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#Tbt Jogos Inesquecíveis que marcaram minha vida

Ao som de Piu Piu de Marapendi e o sucesso “Eu hoje vou me dar bem”, minha família conhece o Maracanãzinho, a seleção de prata e o Jornada nas Estrelas, e táxi, “- Só se for de taxímetro desligado, gente boa! ”.

Brasil 3 x 1 Coreia do Sul e Brasil 3 x 0 Bulgária – 1982

Perdemos a Copa do Mundo, “bora” jogar voleibol.

Mas antes, meu Tio Eládio Sandoval, de humor ao melhor estilo politicamente incorreto com pitadas sarcásticas, ou melhor até, de humor inglês refinado no luxo e no lixo, irreverente, para combater os corações duros, impuros e ignorantes da Besta fera poderosa que assolava o país, era locutor de rádio.

Eládio com Erasmo Carlos. Foto: Acervo pessoal Eládio Sandoval.

Trabalhou na Rádio Cidade, onde, no meio para o final dos anos 70, inaugurou um modo casual de locução no então rigoroso rádio brasileiro. Ele e Romilson Luiz criavam personagens fictícios e histórias engraçadas, mudando totalmente a forma de ouvir rádio.

Acervo pessoal Eládio Sandoval.

Foram pioneiros, quando a liberdade era subserviência e humorista era vagabundo, bem diferente de agora (ou não), onde Planeta Diário e Casseta Popular, Pânico, Porta dos Fundos, entre outros, que de original só os nomes, faziam e fazem humor ácido sem a censura em seus calcanhares.

Eládio e Chico Buarque. Foto: Acervo pessoal Eládio Sandoval.

Dali surgiu o Piu Piu de Marapendi, um repórter atrapalhado, e outros personagens como o macaco Chucrutz e o Sapo Eustáquio.

Meu Tio chegou a fazer locução para a Globo, e mesmo sabendo dos rigores globais, era brincalhão nos bastidores, tinham uma mania de chamar um ao outro de Exmo e Ilmo, até que em uma locução ao vivo, deixou escapar “ O Exm… O Excelentíssimo Senhor Presidente…”. Foi demitido no ato.

O grupo de amigos deixou a Rádio Cidade em debandada, pousando na recém-criada Rádio Antena 1.

Rádio Antena 1.

Chegamos em 1982, e o Rio de Janeiro transpira Blitz, e não é a dos “homi”. A banda atinge um sucesso inimaginável, ao som de “Você não soube me amar”.

Eládio e Romilson, ou Piu Piu Lennon e Valdemar McCartney, lançam um disco compacto e a música “Eu hoje vou me dar bem”, sátira de “Você não soube me amar” vira um hit inesperado e chega a ser 2ª mais pedida da rádio.

Eládio e George Harrison. Foto: Acervo pessoal Eládio Sandoval.

 Na sátira, o Piu Piu é o bom malandro carioca, que conhece uma garota, tenta engambelar de todo jeito, pagando cachaça em vez de chopp, e outras cositas mas, só que Piu Piu se encanta com a menina, e, depois de alguns beijinhos, pergunta pelo nome da doçura, e descobre se tratar de um travesti, Valdemar Ferreira (voz de meu Tio).

Acervo pessoal Eládio Sandoval.

A música foi Disco de Platina em 82.

Depois do sucesso estrondoso, Eládio lançou um programa na TV Record, com vídeos musicais, outro ineditismo pelas terras tupiniquins, principalmente pelo modo mais do que informal, quase escrachado, com que era realizado.

O programa chamava BB Vídeo Clip, e, ao que me parece, até a inovação do nome fez com que os vídeos de músicas no Brasil passassem a ser usualmente chamados de clipes ou videoclipes. Alcançou 7 pontos de audiência no Rio de Janeiro, disputando com nada mais, nada menos que a novela global Guerra dos Sexos.

O “contra-regra maluco” (Billy Bond) era o parceiro da vez. Foi uma febre entre os adolescentes cariocas.

Eládio e Bob Marley. Foto: Acervo pessoal Eládio Sandoval.

O bullying que sofri dos coleguinhas riquinhos de escola citados neste post diminuiu bastante depois que souberam de meu parentesco com o Tio famoso.

Meu Pai, Godofredo, também trabalhava na Rádio Antena 1, e sempre que havia eventos, ganhava ingressos cortesia.

Eládio e Godofredo, meu Pai. Foto: Acervo pessoal Eládio Sandoval.

