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O Brasil precisará de um pacote de estímulo econômico em 2021? Como pagá-lo?

Lá atrás, na estreia do Boteco em setembro, escrevi sobre as alternativas que se apresentavam sobre a gestão do Teto de Gastos, Reformas e do Renda Brasil. Inacreditavelmente, estamos na última semana do ano e continuamos exatamente na mesma. O governo federal sentou-se em cima das mãos e continuam em aberto matérias básicas para entendermos minimamente a estratégia que será seguida para enfrentar a saída da pandemia. Isso se há alguma estratégia, pois a essa altura a suspeita é de que o “piloto sumiu”.

De toda forma, há um par de pontos que podemos observar, analisando o ano de 2020, esclarecendo que o meu ponto de vista é de um executivo financeiro que tem que navegar entre posições divergentes de economistas, Banco Central e governo, para tomar suas decisões de negócio, e não de um economista profissional. Os cenários ao final são minha própria especulação, na ausência das decisões esperadas das autoridades.

OS PACOTES DE ESTÍMULO FISCAL

O primeiro ponto é a tentativa de responder a uma pergunta. Vimos o Congresso norte-americano e a União Europeia, para ficar só nesses, aprovando, recentemente, pacotes de estímulos fiscais relevantes, baseados na premissa que as suas economias ainda estão fracas para andarem sozinhas e, também, da experiência da crise de 2008-9, quando a recuperação foi prejudicada pela retirada prematura dos estímulos. Será que o Brasil é tão melhor que eles para não precisar de algum estímulo semelhante?

Esqueçamos, momentaneamente, a parte do financiamento de tal pacote, que tratarei mais à frente, e peguemos a recomendação majoritária dos economistas ortodoxos, do mercado financeiro e do governo federal. A tese é que se retornarmos ao Teto de Gastos, fizermos as Reformas (Administrativa, Tributária e as PECs do Pacto Federativo, dos Fundos Públicos e Emergencial) e avançarmos na agenda de privatização e concessões, a melhoria de expectativas faria com que empresas locais e estrangeiras invistam no país, criando um círculo virtuoso, pois geraria emprego, renda, consumo, etc. e aí poderíamos ter alguns anos de crescimento acelerado, até porque saímos de uma base com grande capacidade ociosa.

Isso, entretanto, pressupõe que mesmo que essas ações aconteçam com algum grau de relevância, o que é para lá de duvidoso, as empresas iriam investir em antecipação à demanda, em meio a um desemprego enorme e o consumo das famílias estar, no final de 2020, cerca de 5% abaixo do patamar do final de 2019, mesmo com o impacto do auxílio emergencial (fonte Instituto Fiscal Independente do Senado – IFI).

Vejamos o que nos dizem algumas estimativas. O relatório Focus de 20 de dezembro mostra que o mercado acredita em um crescimento de 3,46%, que parece bom, mas não explicita que há uma estimava de carregamento estatístico de 2,5%-3,5% o que significa que o crescimento marginal seria na base de 1%, como nos anos 2017-18-19, o que é medíocre, especialmente considerando a saída de uma recessão aguda, podendo ser até menor. Para colocarmos em perspectiva, o IFI projeta um crescimento de 2,75% no seu Relatório de Acompanhamento Fiscal de dezembro e a OCDE 2,6%, o que significaria algo mais perto de uma estagnação marginal. A OCDE projeta 4,2% para o mundo e 3,5% para cima para Argentina, Chile, Colômbia e México, nossa concorrência regional. Olhando, portanto, o que dizem essas projeções, o resultado estaria entre uma estagnação marginal e um crescimento medíocre.

Considerando que antes da crise, em 2019, tínhamos um déficit primário em torno dos R$ 95 bi (fonte IFI) e para 2021 a estimativa do governo federal é de R$ 247 bi, não há corte de custos possível para endereçar rombo de tal magnitude só pelo lado das despesas, mesmo no médio prazo, e um crescimento em torno de 2,5% não zera o déficit primário até 2030, último ano da projeção do IFI.

