Política

Matemática e política

Vamos começar este post com um ranking dos países com o maior número de óbitos acumulados por Covid até o dia 30/01, considerando apenas aqueles com mais de 1 milhão de habitantes – um total de 155 países (os números se referem ao total de óbitos por milhão de habitantes).

  1. Bélgica: 1.812
  2. Eslovênia: 1.662
  3. Reino Unido: 1.555
  4. Rep. Tcheca: 1.515
  5. Itália: 1.459
  6. Bósnia: 1.418
  7. Macedônia: 1.356
  8. EUA: 1.323
  9. Bulgária: 1.308
  10. Hungria: 1.285
  11. Espanha: 1.246
  12. Peru: 1.233
  13. Croácia: 1.219
  14. México: 1.215
  15. Panamá: 1.214
  16. Portugal: 1.194
  17. França: 1.162
  18. Suécia: 1.148
  19. Suíça: 1.077
  20. Argentina: 1.060
  21. Colômbia: 1.054
  22. Brasil: 1.053
  23. Lituânia: 1.032
  24. Armênia: 1.024
  25. Polônia: 981

Ao observar este ranking, podemos ter duas leituras: 1) O Brasil está entre os 15% piores países em termos de óbitos por Covid, sua resposta à pandemia foi muito ruim ou 2) Há países com performance pior, e cujos governos não estão sendo acusados de genocidas e à beira de um impeachment.

A primeira leitura é apenas matemática, pois faz a comparação somente entre estatísticas de vários países. Já a segunda leitura é política, pois compara situações políticas de diferentes países. Adivinha qual a leitura preponderante.

Quando publiquei este ranking no Facebook, a segunda leitura não somente foi preponderante, foi a única. Quem é a favor de Bolsonaro, ou simplesmente raciocinou com lógica política, cobrou o impeachment dos governantes de toda a lista. Quem é contra, procurou matizar estes números com dois atributos: 1) a pirâmide etária e 2) a densidade dos países. Se estas duas características fossem consideradas, aí sim, o Brasil apareceria como o pior dentre os piores. Procurei, então, calcular um novo ranking considerando estas duas características.

A pirâmide etária como fator de ajuste é óbvia: os mais idosos são o principal grupo de risco. Então, países com uma proporção maior de idosos tendem a ter maior número de óbitos.

O segundo fator, densidade, também é óbvio. Quanto mais pessoas juntas em um determinado lugar, menor o distanciamento social e, portanto, maior a probabilidade de transmissão. Mas este fator é preciso ser medido com cuidado.

Quando as pessoas pensam em “densidade”, normalmente consideram o tamanho de cada país: países “pequenos” seriam mais densos, enquanto países “maiores” seriam menos densos. O Brasil, portanto, por ser o 5o maior país do mundo em área, seria muito menos denso, o que é verdade. Por isso, um grande número de óbitos aqui seria muito mais significativo, por exemplo, do que na Bélgica, um país “pequeno”.

Este raciocínio está errado. A densidade importaria se toda a população se distribuísse de maneira uniforme pelo território do país. Mas isso não acontece. As pessoas se concentram em cidades. Portanto, o que importa é o grau de urbanização do país, não a sua densidade. Quanto mais pessoas viverem em cidades, maior será a concentração, ou “densidade” daquele país.

Acho que um exemplo prático pode deixar o conceito mais claro. Na final da Libertadores, a Conmebol liberou público no Maracanã. No entanto, apenas 5 mil pessoas seriam admitidas. Como a capacidade do Maracanã é de quase 80 mil pessoas, 5 mil “desapareceriam” no estádio. A densidade (número de pessoas por área) seria muito baixa. No entanto, não foi o que se viu. As pessoas se concentraram no centro do estádio, onde a visibilidade era melhor. Resultado: concentração de pessoas, mesmo em um estádio com uma grande área.

Pois bem. Rodei duas regressões, uma contra a pirâmide etária e outra contra o grau de urbanização dos países. Usei o conjunto de 155 países com mais de 1 milhão de habitantes. Os gráficos estão abaixo.

Nos dois casos a correlação foi fraca, ainda que contra a pirâmide etária tenha sido um pouco mais forte. De qualquer forma, a tendência, de fato, é crescente: quanto mais velha e mais urbana for a população, maior tende a ser o número de óbitos.

O Brasil encontra-se acima das duas linhas de tendência. Isso significa que o país tem mais óbitos do que sugeriria a tendência geral. Em números: se o Brasil seguisse a média mundial para a pirâmide etária, teria cerca de 360 óbitos/milhão, e se seguisse a média mundial para a urbanização, teria cerca de 590 óbitos/milhão. Números muito melhores do que os atuais mais de 1.000 óbitos/milhão.

Dá para estimar uma equação com as duas variáveis. Segundo essa equação (r2 de 0,40, p-value para a pirâmide etária igual a zero, p-value para a urbanização igual a 8,7%), o número esperado de óbitos para o Brasil, considerando essas duas variáveis ao mesmo tempo, seria de 428/milhão. Uma diferença de 625 óbitos em relação ao número observado.

Abaixo, a lista dos 25 primeiros países de acordo com esse critério (o número representa quantos óbitos por milhão de habitantes ocorreram acima da linha de tendência):

  1. Bélgica: 957
  2. Peru: 872
  3. México: 862
  4. Panamá: 844
  5. Eslovênia: 840
  6. Bósnia: 811
  7. Macedônia: 802
  8. Reino Unido: 764
  9. Rep. Tcheca: 683
  10. Colômbia: 673
  11. Bolívia: 634
  12. Brasil: 625
  13. EUA: 599
  14. Itália: 559
  15. Armênia: 523
  16. Equador: 516
  17. Argentina: 504
  18. África do Sul: 489
  19. Bulgária: 475
  20. Espanha: 463
  21. Hungria: 438
  22. Chile: 426
  23. Irã: 421
  24. Croácia: 393
  25. Portugal: 355

Observe como o Brasil saiu do 22o lugar para o 12o com esse ranking “corrigido” pela pirâmide etária e pela urbanização. De fato, esses fatores parecem ser importantes para explicar uma parte da letalidade do vírus. O r2 da regressão é baixo, o que significa que certamente há outros fatores que explicam a letalidade. Mas, pelo menos, avançamos na precisão da estatística.

Agora, a leitura política deste novo ranking fica por conta de cada um.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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