Opinião

O sistema eleitoral americano é democrático?

Introdução

Durante a eleição americana, especialmente nos últimos dias por ocasião da apuração dos votos, vieram à tona questionamentos sobre seu sistema eleitoral, algo que para nós brasileiros soa quase tão complexo como se entender um jogo de basebol.

Dentro do espírito “papobutequiano” deixo claro que não há nesse texto a pretensão de esgotar o tema, coisa que nem mesmo o melhor dos livros ou uma dissertação de mestrado seria capaz.

A ideia aqui é fornecer alguns elementos essenciais para sua compreensão, ao menos em linhas gerais, quem sabe até despertando algum desejo no leitor de por sua própria conta posteriormente ir além.

Para entender a mecânica eleitoral norte-americana é fundamental dedicar algum tempo para a compreensão do processo histórico que criou os Estados Unidos assim como o conhecemos.

A Independência

Diferente do que ocorreu no Brasil, a Independência dos Estados Unidos não foi fruto apenas de uma declaração política, mas o resultado de uma guerra que durou quase uma década entre 1775 e 1783.

Anterior a isso, entre os anos de 1756 e 1763, Inglaterra e França travaram a Guerra dos 7 anos pelo controle das terras ao norte do continente hoje o Canadá.

Naquela ocasião foi fundamental o apoio dos colonos americanos para que a Inglaterra vencesse a guerra.

A expectativa é que esse apoio rendesse como recíproca a possibilidade de exploração desses territórios, mas ao contrário disso o que se viu foi um aumento da carga de impostos para que a Coroa pudesse cobrir as despesas da guerra.

A insatisfação com o desfecho da Guerra dos 7 anos eclodiu em 1770 em Massachusetts na cidade de Boston, após uma manifestação ter sido reprimida a tiros pela guarda inglesa resultando em cinco mortes.

A partir daí surgem os primeiros confrontos armados, dando início a um movimento que se espalharia pelas demais colônias.

Por conta disso no dia 4 de julho de 1776, no Segundo Congresso Continental realizado na Filadélfia, contando com as presenças de Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, Samuel Adams e Richard Lee foi declarada a Independência e foi criado o Exército Continental sob comandado por George Washington.

Na ocasião de sua independência os Estados Unidos eram formados pelas Treze Colônias todas na Costa Leste, a partir de onde se expandiu em direção à outra costa.

As treze colônias

Federalismo

É esse sentido federativo, a soma de estados com alto grau de autonomia, a essência fundamental dos EUA e o que orientou a criação do colégio eleitoral como mecanismo de escrutínio para eleição do Presidente americano.

A representatividade simples (um cidadão, um voto) ainda que pudesse garantir a prevalência da vontade da “maioria”, não garantiria a manutenção de uma federação, podendo haver ao longo do tempo a prevalência de um determinado estado sobre outros apenas por conta do aspecto populacional.

Ainda que uma Democracia, antes disso os EUA são uma República Federativa.

O colégio eleitoral

Não existe nos EUA um órgão da Justiça equivalente ao TSE brasileiro, as eleições são organizadas pelos estados de forma independente, desde o registro de candidaturas, passando pelas campanhas até a apuração de votos.

Cada estado tem direito a um número de delegados que coincide com o número de deputados e senadores, em um critério que tem como base o tamanho de sua população, mas não exclusivamente, havendo uma mudança de coeficiente eleitoral de estado para estado.

Dos delegados de cada estado, dois deles não são guardam relação com o tamanho da população, são comuns a todos os estados, uma medida de equalização dentro do espirito federativo, o mesmo mecanismo que norteia o Senado.

Vale ressaltar, além de preservar a unidade federativa, esse sistema estimula uma maior preocupação dos partidos em estarem presentes em todo o país e não apenas nas maiores cidades.

Para melhor compreensão vale tomar como exemplo a Califórnia que tem o estado mais populoso e o maior número de delegados, 55. Desses 53 se referem ao coeficiente eleitoral e 2 por serem um membro da federação. Eis o motivo pelo qual o Wyoming tendo a menor população tem 3 delegados, 1 por conta da densidade populacional e os outros demais por conta do critério federativo.

Em suma  o número de delegados de cada estado acaba sendo a soma de deputados e senadores. Assim o colégio eleitoral é composto se 538 delegados, equivalentes aos 435 deputados, os 100 senadores e 3 votos atribuídos ao Distrito de Colúmbia por ser a capital.

Dos 50 estados, 48 por legislação oferecem todos os seus votos ao vencedor do estado, exceção feita aos estados do Maine e Nebrasca onde os delegados transmitem seus votos diretamente para cada candidato, não havendo nesses casos um colégio eleitoral local.

Assim as eleições são disputadas em distritos, os vencedores dos distritos formam os colégios eleitorais estaduais, de onde os vencedores em geral levam todos os votos para o colégio eleitoral federal.

Esse sistema sofre uma recalibragem periódica para que não se perca a dinâmica da proporcionalidade entre as populações dos estados.

Cada delegado pode representar em grandes números de 500.000 a 1.000.000 eleitores. Na maioria dos estados (34) esse número varia entre 700.000 e 800.000.

Ainda que seja um método que sofra questionamentos pelo risco do candidato eleito vir a ter menos votos que o candidato derrotado, essa é uma condição de exceção tendo ocorrido apenas cinco vezes em toda história.

Apesar de ser uma tema de constante debate, matéria constitucional, são remotas as chances de haver mudança no sistema eleitoral americano.

Marcelo Porto

Gênio do truco, amante de poker, paraíba tagarela metido à besta, tudólogo confesso que insiste em opinar sobre o mundo ao meu redor. Atuando no mercado financeiro desde 1986, Marcelo Porto, 54, também é Administrador de Empresas e MBA em Mercado de Capitais.

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