Opinião

De Volta às Drogas

Vez ou outra volta à discussão a legalização das drogas. Em razão disso, recuperei aqui nas quinquilharias de casa uma entrevista antiga dada pelo eminente professor da The Old School of Social Research em Velha Iorc, Frieton Mildman, para o Fatos Sim, Partidos Não, do grupo FSPNão.

O eminente professor é conhecido por seus livros Metodologia Negativa da Economia e A História Monetária dos Estados Unidos do Leste.

A entrevista que tenho foi feita numa tarde em Itapuã, em Vídeo Home System – VHS – para a, então, famosa divulgadora da ciência Marina Pasteratila. O VHS está um pouco deteriorado, por isso não foi possível ver e ouvir todos os detalhes, razão pela qual minha transcrição pode conter algumas imprecisões, mas tentarei ser o mais fidedigno possível.

Quanto à entrevistadora, que ninguém sabe mais quem é, soube que se casou e foi morar na Coreia do Norte, com o propósito de viver uma experiência diferenciada.

Mas, vamos ao que interessa.

FSPNão (sorridente, dentes brancos clareados): Hoje entrevistaremos o Professor estadunidense Frieton Mildman, especialista em drogas atualmente ilícitas. Professor, como o senhor se tornou um especialista em drogas?

MF: Certamente não foi experimentando. Em verdade, vi que algumas pessoas se passavam por especialistas em tratamentos médicos sem nunca terem tratado um paciente, mas escreviam ou falavam na imprensa e eram entrevistados. Então, achei que podia seguir os mesmos passos e falar sobre esse assunto.

FSPNão (sorrindo ainda): O senhor se disse favorável à legalização de drogas. É verdade?

MF: Sim, há muito tempo. Veja, quando o indivíduo é responsável por seu tratamento, arca com seus custos, e a sociedade é capaz de impor-lhe restrições e penas por eventuais crimes cometidos sob seus efeitos, não vejo como impedi-lo de consumi-las livremente.

FSPNão (empolgada): Então, o que explica a ilegalidade de comercialização e consumo de drogas?

MF: O consumo de drogas pode gerar externalidades negativas à sociedade. Por exemplo, um indivíduo sob o efeito de drogas pode ferir outra pessoa, provocar um acidente etc. É por essa mesma razão que muita gente é contra o porte armas ou, ainda mais radicalmente, a sua posse. Em havendo externalidades, ou falhas de mercado mais geralmente, justifica-se a regulação estatal.

FSPNão (incrédula): Mas a liberação do porte ou da posse de armas comprovadamente aumenta o número de mortes por arma de fogo, certo?

MF: Sim, contudo o princípio que se usa para legalizar as drogas é a liberdade individual, que se aplica igualmente à decisão de possuir uma arma de fogo. Veja, um sujeito sob o efeito do álcool pode provocar um acidente e causar mortes de pessoas que não estão ligadas a sua decisão. O mesmo acontece com quem consome drogas, daí não é difícil comprovar a causalidade mortes indesejadas nesse caso. O curioso é que se alega que arma de fogo aumenta o suicídio, uma outra razão para proibir sua posse. Esse mesmo indivíduo que quer proibir armas costuma ser favorável a drogas, porém esquece que elas aumentam os casos de overdose, omitindo também outros de seus malefícios.

FSPNão (um pouco desconcertada): De qualquer forma, então o senhor recomenda a legalização das drogas no Brasil?

MF: Claro que não! Tem muita gente que usa o que eu disse como argumento de autoridade, para fundamentar a legalização de drogas no Brasil. Mas, eu disse aquilo no contexto norte-americano e não tem validade externa. Eu já nem sei se vale também nos EUA após a reforma do simpático presidente Obama. Veja, a sociedade não pode pagar pelo tratamento ou pelas consequências de um indivíduo que resolveu drogar-se. Além disso, a probabilidade de ser pego e penalizado em caso de crime no Brasil é bastante baixa, daí que recomendo manter a ilegalidade. Quem acha que eu faria a mesma recomendação no Brasil não me entendeu.

FSPNão (lábios levemente trêmulos): Mas, mas, o que vai acontecer no Brasil se a droga for legalizada?

MF: O preço vai cair expressivamente em função do aumento de oferta, logo a quantidade demandada aumentará muito. Ademais, haverá um aumento de demanda em função da legalização pela curiosidade experimentá-la. Com isso ocorrerá uma pandemia; melhor dizendo, se estiver restrito ao Brasil, ocorrerá uma epidemia de doentes dependentes químicos que procurarão o SUS. Se o SUS estiver operando acima da sua capacidade, como é o costume, os pacientes regulares e dependentes químicos serão ainda mais mal tratados e, inexoravelmente, será a sociedade a pagar pela decisão individual de drogar-se, o que me parece equivocado. Assim, a melhor forma de achatar a curva, para não sobrecarregar o sistema, é manter a ilegalidade, afinal qualquer um já compra a droga que lhe apraz bem ali…

FSPNão (sorriso cínico, de quem pensa “te peguei”): Mas, com a legalização será possível arrecadar impostos e compensar o aumento do uso do SUS ampliando-o e provendo melhores serviços, não é?

MF: Exatamente, e incha ainda mais o Estado. Foi com esse propósito que se implementou a CPMF, que, desvirtuada, acabou sendo usada para pagar aumentos de salários dos funcionários públicos.

