Opinião

Caminhos para o aumento das matrículas na educação superior no Brasil

Os dados do Censo de 2020, elaborado pelo INEP, revelaram haver 8,7 milhões de alunos na educação superior, dos quais 6,7 (78%) estão em instituições privadas. Foi um crescimento muito pequeno com relação a 2019, apenas 76 mil matrículas a mais. É um dos menores crescimentos da série histórica de 40 anos. Um péssimo resultado para um país que precisa dramaticamente dobrar a quantidade de alunos na educação superior para atingir taxas de escolaridade competitivas.

Tabela 1. Evolução das matrículas na educação superior no Brasil

Até 2014, o Brasil vinha mantendo um bom ritmo de crescimento, mas teve um baque em 2016 por conta da drástica redução do FIES em 2015. Depois, com a Educação a Distância (EAD), houve um repique de crescimento, mas o modelo está se esgotando.

Grupos educacionais

Desde 2005 vem ocorrendo um processo de consolidação nesse segmento. Atualmente há cerca de 15 grupos atuando no Brasil, dos quais 5 possuem capital aberto na Bovespa. A Tabela 2 mostra que esses grupos controlam 60% do total de matrículas e suas instituições vem crescendo num bom ritmo.

Tabela 2. Evolução das matrículas na educação superior no Brasil em instituições privadas, considerando sua participação (ou não) em grupos educacionais em 2020.

Analisando de forma mais detalhada os dados das matrículas das instituições que pertencem a grupos educacionais, nota-se que os grupos abertos em bolsa tiveram um ritmo menos instenso daquele observado pelos grupos fechados (Tabela 3).

Tabela 3. Evolução das matrículas na educação superior no Brasil em instituições pertencentes a grupos educacionais, considerando sua participação (ou não) nesses grupos em 2020.

Não é possível determinar, a partir dos dados do Censo, quanto desse crescimento é orgânico, quanto é por M&A. Todavia, é possível que exista uma percepção no mercado quanto a uma eventual exaustão nos modelos de crescimento, seja por aquisições, seja pelo FIES e, mais recentemente, pela EAD. Essa possibilidade poderia explicar, ao menos em parte, o comportamento das ações dessas empresas e seu descolamento da Bovespa como um todo.

Quadro 1: Evolução das cotações das ações das empresas atuantes na educação superior no Brasil nos últimos 5 anos.

Instituições isoladas

Conforme mencionado, os 15 grupos educacionais ficam 60% do total de matrículas. Os 40% restantes está sendo disputado por cerca de 1.700 instituições isoladas. A quantidade de alunos nessas instituições caiu de 3 milhões em 2015 para 2,7 milhões em 2020.

Além da queda na quantidade de matrículas, está também havendo uma mudança no perfil dessas matrículas. A quantidade de alunos em cursos presenciais caiu 20% de 2015 para 2020. Ou seja, não foi apenas EAD que aumentou, o presencial também diminuiu. Para piorar, mesmo nos cursos presenciais, a proporção de alunos em bacharelados versus tecnológicos caiu de 5:1 em 2015 para alarmantes 2:1 em 2020. Em outras palavras, há mais alunos em cursos EAD e mais alunos em cursos tecnológicos, cujos valores de mensalidades são muito mais baixos do que os cursos bacharelados presenciais.

Das 1.700 insituições isoladas citadas, pouco mais de 100 possuem pelo menos 5 mil alunos, uma quantidade mínima para garantir a sua sustentabilidade financeira. Ou seja, há 1.600 instituições de educação superior no Brasil que estão sendo duramente castigadas pelos novos cenários. É bastante razoável supor que uma parte significativa delas não irá sobreviver.

Caminhos

1. Governo: os órgãos governamentais, particularmente o MEC e o CNE (Conselho Nacional de Educação), têm muitas oportunidades para criar novos caminhos para a expansão da educação superior no Brasil, mas é preciso pensar fora da caixa. Eu mesmo fiz duas propostas em 2019, a portabilidade dos créditos usando blockchain e o Exame Nacional Pré-Profissionalizante. São ideias simples e factíveis, outras podem ser criadas na mesma linha.

