Atualidades

Quando a doença vence…

Minha especialidade não convive muito com o óbito, ainda que conviva muito com o risco dele.

Porém, quando perdemos um paciente, é quase sempre da forma mais dolorida, o suicídio.

Ainda que a ciência comprove que pacientes em acompanhamento psiquiátrico têm riscos extremamente menores de chegar ao suicídio, fatalmente essa experiência deve ocorrer na vida de qualquer psiquiatra que cumpra sua jornada na profissão – infelizmente.

Mas esse texto é para falar sobre estigma… até na morte o estigma contra doença mental aparece. Como se muitas pessoas interpretassem: “o sujeito que optou por isso, azar o dele”.

Há grande empatia e sensibilização aos familiares, mas uma sútil sensação de indiferença, raiva ou até superioridade em relação à vítima.

Sim, se podemos dizer que “João foi vítima do câncer”, por que não dizer que “José foi vítima de suicídio”?

“Ah, mas João não queria morrer de câncer. José impôs sua própria morte, a escolha foi dele”.

Não, meus caros, suicídio não é uma escolha de quem está em plena capacidade de suas funções mentais.

Geralmente ou é uma decisão planejada e executada a partir de um cérebro adoecido, que está vendo o mundo pelo prisma depressivo e desesperançoso de uma vida sem cor, que a pessoa vem experimentando há tempos.

Ou é a decisão impulsiva e desesperada de alguém que se tivesse 2 minutos para se acalmar e pensar melhor, decidiria por outro rumo.

Precisamos entender que Doença Mental é democrática, assim como câncer.
Pode acometer qualquer um, em qualquer fase da vida. Muitas vezes de forma insidiosa, gradual, sutil e lentamente.

Não é fraqueza, é doença.

A vida não é perfeita, estamos constantemente enfrentando desafios e nos desenvolvendo, mas sempre vale a pena ser vivida.

Se por qualquer motivo você eventualmente pensa que não vale a pena estar vivo, ou que uma solução à angústia seria a morte. Mesmo que não tenha pensamento ativo de tirar a própria vida, procure ajuda profissional.

Esses podem ser sinais iniciais de algo que, se não tratado, tende a crescer a proporções mais difíceis da medicina controlar.

Não podemos deixar o estigma alimentar a doença mental que infelizmente pode vencer, resultando em notícias devastadoras.

Aos que se vão dessa forma, quando a doença mental vence, meu sincero pesar, meu respeito e minhas orações.

Aos seus familiares, marcados pela tragédia, desejo-lhes força para enfrentar o turbilhão de emoções geradas por esse tipo de luto. Não se deixem levar por emoções ambivalentes de raiva, culpa ou outras que devem surgir. Atenção ao próprio risco de adoecimento. E que o tempo possa cicatrizar as feridas do trauma e deixar somente as boas e saudáveis lembranças.

Cuidemo-nos todos! Cuidemo-nos uns aos outros!

Carlos Augusto (Guto) Loyola

Como bom curitibano acostumado com socialização no varejo, mantém certo distanciamento social desde antes da pandemia. Fissurado em vida Outdoor, vascaíno por herança familiar carioca. Quando não está numa trilha, tentando jogar futebol, pedalando ou no mar - tudo isso acompanhado de esposa e filhos - é psiquiatra clínico e forense. Tenta, com pouquíssimo sucesso, diferenciar-se da maioria dos médicos que só sabem falar de medicina.

Artigos relacionados

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo
Send this to a friend