Atualidades

‘Lockdown’??!!!

Eu sou cético em relação à eficácia de lockdowns, particularmente nos momentos em que a curva de contágio está no alto. Você restringe o sujeito contaminado dentro de casa e lá, em maior contato com os convivas, o vírus se encarrega de completar o serviço.

O argumento de que boa parte dos países adotou a prática está longe de ser suficiente para o meu convencimento, primeiro porque a maioria deles está apanhando loucamente da covid, não se caracterizando em exemplos de sucesso, segundo porque as comparações em contrário, quando colocamos regiões de confinamento mais rígido e mais flexível ao longo da pandemia, são inconclusivas. Tome-se os estados da Flórida e da Califórnia, nos EUA, e Brasil e Argentina, ambos com ações de enfrentamento muito distintas em relação ao confinamento, mas com resultados acumulados parecidos.

Dito isso, o lockdown me parece uma fantasia de quem está no topo da pirâmide econômica, particularmente em países de renda baixa ou média como o Brasil, onde a maioria da população vive em habitações precárias e precisa da mobilidade para garantir o pão de cada dia. Esse pessoal nunca se engajou em lockdowns, não por má vontade, mas por mera questão de necessidade. E nem se engajará.

Do ponto de vista prático, o fechamento de tudo que não é considerado essencial promoverá um sério risco à sobrevivência de milhões de pequenos negócios pelo país, com uma possível atenuação na ocupação dos transportes públicos. Transporte público, aliás, que permaneceu cheio em todas as cidades do país durante praticamente toda pandemia, sob olhares complacentes das autoridades.

Como também aprendemos há um ano, o lockdown não elimina o vírus (que segue circulando por aí, pronto para nos abraçar), mas seria um esforço temporário enquanto o sistema de saúde tem um alívio e o estado promove sua ampliação com leitos adicionais. É surpreendente que no pior momento da pandemia não estejamos mais ouvindo falar dos hospitais de campanha. Alguém tem notícia deles?

O fato de eu ser um cético em relação aos lockdowns não significa que eu seja contrário ao distanciamento social, conforme os pensamentos ‘binários’ podem sugerir. Aglomerações são grande disseminadoras do vírus. E como são clandestinas, não são impactadas por regras de restrições impostas pelo governo.

No meu entendimento, o estado (quando faço essa referência, coloco no mesmo balaio todas as esferas administrativas: municipal, estadual e federal) foi incompetente e negligente para conter aglomerações. Sempre tão eficiente em coletar impostos, poderia também demonstrar o mesmo foco em combater as festas, eventos super lotados, etc. Não aconteceu.

Me parece que agora, à beira do colapso, o pensamento comum nos move para o “faça alguma coisa, e rápido”, e a adesão ao “padrão usual” é a resposta mais segura. Lembram quando o Brasil inteiro decretou ‘lockdown’ parcial nessa mesma época ano passado? Não conteve a escalada do vírus. É simplesmente um espanto que um ano depois estejamos em situação pior e sem ter aprendido nada.

Tivéssemos direcionado recursos para a testagem em massa, de modo a identificar áreas mais afetadas e tomar as medidas sanitárias cabíveis, e por área eu me refiro a bairros e não cidades ou estados inteiros, talvez nossa situação fosse melhor. Algumas placas nas ruas com os dizeres “área de alta incidência de covid” já fariam com que as pessoas ficassem bem alertas e precavidas.

Tivéssemos o senso de urgência para ampliar os leitos e construir hospitais de campanhas desde Dezembro, quando a situação voltou a escalar, talvez nossa situação fosse melhor.

Tivéssemos combatido com veemência as aglomerações e festas clandestinas, com base no exemplo e em ações práticas, como multa pesada aos organizadores dos eventos, ou mesmo alguns dias de “cana educativa” , talvez nossa situação hoje fosse melhor. Lembremo-nos da esbórnia do período eleitoral, sem deixar de mencionar as festas de fim de ano e o carnaval.

Tivéssemos organizado a gestão do transporte público, adotando turnos de funcionamento diferentes nos estabelecimentos, para desconcentrar a utilização nos horários de pico, talvez nossa situação hoje fosse melhor.

Agora eu volto a observar alguns comentários de que importam as vidas e não os ‘CNPJs’. Eis um tipo de raciocínio raso e egoísta, normalmente proferido por quem está bem tranquilo e com renda garantida no final do mês, ignorando que ‘CNPJs’ são responsáveis diretos por milhões de vidas.

Já foi dito no início dessa pandemia que a economia a “gente vê depois”. Passado um ano, ainda estamos no “depois”. Com o sistema de saúde à beira do colapso, nenhum sinal de aumento de capacidade à vista, vacinação andando a passos lentos, nos pedem que fiquemos em casa e oremos.

Alemanha, Inglaterra, França e tantos outros adotaram o ‘lockdown’!!! Pois é, são ricos, podem se dar a esse luxo, mesmo que seja uma ação incerta. Peça para o alemão médio morar em uma casa com três cômodos com mais quatro pessoas e veja se iria funcionar por lá. Serei desagradável o suficiente para lembrá-los de que 45% dos domicílios brasileiros não tem acesso a saneamento básico.

E a Nova Zelândia? Uma ilha isolada no oceano Índico cuja população é inferior à zona sul da cidade de São Paulo. E a China? Uma ditadura que não hesitaria em tomar medidas “heterodoxas” ao menor sinal de desobediência.

Eu acredito que a eficácia desse ‘lockdown’ será tão “alta” quanto àquela verificada ano passado. O que pode nos salvar desse vírus maldito a essa altura do campeonato é a vacinação em massa, além do bom senso da população, ainda que seja difícil acreditar nessa possibilidade. Estamos a “Deus dará”, na roça, no brejo, colhendo o que plantamos, seja na eleição de incompetentes, seja pelo nosso comportamento coletivamente irresponsável.

PS** O vídeo em anexo mostra uma ação educativa simples e eficaz do governo uruguaio no enfrentamento da pandemia…

https://youtu.be/t_E_bChiGYA

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

Artigos relacionados

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo
Send this to a friend