Opinião

Ou crê, ou morre – as narrativas e seu poder de manipulação

Toda a história que conhecemos chegou até nós através de narrativas. Que, muitas vezes, são propositalmente distorcidas, com a intenção de criar um “inimigo” que deve ser exterminado.

A história contada no excelente livro “O Código Da Vinci” é um bom exemplo disto. Resumindo muito, a igreja tradicional sustenta a narrativa que Jesus Cristo foi um homem puro, concebido sem pecado e que nunca teria feito sexo na vida. Alguns estudiosos levantaram a hipótese que ele talvez tivesse um filho com Maria Madalena, e esta linhagem com o DNA do Divino Mestre teria chegado até os dias de hoje. Esta briga de narrativas causou muito derramamento de sangue de inocentes ao longo da história. Todo o desenrolar do livro (onde o que não falta é assassinato), ocorre em função da luta entre os partidários das duas teses antagônicas. Isto em pleno século XX.

O ponto fundamental é; este fato alteraria uma vírgula na qualidade dos ensinamentos de Jesus? Minha resposta (pessoal e intransferível) é não. Do ponto de vista ético e moral o cristianismo não sofreria abalo algum; mas, obviamente, para aqueles que misturam poder e fé, poderia ser um desastre do ponto de vista de conquista de “market share”. Na verdade, não é totalmente sem fundamento a tese de que boa parte da perda de credibilidade e poder que está acontecendo com a Igreja Católica ao longo das últimas décadas se deve ao fato dela continuar insistindo na visão do sexo como pecado (que a sociedade civilizada já superou tranquilamente), exigindo de seus ministros uma castidade sem sentido. Tudo por considerar a narrativa mais importante do que os fatos da vida.

Boa parte da polarização irracional do Brasil de hoje pode ser explicada pelas narrativas que não correspondem aos fatos. O lado bolsonarista, derrotado nas urnas, se apega à hipótese de um golpe que inclui fraude nas urnas eletrônicas, parcialidade do judiciário e da mídia (tudo bem que neste ponto até há alguma argumentação lógica), e quer um golpe que seria contra o golpe. A cada dia que passa me parece que perdem força, e o próprio Bolsonaro já deixou claro que vai saltar do barco. Que assim seja.

O que me preocupa mais é a narrativa criada pelo lado vencedor. Lula vai governar o país pelos próximos quatro anos e, se a sua retórica de que “Bolsonaro é pior” serviu para ganhar a eleição, seus primeiros passos na transição me deixam preocupado.

Lula e seus aliados criaram uma narrativa que contraria, claramente, os fatos ainda recentes na história do Brasil. A narrativa é que o Brasil era um país feliz e próspero, o PAC bombava, não havia fome nem desemprego, e aí veio a Lava-jato, comandada por um cara treinado pelo FBI para acabar com o Brasil, e deu no que deu. E, como acontece com toda a narrativa que serve ao poder, todo aquele que a contrariar é um inimigo do povo e da democracia, e deve ser jogado na fogueira inquisitorial em nome do amor. Pois é…

Enfim, se Lula acredita que repetindo os mesmos truques que deram errado na primeira vez vai salvar o Brasil, está muito enganado. Talvez pense, como Goebbels, que basta repetir uma mentira mil vezes para transformá-la em realidade. Só que Abraham Lincoln já demonstrou que é possível enganar parte do povo durante todo o tempo, mas nunca todo o povo durante todo o tempo. E é claro que me identifico muito mais com o democrata Lincoln do que com o nazista Goebbels. Já fiz minha escolha. Lula que faça a dele. Lembrando sempre que a pior ditadura é aquela que não ousa dizer seu nome…

No fim do dia, a verdade é que, invariavelmente, chega a hora em que a realidade bate à porta e cobra a conta. Como ocorreu em 2015.

Que Deus nos ilumine.

Bem a propósito, feliz 2023. E que o céu não caia sobre nossas cabeças.

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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2 Comentários

  1. Ok, Lincoln era republicano! E, por mais quero “democrata” seja para remeter a democracia, o grande estadista está remoendo no túmulo agora.

    1. Porsorte ele não deve entender português… Realmente, eu quis falar em cidadão da democracia. Mas talvez ele não gostasse da ideia de ser chamado de “democrata”. Obrigado pelo registro

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