Economia

Aluguéis: o “empurrãozinho” para o IPCA

O cão de Pavlov liberal que vive dentro de mim começou a salivar quando viu a notícia: “Câmara vai tentar fixar IPCA como teto de reajuste de aluguéis para evitar IGP-M”. Taí o governo se metendo novamente no livre mercado!

Recentemente, negociei dois contratos de aluguel, pedindo para trocar o IGP-M pelo IPCA. Em um deles houve resistência. Não por qualquer motivo financeiro, mas pelo costume. “Sempre foi assim, não sei se será possível mudar”. No final, consegui.

Richard Thaler ganhou o Nobel de Economia em 2017 por suas pesquisas em finanças comportamentais. Ele escreveu um livro muito interessante, Nudge (que pode ser traduzido por “empurrãozinho”), no qual elenca várias situações em que, a depender de como as alternativas são apresentadas, as decisões dos seres humanos são diferentes. Por exemplo, em uma campanha de doações, está provado que se arrecada mais se as opções forem R$ 100, R$ 200 e R$ 500, do que se forem R$ 20, R$ 50 e R$ 100, mesmo havendo um campo para preencher com um valor qualquer de doação.

Thaler dá um nome a políticas públicas que têm como objetivo levar as pessoas a escolher “o melhor”: “paternalismo libertário”. Ele foi muito criticado por isso, mas muitas campanhas governamentais, principalmente nos EUA, levam em consideração os princípios desenhados por Thaler para levar a mudanças de comportamento das pessoas.

No gráfico abaixo, podemos ver as variações anuais do IGP-M e do IPCA ao longo do tempo, mostrando que o IGP-M é bem mais volátil que o IPCA.

O IPCA, por ser muito mais estável ao longo do tempo, reduz sobremaneira os potenciais atritos entre as partes do contrato. Além disso, o IGP-M é um índice que não tem relação com a inflação das pessoas e da maioria das empresas, por ser muito influenciado pelos preços das matérias-primas.

O IPCA, portanto, é claramente um índice superior ao IGP-M para locadores e locatários. Por que, então, o IPCA não é usado em lugar do IGP-M? Costume. É o padrão dos contratos. Ninguém pensa muito no assunto.

Neste contexto, um “empurrãozinho” do governo pode levar a sociedade para um equilíbrio melhor. Estabelecer um índice é a melhor alternativa? Talvez não. Mas deixar do que jeito que está pode ser uma alternativa ainda pior, em um mundo onde a “livre negociação” é exercida por pessoas que muitas vezes nem sabem a diferença entre o IGP-M e o IPCA.

Achei fracas as objeções elencadas na reportagem. Vejamos:

1. “A imposição de um índice “engessaria” o mercado”.

Bem, hoje temos um mercado “engessado” no IGP-M. Apenas trocaríamos o tipo de gesso. A livre negociação entre as partes esbarra, como dissemos acima, na ignorância sobre os índices disponíveis no mercado.

2. “Insegurança jurídica”.

Não vejo como essa lei poderia afetar a segurança jurídica dos contratos, a não ser que fosse retroativa, o que não é o caso.

3. “Expectativa frustrada de retornos em IGP-M por parte de investidores em fundos imobiliários”.

Bem, nesse caso há uma confissão implícita de que o IGP-M é um índice que roda mais alto do que o IPCA. Só que esta é uma não questão: se os reajustes forem mais altos do que a capacidade de pagamento dos locatários, os imóveis ficarão vazios. E é melhor um aluguel reajustado pelo IPCA do que um imóvel vazio. O que temos visto é que essa “expectativa de retorno” dos fundos imobiliários se frustrou mesmo tendo o IGP-M como indexador. No final, o que acaba mandando é o mercado, independentemente do indexador dos contratos. Além disso, a volatilidade não é amiga do investidor: o IPCA permite ter uma previsibilidade maior sobre o fluxo de caixa, o que sempre é desejável.

4. “Risco de desabastecimento e preços elevados”.

Você acha mesmo que um locador vai deixar de alugar o seu imóvel porque o indexador agora é o IPCA e não o IGP-M? Não vejo risco de “desabastecimento”. Ainda mais porque os contratos têm prazo determinado, normalmente 30 meses. Depois disso, vale novamente o mercado. Se o aluguel estiver muito defasado, o locatário pode renegociar e, no limite, pedir o imóvel de volta. Aliás, como sempre foi, não será a mudança do indexador que mudará isto.

Enfim, sempre torço o nariz para intervenções do governo no funcionamento dos mercados. Mas, neste caso específico, acho que vale um “empurrãozinho” para que o mercado assuma um equilíbrio melhor para todos. Talvez Richard Thaler tivesse uma ideia melhor para desenhar essa política. Mas, na ausência do Prêmio Nobel, é o que temos para o momento.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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