Opinião

A urna de Schrodinger (ou seria um gato?…)

Outro dia entrei em mais um debate sobre o tema das urnas eleitorais com impressão do voto. Sempre pensei que essas urnas são chamadas de segunda geração, e não à toa. Afinal elas teriam o objetivo de substituir as de primeira, que hoje usamos. E para não ser chamado de bolsominion, já vou contando que acompanho esse tema há muito tempo. Já em 2003, com a eleição de George Bush Jr. ao governo dos EUA, surgiu o debate do assunto lá nos EUA. Esse artigo da época é muito bom para entender a questão.

Mas por algum motivo que foge à minha compreensão, ao invés de todos concordarmos, em grande parte das vezes, a discussão sobre o tema evoluía para um debate onde o defensor do sistema atual pedia para pensar em algum exemplo de tentativa de fraude do processo eleitoral seguida de uma longa discussão, muitas vezes de ordem técnica sobre o código fonte da urna, alguma auditoria paralela ou não, ou mesmo sobre algum cálculo estatístico ou estocástico sobre a possibilidade disto ser identificado direta ou indiretamente por algum mecanismo hipotético ou historicamente utilizado que poderia detectar o evento e impedi-lo. Todos eles terminando com uma suposta certeza de 95-99% de que o evento descrito no evento ou seria pego por alguém ou muita gente teria de ser envolvida e isso acabaria vazando um dia – ponto defendido!!! Defendido?… eu sempre saía da discussão com a sensação de que há algo de errado com esse raciocínio.

Afinal, o que torna o nosso sistema eleitoral diferente de qualquer sistema de segurança existente? E existe um sistema 100% perfeito? É óbvio que não! Logo, se ele não é perfeito, como faço para saber se ele foi burlado? Numa situação normal, eu simplesmente descubro que algo de valor foi retirado do lugar. E quando isso não é possível porque o que foi furtado é sigiloso? É fato que essas urnas são inauditáveis em caso de fraude. Esse relatório feito pelo PSDB em 2014 comprovou isso.

Foi então que me veio esse insight!… uma situação muito parecida foi pensada há algum tempo atrás…

O ano é 1935. Albert Einstein, há muito consagrado por sua teoria da relatividade, debate as bases de outra teoria tão importante quanto a relatividade, e que ele ajudara a criar – a teoria quântica – com Erwin Schrodinger. Suas visões sobre a realidade diferem gritantemente, no que Einstein afirmava que “Deus não joga dados”. Ao contrário de Schrodinger e os defensores da interpretação de Copenhagen, a visão dele é de que a realidade não sofria das superposições de estados idealizadas diante das equações recém desenvolvidas para tentar compreender padrões de comportamento da realidade que fugiam da interpretação tradicional vigente desde Newton.

Conhecida como “a foto mais inteligente da história”, tirada na Conferência de Solvay de 1927, um dos eventos que mudou a história da física mundial – ali estão os expoentes máximos da física da época

A fim de ilustrar a questão e permitir que houvesse um debate, um experimento teórico foi idealizado por Schrodinger. Nele, um gato seria inserido numa caixa fechada contendo uma pequena quantidade de material pouco radioativo, um contador Geiger e um mecanismo de disparo ligando estes dois a um martelo que quebraria uma ampola contendo um gás venenoso caso detectasse radiação (obviamente com um mecanismo para impedir acesso do gato ao sistema). A questão debatida era se o gato estava vivo ou morto dentro da caixa fechada, completamente invisível a um observador externo. O entendimento era que o gato estaria num estado vivo-morto, superpondo as duas possibilidades, até que a abertura da caixa revelasse sua condição real, colapsando essa função de onda superposta.

O experimento do gato de Schrodinger… imagine isso dentro de uma caixa onde você não consegue enxergar o que está acontecendo dentro dela…

E aí veio o clique!… nosso sistema de votação se assemelha a esse experimento: trata-se de uma caixa preta para onde entram os votos (o gato) e cospe-se um resultado ao abri-la (o estado do gato). Todo o meio do caminho é opaco ao expectador interessado. Mas um monte de auditorias, processos paralelos e fiscais “garantem” que o que sai da caixa não foi adulterado… o próprio TSE garante que o sistema é à prova de falhas…

E não funciona? Para quê auditoria? Para quê VVPAT? Segundo uns, para garantir uma “ilusão” de segurança que – segundo entendimentos – já existe, tratando-se, portanto, de um desperdício de dinheiro. Algo muito parecido com o velho jargão do “confie na ciência”.

O principal motivo – em minha percepção – é que uma eleição pode impactar profundamente na história de vida de todos nós. E para isso vou convidá-los a um exercício mental.

Antes de mais nada, uma premissa importante! Como já é conhecido, 1% de queda no PIB do país pode resultar na morte de dezenas de milhares de pessoas como pode ser visto aqui.

Ou seja: uma eleição não é um experimento matemático trivial. É o uso de um sistema complexo, composto de pessoas, equipamentos, códigos, procedimentos, interesses políticos, econômicos e pessoais de dezenas de milhões de pessoas, sendo algumas com mais gestão ou influência que outras no resultado do processo que rodar por ele.