2. Instituições públicas: é preciso haver um choque de realidade nesse segmento. A quantidade de alunos atendidos pelas instituições públicas é praticamente a mesma nos últimos 10 anos. Falta criatividade e ousadia para criar novos modelos educacionais, que combinem escala e qualidade, sobretudo para atender o aluno trabalhador, aquele que só pode estudar à noite ou à distância. Hoje, 60% dos alunos das IES públicas estudam em cursos diurnos, gratuitamente, em um modelo cruelmente elitista, mantido com os impostos daqueles que ficam do lado de fora de seus muros.

3. Grupos educacionais: os modelos de negócio estão se esgotando. Não restam muitos players para M&A e o crescimento da EAD, impulsionado pelo enxugamento do FIES, já atingiu aqueles que podem pagar. Outras indústrias passaram por situação semelhante e as empresas que sobreviveram foram aquelas que pivotaram seus negócios para outros modelos. A IBM, antiga fabricante de computadores, voltou-se para a consultoria. A Amazon, que vendia livros, passou a vender tudo, inclusive serviços web. A Microsoft, que vendia disquetes com softwares, foi para a nuvem.

Grupos educacionais são empresas capitalizadas e têm bala na agulha para arriscar ousadias, mas precisam enxergar toda sua base de prospects, alunos e ex-alunos como gigantes ecossistemas de aprendizagem multiconectados e para toda a vida. Só irão ressignificar seus negócios quando deixarem de bloquear as contas dos alunos que se formam ou desistem e pararem de jogar fora base de prospects não convertidos, percebendo que seus anacrônicos LMS (Learning Management Systems) são apenas pequenas frestas de algo que poderia ser muito maior.

4. Instituições isoladas: é uma situação muito complicada e sinceramente não vejo muita saída para aquelas que não se movimentarem. Não dá mais para continuar oferecendo os mesmos cursos, com as mesmas matrizes, os mesmos professores, os mesmos processos, etc. Também não dá para imaginar que irão competir com os grupos educacionais na comunicação e mídia e em segmentos como a EAD. Além disso, é suicídio competir por preço. A guerra de mensalidades é uma batalha sem vencedores.

Em primeiro lugar, é preciso parar de sangrar o caixa. Não dá para achar que é possível vencer esse cenário empregando na IES a família toda, às vezes algumas gerações. Os tempos são outros, não dá mais para manter a liturgia dos gabinetes dos antigos reitores-fundadores. Não é possível ficar postando a última viagem a Paris, enquanto os alunos estudam em prédios sujos e mal equipados. É preciso profissionalizar a gestão e reinvestir na instituição e nos professores.

Além disso, o caminho dessas instituições é reduzir o portfólio e focar nos nichos de maior rentabilidade, sobretudo nas áreas que exigem presencialidade e mais infraestrutura, como são os cursos da saúde e as engenharias. Em outras palavras: cursos diurnos, boa infraestrutura, professores bem remunerados e metodologias inovadoras. Com isso é possível manter mensalidades mais altas e fugir da guerra de preços.

Associações como ABMES, ANUP, ANACEU, ABRAFI, ABRUC, CRUB, SEMESP, FENEP, CONFENEN, dentre outras, têm um importante papel junto a essas instituições e podem atuar como catalisadoras desse processo. Algumas já estão fazendo isso, mas ainda há muito espaço.

5. Start-ups: de alguns anos para cá tem se observado um interessante movimento de “novos rostos” na educação superior. São marcas pouco conhecidas ou de outros segmentos, mas que “pasito a pasito, suave suavecito” estão conquistando espaço e reputação, tais como Descomplica, Alura, XP, Einstein, Link, Liga Educacional, ITuring, SPTec e outras. Eu mesmo tenho participado de uma delas, o Inteli, que tem me proporcionado uma enorme realização como educador e apaixonado por inovação. Eu já havia escrito sobre elas em 2008 (“A Terceira Onda“) e em 2016 (Futuro da educação superior: quem quer pagar para ver?). Fico muito feliz em ver essas previsões se concretizando.