Como isso, 2021 seria mais um ano andando de lado e a projeção para a década é um eterno empurrar com a barriga. A minha conclusão é de que a visão dessa corrente reflete mais um plano de solvência da dívida pública e não um plano que incorpore a necessidade do país, ao mesmo tempo, crescer e progredir. Se é isso, prefiro que seja dito com todas as letras, que precisaríamos, sim, de um pacote de estímulos fiscais, mas que não podemos pagar por ele e, por isso, teremos que nos contentar com uma década, ou mais, de restruturação da dívida e do Estado, para só depois crescermos novamente de forma significativa.

O AUXÍLIO EMERGENCIAL

O segundo ponto observado é o sucesso do auxílio emergencial em reativar a economia, fazendo que a recuperação, após o tranco inicial da pandemia, tenha sido muito superior às estimativas iniciais, e, simultaneamente, fazendo isso com foco no consumo da baixa renda.

Claro, foi um tiro de bazuca, insustentável, de tal forma descalibrado que chegou a aumentar a renda da faixa mais pobre do país no meio da crise. Entretanto, serviu como um experimento sobre o efeito imediato e poderoso desse tipo de gasto no crescimento econômico, comparado com os resultados pífios que observamos há várias décadas sobre o poder indutor de isenções, subsídios, créditos e proteções ao setor empresarial, até porque mal desenhadas e concentradoras de renda. Portanto, se houver um único dinheiro disponível para investir, melhor que o seja na Renda Básica para a baixa renda e não atendendo os usuais lobbies empresariais.

Esse ponto me leva, também, a acreditar que estratégias baseadas em incentivar a demanda são mais eficazes para reativar a economia no curto-médio prazos do que aquelas baseadas na oferta, mas não tenho a pretensão de convencer ninguém disso, já que nem os economistas se entendem a respeito.

A DÍVIDA PÚPLICA

A vida seria fácil se houvesse almoço grátis, mas alguém tem que pagar a conta e, nesse ponto, vejo razão na posição majoritária em apontar a restrição de financiamento da dívida pública. Isso porque já entramos na pandemia piores que nossos pares emergentes, como uma razão dívida/PIB em torno de 75%, e que chegará no final de 2020 em cerca de 90%-92%, patamar somente comparável com os países desenvolvidos, que se financiam a prazos mais longos e a taxas mais baixas.

Sim, nossas taxas de juros estão no seu ponto mais baixo da história, mas o custo médio da dívida mobiliária ainda é alto, cerca de 7,4% a.a., assim como o custo de novas emissões, de cerca de 4,5%, bem acima da Selic de 2%. (fonte IFI). Vejam que todas essas taxas são maiores que o crescimento econômico projetado, colocando em dúvida a possibilidade de financiamento sustentável via Banco Central, numa versão brasileira de um “Qualitative Easing”, considerando também que nossa moeda é de segunda categoria.

Aqui também não me aventurarei por digressões teóricas pois os economistas estão a se digladiar sem conclusão aparente. Fico, entretanto, cauteloso ao ver que nenhum país emergente foi ainda nessa direção e teríamos que fazer que o Banco Central financiasse a dívida em prazos mais longos, ao invés de rolá-la via Operações Compromissadas.

Olhando os números, observamos que a dívida de prazo superior a cinco anos caiu de 24% do total para 19% desde o final de 2019, sendo que o único prazo que cresceu foi o até doze meses. Em adição, as Operações Compromissadas saíram de um patamar de 13% do PIB no final de 2019 para 21% em outubro de 2020 e lembramos da publicidade gerada, recentemente, quando houve deságio de papéis da dívida pública. Outro indicador é que, enquanto os juros de curto prazo caíram desde o início de 2020, os de longo prazo subiram (fonte IFI). Tudo isso demonstra que a questão do financiamento da dívida não é banal e não está endereçado.

