Explicando o mundo, o universo e tudo o mais


Tal qual uma criança que começa a descobrir o mundo ao seu redor, nosso presidente tem muitas perguntas. Por que a taxa de juros precisa ser tão alta? Por que o preço da gasolina não pode seguir os custos de produção local? Por que não podemos ter um banco de desenvolvimento que empreste sem condicionalidades?
A última pergunta que tem atormentado o presidente, a ponto de deitar-se com ela toda noite, trata da dominância do dólar no comércio global. Afinal, por que o comércio entre os países precisa passar pelo dólar?
A função do adulto é introduzir a criança no mundo a que ela foi convidada sem pedir. No mundo da criança, tudo é possível. Trata-se de um mundo mágico, em que as coisas acontecem “como deveriam ser”. O adulto, ao responder às questões da criança, descreve o mundo “como ele é”. O problema de Lula é que os que o cercam, incluindo os economistas, costumam ter o mesmo pensamento mágico.
No caso, o adulto explicaria que o dólar é emitido pelo maior país do planeta, com um banco central independente, e em que o sistema político, com seus pesos e contrapesos, evita a dominância de um homem ou de um partido. A China é grande sim, a segunda maior economia do planeta. Mas o fluxo de capitais e o câmbio são estritamente controlados por uma autoridade monetária (o Banco Popular da China) completamente subordinada a um ditador. Você compraria um carro usado de Xi Jinping?
Faça um teste. Peça a um amigo seu que esteja na China que lhe traga alguns renminbis na mala. Faça o mesmo com um amigo que esteja nos EUA, e lhe peça para trazer alguns dólares. Tente comprar alguma coisa aqui no Brasil com os renminbis e com os dólares. Qual será a tarefa mais fácil? Pois é. As pessoas guardam dólares em casa, não renminbis, sem que ninguém as obrigue a isso.
O Banco Central do Brasil investe as reservas internacionais em várias moedas. Cerca de 80% está em dólares e apenas 5% em renminbis, apesar de a China ser, de longe, nosso maior parceiro comercial. Vendemos US$ 90 bilhões anualmente para a China, mas somente US$ 15 bilhões das reservas estão na moeda chinesa. O BC raciocina com o mesmo cuidado que as pessoas que guardam o dinheiro em dólar, não em renminbi. Se Lula souber disso, arrumará mais um motivo para encrencar com o Roberto Campos, além da taxa Selic.
Há alguns anos, estive na China a trabalho. Nas várias reuniões de que participei, não falávamos em português ou mandarim. A língua usada era o inglês. Nem todos podem contar com um tradutor oficial, como Lula e Xi Jinping têm à disposição. Então, lançamos mão da língua franca global para nos comunicar. Talvez Lula pudesse pensar nisso também antes de dormir.
Marcelo, mais um texto atual e provocativo. Só um ponto no seu artigo que me fez refletir, quando faz um paralelo entre a criança questionadora e o adulto, penso que sonhar como uma criança nos lança na possibilidade de “fugir” do mundo cartesiano, duro, seco, e as vezes, que não nos da esperança, para um mundo do “impossível”, da criação e da oportunidade por mais trabalhosa que seja. São desses sonhos inimagináveis que chegamos a Lua, usamos celulares, desenvolvemos robôs e já temos o ChatGPT….São desses sonhos, e muitas, muitas perguntas, e elas são incríveis porque nos despertam, que o Marcelo Guterman escreve seus textos educativos e atuais. Você não fez uma crítica ao sonhar no seu texto, longe disso, mas ter o sonho e perguntar o óbvio é salutar. Saúde e obrigado. William
Conta-se que Santos Dumont, quando criança, perguntava ao seu pai porque o homem não podia voar. Não sei até que ponto isso é lenda, mas não deixa de ser uma demonstração de como as perguntas são a base dos avanços tecnológicos. Talvez as respostas cartesianas não abarquem todas as possibilidades. Mas ao sonho deve-se acrescentar o ingrediente da realidade, caso contrário, não se sai do mundo dos sonhos. Abraço e obrigado pelo seu comentário!
Concordo inteiramente. Votei no Lula, como muitos outros, para tirar Bolsonaro e o bolsonarismo, mas não esperava nada diferente. Mais do que nunca o governo precisa de uma forte oposição democrática. Obrigada, Marcelo.
Berenice, obrigado pelos comentários!