Tem o mesmo estilo do meu Tio, com humor às vezes escrachado, às vezes irreverente, às vezes politicamente incorreto, às vezes até ofensivo.

Certa vez, me confidenciou um certo embaraço em encontrar um Governador recém-eleito, porque quando foi chefe dele no passado, costumava “pegar no pé”, mandava ele estudar mais, e ali, naquele momento, iria encarar o estudante que virou Governador.

Fosse o Governador do mesmo estilo, certamente mandaria meu Pai ir estudar mais.

Dado o cenário, vamos lá.

Mundialito de voleibol masculino no Maracanãzinho, setembro de 1982, preparativo para o mundial que iria ser disputado na Argentina.

Meu Pai chega em casa com os ingressos cortesia de Brasil e Coreia do Sul, primeira fase do Mundialito, e informa que vamos todos conhecer o Maracanãzinho, em plena segunda feira braba.

Eu, que sou o maior entusiasta de esportes da casa, fico só na alegria.

Saímos de casa rumo ao ponto inicial do 711 (ônibus que ia para o Maracanã)

A ida era tranquila, porque a linha de ônibus iniciava pertinho de casa. O problema era a volta. Mas importante era o jogo.

Entrada tranquila no ginásio, porque minha ansiedade obrigou minha família a sair bem cedo, e portanto, entramos no ainda vazio Maracanãzinho. Rolava uma preliminar, que atrasou o início do jogo.

A seleção brasileira tinha Bernard, Montanaro, Renan, Xandó, Amauri e William.

Havia sempre a expectativa de ver o Jornada nas Estrelas de Bernard. O saque que subia até bem próximo do teto do ginásio e era um terror para os adversários.

Mas a seleção não era só isso. 

Era uma geração incrível. Jogadores que viraram verdadeiras estrelas do esporte nacional. O Brasil tentava esquecer o trauma da Copa do Mundo buscando ídolos em outros esportes.

No ginásio era tudo mais caro, picolé, bala, pipoca, e portanto não tínhamos regalias.

Eu estava só preocupado em contemplar o ginásio, a torcida e a atmosfera.

No meu primeiro jogo no Maracanã, sofri muito (outra história) e dessa vez, tinha espaço e conforto adequados para me deliciar com o momento.

Os vendedores tentavam de todo jeito me passar vontade, gritando o mais alto possível: “-  Picolé!” entre outras guloseimas.

Vendiam cerveja também. Um cara ao lado, arrumou uma enorme confusão porque alegava faltar receber um copo de cerveja na compra que fez. A confusão foi aumentando e quando parecia que teríamos uma briga, o vendedor parou tudo, colocou rapidamente uma garrafa de cerveja no copo e entregou ao cliente, agora satisfeito.

Saindo rapidamente, o vendedor vira pra mim e pro meu irmão, falando bem baixinho:

– Enchi de espuma no copo dele.

Malandro é malandro, mané é mané, ou como diria o Piu Piu:

– Que isso gente boa, sai fora!

O aquecimento da seleção já era motivo de frenesi na torcida.

E o jogo, um espetáculo, tenho as lembranças guardadas de lances fugazes até hoje. 38 anos depois. Isso dinheiro nenhum compra.

Em um final de set, Bernard arriscou o primeiro Jornada nas Estrelas, sem antes ouvir da torcida um empurrão que parecia gol em estádio.

Mas a bola tocou na lateral do teto em cúpula.

No quarto set, como que com um final feliz, Bernard acerta o jornada, e o Brasil arranca para a vitória de 3 a 1.

A piada ouvida ali no ginásio era de que os olhinhos puxados dos coreanos diminuíram mais ainda tentando ver a bola descendo em meio aos holofotes de iluminação instalados no teto.

Como diria o Piu Piu:

– Seleção cheia de firula, mas sem cascata.

A volta para casa era um caos.

Não havia linha de ônibus que nos levava ao Rio Comprido, que nem é muito longe do Maracanãzinho, e taxistas se recusavam a nos levar tão perto.

Meu Pai, falou para nós que entrássemos no táxi, só lá dentro diríamos o destino, até que um taxista, mesmo perguntando, sem resposta, só ouviu de meu Pai que nossa casa era no Rio Comprido, com todos dentro do carro.

Sem perder a corrida, o taxista “bateu a real”:

– Gente boa, para o Rio Comprido só de taxímetro desligado e a corrida vai custar “trocentos” mil cruzeiros!

