Opinião

Quem pode falar em nome de Deus?

Certa vez, estava eu em um táxi em Teresópolis (RJ), quando o motorista resolveu comentar uma notícia do rádio que falava em homossexualismo. E largou logo uma pérola: “eu não tenho preconceito. Só que os homossexuais estão contra a lei de Deus”.

Achei tão estapafúrdio que pedi para ele desenvolver a ideia. E ele não se fez de rogado; “Está lá em Marcos 10:6; no princípio da criação Deus os fez homem e mulher” Assunto encerrado.

O cara sabia até o versículo e o parágrafo (eu só consegui lembrar depois de acender uma vela prá São Google).

Preferi encerrar a conversa por ali mesmo, afinal como tentar explicar para um cara com esta cabeça que a Bíblia é um livro (muito bom, por sinal) que foi escrito por seres humanos, em idiomas que já não existem mais, e traduzido centenas de vezes por outros seres humanos? E que esta, como várias outras expressões bíblicas, não pode ser levada no sentido literal? Não valia a pena. E, afinal, o táxi era dele, é feio discutir com o dono da casa. Segui mudo até meu destino.

Não há dúvida que todos nascemos homens e mulheres, mas tenho certeza que o uso que cada um faz do equipamento recebido só diz respeito a ele (ou ela) mesmo. Valendo dizer que, nos últimos tempos, a medicina já consegue até trocar o que veio de fábrica. Tudo dentro das regras do jogo. Afinal, a única coisa realmente importante que Deus pediu foi para amarmos uns aos outros. Só isto.

Na minha visão, o problema é que se faz uma perigosa confusão entre os conceitos de Religião e Seita. Religião vem do latim Religare, ou seja, é aquilo que nos une a Deus (religação). Seita vem de Secta, que significa dividir (origem do termo setor, por exemplo). Assim, de um modo geral, costumo dizer que religião é o que une; seita é o que separa.

Sobre o assunto há uma historinha ótima envolvendo o velho e bom Chico Xavier. Uma senhora disse a ele que o marido dela era um homem maravilhoso, e só tinha um defeito; não era espírita. Brincalhão, Chico respondeu; “Meus parabéns, a senhora encontrou o homem perfeito. Porque não ser espírita nunca foi defeito. Deixa ele ser o que quiser!”. Isto é religiosidade; cada um acredita no que quiser, desde que faça o bem. Simples assim

Quando alguém usa a sua religião (seja ela qual for) para justificar preconceitos, agressões e até assassinatos, na verdade é membro de uma seita. Não aceite imitações, só use o Deus original. O que diz “ama teu próximo como a ti mesmo”.

Como não resisto a um trocadilho, termino citando a grande filósofa contemporânea Waleska Popozuda; “Aceita, que dói menos”. Neste caso, a seita é o que dói mais.

Tristes tempos.

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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Um Comentário

  1. Hervé para sua “infelicidade” (aspas propositadas), você pegou um crente incauto, ou com pouco discernimento textual.
    Mas quero discorrer sobre:
    a) – bíblia foi escrita por homens, portanto é um livro excelente, mas, como qualquer outro;
    b) – em línguas mortas;
    c) – seus textos não podem ser levados ao pé da letra;
    d) – tristes tempos.

    Bíblia foi escrita por homens, OBVIAMENTE.
    Mas, para nós, os crentes (judeus e cristãos, obviamente – duas grandes seitas) divinamente inspirada e com linearidade textual que atravessou os séculos, autores e com pouca discrepância ideológica. Poderia fazer minha dissertação longa aqui, mas, te entendiaria. Basta dizer que, nenhuma doutrina é defendida pelos estudiosos, se ela não fizer parte de ao menos 3 citações. Portanto, a questão homossexual… não está restrita ao texto citado não. Há muitos outros, bem mais evidentes.
    Cristão, ou, judeu verdadeiro – amará o/a homossexual, mas, por questão de sua fé, repudiará a prática da homossexualidade. Afinal, não seria religioso, de fato, se professasse uma fé, e, simultaneamente a renegasse com práticas.
    Voce poderá dizer: – Mas e as igrejas gays atuantes na mídia, em que se baseiam?… então, o motorista do táxi, pegou uma idéia baseada em uma frase e fez dela teologia…. alguns igualmente o fazem (erroneamente e contra toda uma corrente de pensadores das religiões judaico-cristãs).

    Línguas mortas, que também tiveram os escritos de Platão, Homero, Aristóteles, sobre Sócrates, etc… etc… e etc.
    Acho que desconsiderar que existem estudiosos destas linguas, que ainda existem muitos manuscritos antigos e originais, bem como, o judaísmo buscou preservar estes escritos, gerando a septuaginta, e antes deles, Esdras e Neemias, fizeram trabalho maravilhoso de resgate cultural, junto com o reerguimento do templo. O grego, moderno deriva do grego antigo (koiné) aonde muitas palavras são similares, mas meu filho, por exemplo, é versado em Koiné antigo e Hebraico antigo, linguas que até hoje são ensinadas. Claro, vc tbm sabe que o Hebraico ainda é falado, modernizado mas com raíz, no antigo. Ah, o Aramaico (outra lingua bíblica) ainda é falado em micro-regiões árabes e o texto mais bem traduzido do novo testamento é a Peshitá Aramaica.

    Textos bíblicos não podem ser levados ao pé-da-letra… esta é uma discussão também entre teólogos, mas, temos 3 instruções básicas sobre isso. Quanto aos métodos de interpretação, podemos lançar mão de 3 básicos:
    – Literalidade
    – Simbólica
    – Mística (parte literal e parte simbólica)
    Mas, sobretudo, bíblia é ato de FÉ.

    Tristes tempos… concordo. Nos quais, alguém, que não pratica a fé, arvora-se capaz de criticar a fé alheia, embora sobre uma capa de austeridade e respeito… zombando dela.

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