Política

Emendas ao orçamento e racionalidade do gasto público

À parte a questão de que verbas públicas (a não ser os “fundos partidários”) não podem financiar eventos eleitorais, a história do show da Daniela Mercury no evento de campanha do PT é um exemplo acabado de como a gestão do orçamento funciona no Brasil.

Apenas para deixar todo mundo na mesma página: toda a estrutura do showmício de 1o de maio, em que Lula falou para um “público enxuto”, foi paga com dinheiro da prefeitura de São Paulo, através de emendas parlamentares de vereadores do Solidariedade e do PT.

Recentemente, o economista Marcos Mendes fez um interessante levantamento sobre o montante de “emendas parlamentares” em relação ao total do orçamento discricionário, aquele que é livre para alocação por parte do Executivo, ou seja, em que não há uma lei determinando onde aplicar o dinheiro. Mendes calcula que as emendas representam inacreditáveis 24% das verbas discricionárias, um montante espetacularmente maior do que a média de países da OCDE.

Ou seja, 24% do orçamento público discricionário está nas mãos dos deputados, e não do presidente e seus ministros, que, em tese, deveriam administrar os recursos públicos. Lembrando que os deputados já decidiram onde investir cerca de 92% do total do orçamento público, ao aprovarem leis que vinculam despesas. O que resta são 8% das despesas e, desses 8%, o destino de 24% é também decidido pelos deputados.

Qual o problema? Ao deixar a decisão de alocação nas mãos dos deputados, o dinheiro público é gasto sem nenhum critério, a não ser o ganho eleitoral imediato de cada deputado. A “base” que teve sorte de eleger um deputado no maluco sistema eleitoral brasileiro tira a sorte grande, enquanto as outras “bases” ficam a ver navios. Não que o governo federal tenha atingido o estágio da perfeição na alocação de recursos públicos, mas, pelo menos, tem uma visão de conjunto e consegue, em tese, distribuir melhor os recursos. Não à toa, a prática de “emendas parlamentares” é bem limitada nos países mais sérios.

As emendas dos vereadores “amigos do Lula” seguem a mesma lógica. O problema não está no destino dessas emendas (à parte, novamente, a questão da infração à lei eleitoral). O problema está no instituto das emendas parlamentares em si. Uma vez que existem, a discricionariedade é do parlamentar, ele aplica o dinheiro onde quiser.

Os governos do PT ”resolveram” esse problema através do Mensalão e do Petrolão. Já Bolsonaro rendeu-se ao Centrão, e cedeu 24% das verbas discricionárias para os parlamentares. São dois exemplos de governo que não conseguem fazer articulação política sem “comprar” os deputados, legal ou ilegalmente. FHC e Temer, por outro lado, são exemplos de governos que conseguiram passar reformas importantes sem ceder espaços no orçamento, porque cederam espaço no próprio executivo: seus ministérios refletiam a sua base parlamentar, de modo que os partidos da base tinham acesso às verbas discricionárias via ministérios, o que torna o gasto um pouco mais racional.

Claro, para quem acha que tudo é corrupção, só muda de lugar, tanto faz quem toma a decisão sobre o dinheiro público. Neste caso, no entanto, também tanto faz que presidente será eleito, dado que o sistema está todo corrompido, e sempre se trata de “comprar” deputados para poder governar, qualquer que seja o método usado para isso.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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