Meu Pai queria sair do Táxi, mas diante dos quatro filhos exaustos, se rendeu.

Isso foi na segunda-feira. Na quinta-feira era a vez de Brasil x Bulgária, e meu Pai, já mais calejado com o roteiro a ser seguido, não deixou eu “pilhar” a família para sairmos tão cedo e nos alimentou bem antes de sairmos.

No ginásio, antes do início da partida, fui obrigado a ouvir a torcida do Flamengo ecoar um Mengoooo!!! muito potente. No dia anterior, o Flamengo, uma das paixões de meu Tio Eládio, havia conquistado a Taça Guanabara ao vencer o Vasco por 1 a 0, gol de Adílio, aos 45 minutos do segundo tempo. Tentei gritar Vasco, e vi algumas crianças também tentando, em vão.

Eládio e Zico. Foto: Acervo pessoal Eládio Sandoval.

O jogo contra a Bulgária foi mais fácil e mais rápido, e também finalizado de forma grandiosa com o Jornada nas Estrelas.

Jornada nas Estrelas no Maracanãzinho

Na hora de ir embora, meu Pai acelerou conosco e já na rua, chamou um táxi e falou para o taxista:

– Gente boa, a corrida é curtinha, pro Rio Comprido, você vai e volta à tempo de fazer mais uma corrida. Pago pra você “merrecas” cruzeiros!

O taxista aceitou.

Como diria o Piu Piu:

– Que felicidade, que felicidade, que felicidade, que felicidade gente boa!

Eládio e Eric Clapton. Foto: Acervo pessoal Eládio Sandoval.

Eu e meu irmão repetimos esse bordão por muitos anos.

Chegando em casa, meu Pai, em tom triunfal nos diz para aprender com ele a “boa malandragem”, não falou com essas palavras, mas estava implícito.

Na final, a procura pelos ingressos cortesia foi tanta que tivemos que ouvir o jogo pelo rádio. Brasil Campeão!

Definitivamente, ir para o Maracanã ou para o Maracanãzinho era uma aventura inesquecível!

Eládio e Lobão. Foto: Acervo pessoal Eládio Sandoval.

Meu Tio Eládio Sandoval, depois de viver mil e uma aventuras pelo mundo afora, se estabeleceu nos EUA, fez locuções para a ESPN durante muitos anos, e agora está “aposentado”, se dedicando ao Hinduísmo, sua paixão desde sempre, e escrevendo o terceiro livro, agora em inglês.

Eu hoje vou me dar bem

Piu Piu de Marapendi – 1982.

A música no youtube

Aí, malandragem, sabe dessas noites,
que tu sai de casa, sozinho de madrugada, meu irmão
igual a um bezerro desmamado,
com uma mão na frente e outra atrás,
pensando naquela gatinha que te deu um tremendo fora,
e aí de repente, gente boa, tu vê a menina na esquina,
sozinha, dando a maior sopa, a mó bobeira,
aí quando tu vai se chegando, meu irmão,
pinta o maior camburão na jogada,
fazendo a maior blitz, meu irmão,
e os “homi” cai em cima:
– Aí,malandragem, documento, mão prá cima…
E tu mete a mão no bolso e não tem os documento, aí
e os homi vem com aquela conversa mole, né
e tu acaba tendo que pagar a cervejinha, meu irmão
e aí eles te deixam ir embora.
Que felicidade, que felicidade,
que felicidade, que felicidade, gente boa….
E aí então, né, tu vai se chegando pra gatinha,
cheio de segundas intenções, e solta uma tremenda
cascata em cima dela:
– Aí, meu amorzinho, o negócio é o seguinte,
vamo lá pro baixo leblon…
E ela aceita, gente boa.
Aí tu leva ela praquele barzinho, né…
Chega lá, tu cheio de firula, puxa a cadeirinha,
e manda ela sentar.
– Muito obrigada!
Aí chega o garçom, gente boa, aquele cara vestido
igual um pinguim de branco e preto,
e ela joga uma tremenda cascata em cima dele:
– Garçom, traz uma porção de batata frita?
– Que batata frita o que, gente boa,
tá pensando que o meu dinheiro é o que, é capim?
Aí, garçom, é o negócio seguinte, traz um churrasquinho
aí, viu pode ser de gato, de preferência de gato siamês.
– Ah, amor, churrasquinho de gato?
– Churrasquinho de gato, sim, gente boa, por que? tu tem
alguma coisa contra os felino, meu irmão?
– Amor, então paga um chopp?
– Que chopp o que, gente boa, aí garçom, o negócio é o
seguinte: traz cachaça!!!
– Paga um chopp?
– Cachaça!
-Ah, paga um chopp?
– Cachaça, meu irmão!
– Paga um chopp?
– Cachaça!
– Chopp?
– Ok,, ok, você venceu. Aí garçom, traz cachaça,
falô? Fazê o seguinte, não dá ouvido pra essa
mulher não, que ela é maluca, tá legal?