Portanto há dois elementos que representam pilares de um processo eleitoral que precisam caminhar de mãos dadas: confiabilidade e transparência, representada em minha percepção, pela sua auditabilidade.

E vou invocar o nosso querido gatinho, desta vez não para provar uma questão existencial da realidade, mas para mostrar o peso da auditabilidade na vida de nós, eleitores.

Afinal, como disse acima, podemos considerar o atual sistema eleitoral uma caixa de Schrodinger, que “cospe” um resultado sobre um gato vivo ou morto conhecido como eleição de um candidato. Temos a percepção de que esse resultado é decorrente do voto individual dos eleitores válidos como seu fato gerador, mas para que tenhamos certeza de que isso é verdadeiro, a cadeia de custódia do voto não pode ser perdida, obviamente sem que isso afete o sigilo eleitoral individual de cada cidadão. E hoje isso não existe de forma verificável. Temos que acreditar cegamente na integridade de todo o sistema, sem poder verificar em tempo real ou posterior se isso de fato ocorreu. E qual a importância disso?

Vamos usar o exemplo do nosso gatinho para explicar: imagine que ao invés de votos, tenhamos uma caixa igual à do experimento de Schrodinger. Nesse cenário hipotético, temos um candidato A e outro B. A crença dos eleitores do candidato A é de que se o candidato B ganhar, seu plano de governo levará a uma queda significativa de PIB do país, levando à morte de dezenas de milhares de brasileiros (fique à vontade de chamar os candidatos A e B dos nomes que preferir… verá que o exemplo vale para todos…).

Vamos nesse exemplo definir que se o gato sair vivo da caixa, o candidato A ganha a eleição. E se sair morto, o candidato B ganha. Nesse cenário hipotético, uma população ideologicamente polarizada, debate e disputa sua visão contra a do outro, uma disputa cada vez mais irreconciliável.

Para piorar, os riscos de uma ruptura institucional são alardeados na mídia. E como não sabemos o resultado até que a caixa seja aberta (qualquer semelhança com esta eleição é mera coincidência…), só saberemos de fato o resultado até que isso aconteça. Até lá temos um estado quântico superposto, onde os dois são presidentes (ou não…).

Só que nesse cenário acirrado, logo de cara já surgem as desconfianças de quem muito deseja a vitória de A, que para isso precisa do gato vivo:

– Será que o gato não foi envenenado antes de ser colocado na caixa?

– E se o dispositivo que está dentro da caixa foi adulterado para aumentar sua chance de disparo?

– Pior ainda: e se o gato já tivesse uma condição prévia desconhecida?

Será possível prever todas as possibilidades de afetar um cenário como esse e prevenir todos eles? Imagine num cenário eleitoral tradicional…

Imagine se a porta não fosse de vidro?…

Como saber se ele morreu em função do evento ou por uma outra causa desconhecida ou conhecida dos que têm total interesse em sua partida desse mundo? Na caixa fechada é impossível ver isso. E nem mesmo uma autópsia poderia identificar todas as causas do óbito do bichano.

Agora vamos fazer um exercício mental… pense que o seu candidato favorito é o A. Como você se sentiria ao ver a caixa se abrindo e o gato aparecendo morto? Você aceitaria o resultado desse pleito quântico sem questioná-lo? Você acha que o candidato B teria legitimidade para governar uma população dividida e com ânimos acirrados com um resultado obtido assim?

Você aceitaria o resultado da caixa de Schrodinger? Mesmo sabendo que todas as medidas indiretas foram feitas? Que o felino passou por exames médicos antes de ser colocado lá? Que medidores de microondas foram posicionados no entorno dela para evitar que radiações externas o atingissem? Que auditores independentes atestaram que o mecanismo funciona mesmo como deveria? Mesmo que sua vida dependesse disso?

Não seria melhor se a caixa fosse de vidro e permitisse a todos verem o momento em que o decaimento radioativo dispara o mecanismo, que estoura liberando o gás venenoso? Ver que o gatinho respirou o gás e faleceu devido a isso?
Qual dos dois cenários te parece mais confortável se o seu candidato fosse o A? Pense a respeito e responda para si mesmo se não preferiria poder ter certeza de que não está sendo enganado?

E pergunto: qual o preço disso? Podemos compará-lo ao custo de uma eleição para uma nação? Bem, o TSE estimou em BR$ 1,8Bi esse custo (valor que está sendo questionado aqui)… já o fundo eleitoral está em quase R$ 5Bi… fico me perguntando onde o dinheiro foi melhor aplicado…

Até quando vamos tratar nosso processo eleitoral como um experimento de gato de Schrodinger?…a quem interessa isso?… esse é um debate no qual todo e qualquer brasileiro deveria se sentir envolvido. Afinal o que afeta um hoje poderá afetar ao outro amanhã.

PS: curiosamente, ao buscar por ilustrações para este artigo, me deparei com outro autor de um artigo semelhante…

Isaak Gruberger

Engenheiro Eletricista formado pela UFMG, com experiência nas áreas de Aviação, Infra estrutura predial, iluminação e eficiência energética. Atualmente executivo de uma startup do setor de gestão de restaurantes e consultor de iluminação e eficiência energética. E acima de tudo uma pessoa fascinada em conhecer o universo e a realidade em que vivemos.

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