Opinião

Vacina: liberdade, coletividade e riscos.

Liberdade individual não deve ser irrestrita...

Vacina: corrida louca contra o tempo

Os artigos de Anna Paula Más e do Dr. Claudio Galvão, em defesa da importância da vacina para o controle da COVID-19, são irrepreensíveis. Ambos expõem com muita clareza e conhecimento o tema de maneira abalizada, sensata, lúcida e equilibrada.

Há alguns aspectos filosóficos que gostaria de me estender um pouco mais, de forma mais geral, como um tipo de complemento ao que foi dito.

Liberdade individual não é um valor absoluto!

Liberdade individual é algo muito importante na nossa sociedade.

No entanto, é óbvio que que ela esbarra em alguns limites, quando se pensa no bem comum.

Por que a velocidade dos automóveis nas nossas sofríveis estradas não é ilimitada?

Ninguém em sã consciência concordaria que ela deveria ser no Brasil. Então é óbvio que a liberdade individual precisa de limites. Vivemos em uma sociedade e o bem coletivo é um item essencial!

Além de outras questões que se podem colocar, é óbvio que esse tipo de liberdade colocaria outras pessoas em risco desnecessário.

Por que esse seria o caso das vacinas?

Como foi destacado, as vacinas não são 100% eficazes, fora que nem todos podem tomar uma dada vacina.

Sendo assim uma parcela da população necessariamente ficará desprotegida, só que ela ficará bem mais exposta, caso uma parcela relevante da população deixe de tomar a vacina por opção.

O que precisamos comparar?

Não há muito que acrescentar ao que foi dito pelos especialistas, então gostaria de rascunhar uma comparação.

Quem não tem anticorpos IgG e portanto é suscetível de contrair COVID-19, deveria comparar o risco de contrair a doença e morrer sem tomar a vacina; com o risco de tomar a vacina, pegar a COVID-19 assim mesmo e morrer ou morrer por causa da vacina.

Qual o risco de pegar COVID-19 e morrer?

Partindo-se do artigo de John Ioannidis, que compilou o resultado de muitas pesquisas, uma pessoa de menos de 70 anos tem o risco de 1 para 2.000 de morrer.

Vamos supor ainda que uma parte das pessoas sejam imunes por algum mecanismo das células T e que exista uma certa chance de alguém pegar COVID-19 em 1 ano, caso não seja imune.

Por exemplo, se 50% das pessoas são naturalmente imunes e 50% vão pegar em 1 ano (só à guisa de ilustração), isso perfaria um risco total de óbito de 1 para 8.000.

Como isso se compara às vacinas?

Uma vacina, de fato, pode gerar efeitos colaterais, mas em sua imensa maioria eles são administráveis, sendo que em média a vacina reduz bastante a chance de contrair o doença alvo e, mesmo quando a pessoa contrai a doença, em geral ela se mostra menos grave.

Desse modo, a vacina reduz não apenas a chance de pegar COVID-19 (em geral, uma redução substancial!) como reduz a própria letalidade da doença, caso ela venha a pegá-la.

Mesmo não pensando em óbito, efeitos realmente sérios são extremamente raros em em toda a história das vacinas, quando comparados ao risco de pegar COVID-19, não falecer, mas ter sequelas duradouras e/ou passar por realmente maus bocados.

Sendo assim, torna-se óbvio que o balanço de probabilidades favorece, sob todos os ângulos, a pessoa que toma a vacina sobre a que não toma; mesmo sem considerar o efeito protetor da vacina em uma pessoa sobre as contatos suscetíveis (dentre as que não podem tomar vacina ou dentre aquelas que pegam a doença, à despeito da vacina)

O desconhecido provoca mais medo

A questão é que as pessoas comumente têm mais medo daquilo que não conhecem, mesmo que as evidências indiquem o oposto, do que do risco concreto, mas que se tornou mais familiar.

Isso se dá não apenas pelo medo do desconhecido, mas pela dificuldade de se fazer quaisquer estimativas, mesmo com todas as evidências que elas envolvem números bem baixos.

Em suma, o coronavírus já foi esse desconhecido. Com o tempo, a nova vacina passa a ser o novo mistério.

Outro fator psicológico que mexe com as pessoas são notícias que a vacina não dará 100% de proteção. A questão é que proteção de 100% raramente existe na vida real em qualquer coisa, mas isso não torna algo inútil! Muito do que fazemos na vida não implica em zerar riscos, mas mitigá-los.

Liberdade que gera gastos públicos

Mesmo sem considerar o argumento da ameaça que a pessoa não vacinada exerce sobre o resto da sociedade, já sobejamente explicada acima (que jamais pode ser desconsiderado!); é possível mostrar que o mal que a pessoa faz para si mesma, tem outros reflexos para a coletividade:

Adivinha de quem será o ônus para aqueles que não tomarem vacina por opção e forem atendidos pelo sistema público?

Para o governo, é claro. E quem sustenta o governo? Somos nós todos com os nossos impostos!

E, para a parcela que é hospitalizada, esses custos podem vir a ser bem altos per capita, porque há vários casos de pessoas que ficam 2 ou 3 meses na UTI!

Esse é o mesmo princípio do cinto de segurança.

Em tese, não deveríamos forçar a pessoa a se proteger. A questão é que isso não implica apenas na própria pessoa. Acidentados são comumente atendidos pelos serviço público, gerando despesas adicionais proporcionais a gravidade dos ferimentos

Liberdade que gera mortes

E os efeitos indiretos não terminam aí.

Atendimentos médicos evitáveis (como acidentes agravados por falta de cinto de segurança ou por pessoas doentes por COVID-19 que não tomaram a vacina e venham a ser hospitalizadas) no sistema público tem um efeito deveras perverso: termina estatisticamente matando pessoas que não são relacionadas com o caso, porque sabemos que, aqui e ali, um médico pode ser forçado a fazer escolhas por carência de recursos.

Obrigação de tomar vacina é mais retórica

Algo que foi poucas vezes abordado nessa discussão é que a obrigatoriedade de tomar a vacina claramente funciona muito mais como uma forma de convencimento e indução sobre as pessoas, do que algo que será imposto a ferro e fogo.

Eu até acredito que não seja uma forma muito eficiente de encarar essa questão.

Ainda que a proibição exista em tese; na prática essa determinação será mais pro forma.

Certamente as autoridades não mandarão policiais arrastar pessoas para postos de vacinação, além de qualquer atestado de meia tigela poderia liberar alguém de tomar a vacina. Finalmente, qualquer prova física de vacinação, a não ser que seja muito sofisticada, é passível de falsificação.

É meio como a obrigatoriedade de votar: ela existe, mas não vale muito mais do que um punhado de reais. Tanto que a abstenção observada tem sido muito alta.

Por outro lado, quando um presidente se insurge contra a obrigatoriedade, sob pretexto de defesa da liberdade individual; ele termina exercendo, ainda que involuntariamente, uma influência nefasta sobre uma parte da população, ajudando-a a colocar em dúvida se a vacina é para ser tomada ou não.

E isso, certamente não é o efeito que gostaríamos de observar.

O melhor para a sociedade seria o maior número de pessoas possíveis tomar a vacina e o papel das autoridades é justamente ajudar para que isso aconteça.

No fundo, eu acho que a obrigatoriedade é um “argumento” nesse sentido, mas eu creio que seja mais eficiente e importante o convencimento por conscientização, sem guerra.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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