Veja, isso não se limita à ineficiência do Estado, mas à falta de cumprimento do art. 5.o da Lei da Liberdade Econômica que prescreve estudo de impacto para a adoção de qualquer medida, algo inexistente até hoje que eu saiba. Ademais não se poderá impor um imposto muito alto; caso contrário, estimular-se-á a ilegalidade, como o contrabando de cigarros de países vizinhos. Também não há estudos mostrando que esse eventual aumento de arrecadação será suficiente para compensar a sobrecarga no SUS ou o aumento do número de mortes provocadas pela legalização das drogas.

Finalmente, note como o incentivo é ruim: se o indivíduo sabe que será tratado pelo SUS sem custos, haverá mais dependentes químicos que no caso em que têm que suportar os custos do próprio tratamento.

FSPNão (voz um tom abaixo): Mas, a legalização das drogas acabará com o negócio dos traficantes, reduzindo por exemplo as mortes oriundas dessa atividade, concorda?

MF: Esse argumento tem sentido, mas os indivíduos se adaptam ante medidas que os atingem. O sujeito escolhe ser bandido, porque avalia benefícios da ilegalidade, custos de ser penalizado e probabilidade de ser pego. Essa análise permanecerá. Provavelmente, os traficantes vão mudar de ramo e continuarão na ilegalidade, pois no Brasil o crime é atrativo. De qualquer forma, aparentemente não há evidência que sustente sua afirmação, nem a minha.

FSPNão (olhos esbugalhados): Então seria o caso de legalizar gradualmente as drogas?

MF: Aí acho que não, mas depende da importância da droga legalizada na receita do tráfico. Se for muito grande, a legalização tenderá a acirrar as guerras entre os traficantes em busca de novos mercados para compensar suas perdas com a droga legalizada, de forma que poderá aumentar o número de vítimas do tráfico, eventualmente causando ainda mais mortes. Parece-me que a medida será mais eficaz se forem liberadas todas as drogas simultaneamente em todo o mundo, o que não deve acontecer sem um pacto global, uma verdadeira quimera. Mas, sonhar utopias ainda não tem custo.

FSPNão (sorriso maroto de cheque-mate): De qualquer forma sabemos que o combate às drogas é um desperdício de dinheiro público, pois os efeitos desse combate são infinitesimais. Só isso já justificaria sua legalização, não é?

MF: Bem, a rigor essa lógica se aplica a qualquer crime. No Brasil em particular, menos de 10% dos homicídios são resolvidos, logo de acordo com sua argumentação, você está sugerindo que se legalize o homicídio. Convém pensar melhor se é esta lógica que se quer mesmo.

Mas, o problema que você propõe é maior. Em realidade, nunca foi feita uma análise ampla sobre os benefícios e custos da legalização, nem sei se é realmente possível criar um contrafactual verossímel.

A legalização das drogas, de fato, reduz o gasto de recursos públicos em seu combate, mas traz custos de saúde bastante mal identificados e calculados, e será necessária propaganda para desestimular seu uso, custo que costuma ser ignorado também. Os impostos que serão arrecadados são difíceis de estimar. Outros efeitos deletérios são normalmente esquecidos, mas têm custos econômicos; entre eles, o esfacelamento de um sem número de famílias e a potencial queda de produtividade da população economicamente ativa pelo efeito das drogas. Estima-se algo como 5% daqueles que se aventuram na experiência transcendental das drogas viciem-se. Qual o efeito de bem estar social que isso causa? Ninguém sabe responder.

FSPNão (claramente constrangida pela resposta anterior, mas agora vai): Mas, se tem tudo isso, por que não se proíbe o álcool e o cigarro, que também são drogas?

MF: Essa questão é igualmente brilhante. Você tenta igualar o efeito de uma droga com outras, parecido como igualar a periculosidade de quem rouba $ 1 milhão com a de quem rouba $ 1 bilhão. Mas, veja, se a pena do bandido fosse de um segundo na cadeia para cada real roubado, quem rouba $ 1 milhão ficaria 12 dias presos, e quem rouba $ 1 bilhão, 32 anos. Portanto, os dois roubos não são exatamente equivalentes.

Logo, trata-se de uma questão de gradação e de que custos a sociedade está disposta a enfrentar. Claramente, drogas mais viciantes e com efeitos mais fortes parecem ser mais problemáticas que álcool ou cigarro. Portanto, cabe à sociedade discutir quais drogas ela está disposta a legalizar, considerando o bem/mal estar social que pode trazer. Evidentemente, o álcool e o cigarro são drogas consumidas há milênios, culturalmente aceitas, e diferem fundamentalmente de outras que são sintetizadas em laboratório, mais viciantes e que causam alterações químicas no dependente, podendo-lhe reduzir mais fortemente sua capacidade laborativa.

FSPNão (melhor mudar de assunto): Professor, o senhor parece conhecer muito sobre o Brasil. De onde vem isso?

MF: Segui um conselho que ouvi outrora: O republicafederativense precisa ser estudado. De fato, ele é muito peculiar e me diverte muito assistir-lhe… de longe, claro.

FSPNão (expressão de profunda interrogação): Republicafederativense!? MF: Você usou estadunidense no início da entrevista. Achei conveniente usar a mesma estrutura de seu pensamento para manter a consistência e coerência da entrevista.

Rodrigo De Losso

Rodrigo De Losso tem Ph.D em Economia pela Universidade de Chicago e é professor do Departamento de Economia da USP. A ideia aqui é mostrar como teoria econômica pode ser aplicada a temas do cotidanos, às vezes polêmicos, sem deixar de falar dos outros assuntos que o interessam com música, vinhos, literatura, cinema e política.

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