A disrupção: faculdades particulares gratuitas

Há quem diga que coisas gratuitas não são valorizadas. “Se for de graça, a pessoa não dá valor”. Mas instituições públicas são gratuitas e é difícil ter quem desista delas.

O Google criou um infinidade de serviços, como Drive, Docs, Meet, entre outros, todos gratuitos. As novas gerações sequer imaginam a pirataria estrutural que existia para poder utilizar os caríssimos programas de escritório que existam no passado.

Até hoje, ninguém gasta um tostão com o Whatsapp e até é estranho quando alguém liga no telefone. É gratuito, mas não mais dá para viver sem ele.

A lista é longa, poderia incluir Miro, Slack, Trello, Mentimeter e tantos outros.

Então, por que não seria possível existir uma faculdade particular gratuita. Já estamos vendo na EAD cursos a R$ 99 por mês, às vezes até menos do que isso. Já estamos muito próximo do gratuito. Se considerar que uma boa parte do custo administrativo de uma instituição é a gestão da cobrança, dos contratos e da rematrícula, eliminar tudo isso aliviria um enorme peso nos custos.

Além disso, ainda estamos usando modestamente os recursos tecnológicos e eu acredito que verermos os bots terem um papel importante no empoderamento dos professores. Eu escrevi sobre isso em 2017 (Irão os robôs substituir os professores no futuro?) e continuo acreditando. Alguns falam que os bots poderão causar a precarização das relações trabalhistas, mas o mundo tem enfrentado esse tipo de preocupação desde a Imprensa e a Revolução Industrial.

Mas se a faculdade for gratuita, como ela irá se manter? Bem, existem alternativas para a monetização desse modelo, mas isso é tema para outro artigo.

Conclusão

Os números do Censo de 2020 da Educação Superior não são muito animadores. A tal “crise” que tantos falam está materializada em números.

Mais do que nunca, é preciso sair da zona de conforto. Gestores públicos precisam sair de seus gabintes e ver novas possibilidades. Universidades federais precisam quebrar as paredes de seus departamentos e buscar alternativas para dobrar o número de alunos com o mesmo orçamento. Grupos educacionais precisam repensar seus modelos de negócio e parar de fazer mais do mesmo. Mantendores de IES isoladas precisam acreditar em suas próprias instituições e nelas dedicar o melhor de seu tempo e dinheiro. Start-ups precisam seguir inovando, para iluminar o caminho de outras que se perderam na certeza de suas verdades. Professores precisam acreditar que a tecnologia é uma ferramenta poderosa para novas oportunidades, não um inimigo que irá roubar seus empregos.

Eu mantenho o meu otimismo. Há uma infindável lista de oportunidades, eu escrevi aqui sobre várias delas e vejo muitas outras. Elas estão aí, ao alcance de todos, é só enxergar, esticar o braço e pegar. Mas é preciso querer enxergar, não basta olhar.

Maurício Garcia

Maurício Garcia é cientista digital. Durante quase 40 anos de carreira profissional, atuou em diversos grupos educacionais públicos e privados em vários países. Atualmente, pesquisa tecnologias ligadas à inteligência artificial e análise de dados, auxiliando instituições, empresas e organizações a inovar e se transformar digitalmente, tanto no Brasil, quanto em outros países como Estados Unidos e México. É Mestre e Doutor pela Universidade de São Paulo e MBA pela Fundação Getúlio Vargas. Realizou projetos, cursos e estágios em instituições como a Universidade de Milão, a Escola Nacional de Alfort em Paris, a Universidade de Montreal no Canadá e a Universidade de Stanford nos Estados Unidos.

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