia uns vinte anos, e nunca sequer tinha reparado que aquela escada tinha corrimão. E o pior é que o exemplo não serviu prá nada; usei o corrimão durante alguns dias, chamei a atenção dos amigos para isto, mas depois desisti. Ninguém usava, mesmo. E o pior é que mais de uma vez vi gente se esborrachando ali.

Sempre uso este exemplo em minhas aulas. O nome disto é disciplina. Que, infelizmente, muitos ainda confundem com obediência cega, que é um conceito totalmente diferente.

O estado de disciplina acontece quando um grupo de pessoas (que pode ser uma equipe, uma empresa ou um país) adquire a consciência que determinadas posturas são boas para todos, e por isto devem ser praticadas. Obediência é algo que se é obrigado a exigir, quando as pessoas insistem em se comportar de forma inadequada.

Usando um exemplo simples, não há necessidade de sinalização obrigando um motorista sueco ou japonês a diminuir a velocidade quando está próximo a uma escola. No Brasil, como nem a sinalização é obedecida, chegamos ao cúmulo de ter que usar lombadas (também conhecidas como quebra-molas). Não sei se alguém já pensou nisto, mas tenho certeza que o prejuízo que os quebra-molas causam para a economia do país, em termos de aumento de consumo de combustível, diminuição da vida útil dos equipamentos do carro, poluição e otras cositss más não são pequenos. Tudo por falta de consciência.

Os povos mais adiantados do mundo são exatamente os mais disciplinados. Não é uma coincidência; Douglas North, economista ganhador do Premio Nobel em 1993 afirma que o que faz um país ser mais ou menos evoluído são as crenças do seu povo (ver http://desenvolvimentoemquestao.blogspot.com/2009/01/douglass-cecil-north-entrevista-revista.html ). Em outras palavras, a forma como o povo pensa e age. Concordo totalmente com ele. E tenho certeza que, se por um acaso algum dia a utopia comunista se realizar, e toda a riqueza do mundo seja dividida (na marra) igualmente entre todos os povos, em pouco tempo os mais ricos voltarão a ser mais ricos. Porque acreditam em trabalho, eficiência e disciplina. Simples assim.

Seguindo o raciocínio, disciplina tem a ver com amor ao próximo. Ou seja; eu não vou ser egoísta e querer me dar bem em cima dos outros, porque eu entendo que o bem da coletividade é mais importante que o meu. Por isto japonês não tenta furar a fila nem depois de um tsunami, conforme mostra a foto abaixo. Todos calmos, esperando a vez de pegar sua cota de combustível, sem necessidade de placas de sinalização e/ou guardas armados.

Japoneses no tsunami. Totalmente disciplinados

Liberdade x Disciplina; a contradição que não existe

O mais triste é que hoje, no Brasil, este conceito errado recebeu uma sofisticada embalagem; “Liberdade individual”. Eu tenho a liberdade individual de não vacinar meus filhos, não obedecer distanciamento, não usar máscara… Só que não é bem assim. Acima de você existe uma coletividade, que vai ser prejudicada por suas ações. Você tem a liberdade individual de tomar um porre, mas não de sair dirigindo bêbado.  E o mais incrível é a gente ter que explicar isto.

Enfim, a frase mais brilhante sobre o assunto é do grande poeta Renato Russo ; disciplina é liberdade. Ou seja, é o momento em que não há mais necessidade de proibições e controles, porque o individuo entendeu o que é o certo e o pratica naturalmente. Citando outro poeta genial, é o que Caetano Veloso quis dizer quando falou que “É proibido proibir”.

O tema é longo e, dede já, prometo pelo menos mais um artigo sobre ele.

Até lá.

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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