Eu hoje vou me dar bem, Eu hoje vou me dar bem
Eu hoje vou me dar bem, Eu hoje vou me dar bem
Eu hoje vou me dar bem, Eu hoje vou me dar bem

Aí nós ficamo ali, né, meu irmão, jogando conversa
fora, né, e todo mundo que passava, dizia que a gente
era um casal e coisa e tal, sensacional, gente fina,
mas meu irmão, como a mulher falava palavrão,
gente boa, que coisa feia, a mulher falava com a boca
cheia de comida, e cuspia no chão…
Mas no começo tudo era lindo, maravilhoso, né,
mas de repente, meu irmão, caiu tremendo temporal,
mas mesmo embaixo d’água, o nosso amor era mais gostoso
Aí o garçom trouxe a conta, aí,
(Garçom): – Aí, paga a conta…
Aí então, gente boa, a mulher enlouqueceu, ela dizia
que quem pagava a conta era eu, eu dizia que quem
pagava a conta era ela, e ela dizia que quem pagava
a conta era eu.
Aí eu falei:
– Aí, o negócio é o seguinte, sujou, morô, eu não tenho
dinheiro não…
– Não tem dinheiro? Não é possível, não tem dinheiro?
E que que é isso aí no seu bolso?
– Nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada, sai fora,
gente boa, sai fora…

Eu hoje vou me dar bem, Eu hoje vou me dar bem
Eu hoje vou me dar bem, Eu hoje vou me dar bem
Eu hoje vou me dar bem, Eu hoje vou me dar bem

Aí, né, nós arrumamos uma tremenda confusão ali no
botequim, e saímos sem pagar, morô?
Aí ficamos passeando ali em frente a areia de
copacabana, e eu pensando cá comigo, aí:
– É o seguinte, esse brotinho, gente boa, é muito
bonitinho, morô, eu acho que eu vou me amarrar.
Aí falei assim pro brotinho:
– Brotinho, o negócio é o seguinte, vem cá,
amorzinho… Nós tamo já aqui uma porção de tempo, né
se beijando, e coisa e tal, e eu ainda não tive tempo
de perguntar qualé o seu nomezinho… Qual é, hein?
– Meu nome é Valdemar Ferreira!
– O quê, gente boa, Valdemar, meu irmão?
– Valdemar, Valdemar Ferreira!
– Não faz isso comigo não, gente boa…
– Valdemar…
– Polícia, polícia, aí, segura o malandro aqui,
gente boa, tá me “assartando”…
– Ô, Piu piu..
– Polícia!!!
– Que é isso, Piu piu?
– Polícia!!!
– Dá um beijinho aqui, Piu piu…
– Polícia, segura aqui o malandro…
– Dá um beijinho, Piu piu…

– O nome dela é Valdemar!
– Vem casar comigo, Piu piu!
– O nome dela é Valdemar!
– Ô, Piu piu..
– Que tristeza, o nome dela é Valdemar, gente boa,
não pode ser!
– Me dá um beijinho…
– O nome dela é Valdemar! E eu me enganei, meu irmão
– O nome dela é Valdemar! Que danada, aí…
– E o nome dela é Valdemar! Que tristeza…
– O nome dela é Valdemaaaaaaaaar!
– E o nome dela é Valdemar!

Vinícius Perilo

Vinícius Perilo, 47 anos, é engenheiro civil apaixonado por todos os esportes. Tudo começou no Ursinho Misha em Moscou 80, e, a partir daí, acompanhando ídolos como Oscar, Hortência, Bernard, Jacqueline, Ricardo Prado, Joaquim Cruz. Ama futebol como todo brasileiro, faz parte da geração que chorou de tristeza a derrota de 82 e de alegria com o Tetra em 94. Realizou um sonho de criança e conduziu a Tocha Olímpica para a Rio 16. Ainda acredita no Brasil olímpico.

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