CENÁRIOS

Sabemos que seria importante para a estratégia eleitoral do PR a aprovação do Renda Brasil, mesmo que modesto. Por isso, eu o considero no meu cenário-base, até porque ele, também, sendo parte da pauta da oposição, não sofreria resistências, a menos que tivesse a malfadada CPMF como contrapartida. Além da motivação eleitoral, ele teria um impacto positivo no crescimento e seria distribuidor de renda, portanto, agradaria a gregos e troianos.

Entretanto, teria que vir acompanhado de um novo acordo sobre o Teto de Gastos que fosse crível, apesar de abrir espaço para mais gastos, e de alguma versão, mesmo que despojada, de algumas das reformas, para ancorar as expectativas sobre a dinâmica da dívida pública. Algum aumento de impostos até seria aceitável, se fosse focalizado na alta renda, e não a nova CPMF.

Sim, tudo difícil, mas não impossível, lembrando que seriam versões diluídas, suficientes para que o PR possa fazer sua propaganda eleitoral e ao mesmo tempo não quebrar o país. Nesse aspecto haveria uma convergência de conveniências. Sairíamos da estagnação para a mediocridade, nada além disso.

Os outros dois cenários seriam de menor probabilidade.

Um seria fazer as reformas, privatizações e concessões conforme prometidas na campanha e usar parte da credibilidade para negociar um Teto de Gastos que viabilizasse um Renda Brasil mais generoso, o que geraria uma demanda maior, que animaria as empresas a investirem mais, num círculo virtuoso mais poderoso. A exigência aqui seria o PR mobilizar seu capital político nesses temas ao invés de interessar-se pelas armas ou pela sua pauta “de costumes”, o que ele nunca demonstrou intenção, e assim mesmo, não seria uma tarefa simples, por mexer com muitos interesses enraizados. Mesmo uma crise aguda podendo gerar uma nova oportunidade de convergência política, É meu cenário de menor probabilidade pelas atitudes do PR, mesmo que uma crise grave abra uma nova oportunidade para convergências políticas.

O outro cenário seria o PR forçar a criação do Renda Brasil sem uma boa amarração sobre o Teto de Gastos e o financiamento da dívida pública. O mercado financeiro receberia mal a estratégia, mas o PR, com o cacife de defender os pobres, usaria sua popularidade para culpar as elites, governadores e outros pelo dificuldades econômicas e navegaria até 2022, depois disso, daria um jeito. A lógica parece inviável, mas já deu certo muitas vezes para garantir uma eleição, o futuro é uma outra história. É só lembrar do Plano Cruzado com o Sarney e a própria Dilma para reeleger-se, em episódios de dimensões catastróficas, e o FHC para reeleger-se em 1998, de forma mais amena.

Para quem conseguiu manter quase 40% de popularidade fazendo campanha antivacina e desdenhando da pandemia, não seria uma tarefa tão difícil em termos de convencimento. Não acho que o Bolsonaro tenha tanta disposição de peitar o mercado financeiro, mas no desespero, poderia enveredar por essa alternativa.

CONCLUSÃO

O meu cenário-base tem uma premissa relevante, de que comecemos a vacinação em massa ainda no primeiro trimestre, mesmo que focalizada nos grupos de risco, de forma que a vida comece a voltar ao normal. Sem ela, o fundo do poço poderá ser bem mais profundo, sem falar no custo humano imediato. Por isso, recomendo a torcer, e muito, pelas vacinas chegarem logo, qualquer delas.

Alberto Ferreira

Paulistano adotivo desde 1984, nasceu no Rio de Janeiro em 1961, de onde trouxe a torcida pelo Fluminense. Leitor inveterado de jornais, economia e negócios descansa lendo romances, assistindo futebol e ouvindo MPB. Casado desde 1985 com duas filhas adultas já independentes, foi cfo e controller no mercado financeiro e agora divide o tempo entre um mestrado em administração, acolhimento familiar, administração de bens e consultoria.

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