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Polarização pode ser mortal

Decisões implicam em vidas

Redes sociais sobem, mídias tradicionais descem

Estamos  nesse ano de 2020 em plena era da pandemia da COVID-19, em um mundo onde os aplicativos de mensagens (WhatsApp com aproximadamente 2 bilhões de usuários únicos, dentre outros) e as redes sociais (particularmente Facebook, Twitter e até YouTube, de certo modo) já estão quase no topo da cadeia alimentar.

Essa forma de comunicação ganhou uma velocidade, instantaneidade e disseminação que pode ultrapassar em breve de longe as mídias convencionais, imersas em uma crise cada vez mais forte.

Ainda que as mídias convencionais estejam com presença digital cada vez maior, elas oferecem acesso a um custo cada vez menor, o que tende a aviltar o salário dos profissionais envolvidos e diminuir a qualidade.

Essas mesmas mídias enfrentam fora da Internet uma redução substancial de audiência, volume de propaganda e poder de influência.

Ou seja, a maioria da população se joga para a Internet e abandona cada vez mais o papel e a telinha da TV.

Informações democráticas, misturadas e confusas

Nesse novo mundo, as pessoas passaram a falar diretamente umas com as outras, o que tem um lado positivo, mas, por outro lado, fica tudo mais difuso e confuso, porque qualquer um opina, escreve e publica textos, independente do seu conhecimento ou experiência.

Com isso, pessoas que não tinham voz, podem, de uma hora para a outra, ganhar enorme projeção e influência. Isso é bom de um lado, porque acabou o monopólio da informação e da escrita, mas, por outro lado, ideias exóticas, teorias da conspiração, e visões pseudocientíficas ganharam grande tração.

Polarização é a nova tendência

A partir daí, pessoas vão se agrupando em torno dessas ideias e umas terminam dando reforço positivo para outras, e criando o mundo do nós vs eles, dentro de um ambiente de viés de confirmação, raciocínio motivado e dissonância cognitiva. Nós somos virtuosos, bem-intencionados e estamos do lado da verdade; eles são pérfidos, mal informados e mal intencionados.

Em tempos de pandemia isso pode se tornar ainda mais perigoso.

Muitos conceitos estranhos que prosperam estão vinculados à ideologia de quem os emitem. O fato é que seguir uma linha mais extrema e radical parece muito mais emocionante e envolvente para muitos do que ter bom-senso, equilíbrio e sensatez, que fica sinônimo de chato e isentão.

Uma bela teoria da conspiração que está ameaçando a nossa existência é muito menos monótono do que um mundo cinza e caótico, onde não existe um pequeno grupo palaciano que reúne para nos ferrar, e sim muitos grupos dispersos e desorganizados que não se entendem direito.

Modelo mostra como minorias podem arrastar multidões

Um estudo publicado na revista Nature (2020) implementa um modelo de laboratório onde apenas uma fração dos agentes age de maneira imparcial.

Nesse estudo mostrou-se que minorias atuantes e tendenciosas podem influenciar multidões, levando-as a abandonar crenças mainstream em troca de ideias radicais, sem embasamento consistente.

Se há grupos antagônicos, isso pode acirrar a polarização, em detrimento de posições equilibradas e intermediárias, mais em consonância com a realidade.

Medo espalhado da vacina de COVID-19

Todo esse preâmbulo serve para anunciar um fato assustador:

É grande o número de pessoas no Brasil que está pensando em não tomar a vacina por medo dos seus efeitos. Elas alegam que a vacina foi muito pouco testada.

Para responder a alguns desses pontos, existe essa ótima matéria da Stat+ de julho.

Para resumir, os pontos levantados no artigo são:

  • A família de vírus já era conhecida e já havia um processo de desenvolvimento de vacinas.
  • A COVID-19 é uma doença aguda e não crônica, o que a diferencia de doenças como AIDS
  • Uso de novas abordagens, muito mais aceleradas, como é o caso da Moderna e da Pfizer.
  • Muito dinheiro envolvido.
  • Desburocratização do processo de desenvolvimento.

O ponto é que quanto mais pessoas não tomarem a vacina, mais os outros todos ficam vulneráveis, porque existem pessoas que não podem tomar a vacina e a efetividade de uma vacina nunca é 100%.

Essa crença, diferentemente de outras, não está propriamente ligada à ideologia, mas pode estar quando o preconceito é dirigido especificamente a uma vacina.

Quem quiser se aprofundar sobre essas questões todas, temos esse excelente artigo da Anna Paula Más.

Polarização na questão das vacinas

Há muitos que tomariam qualquer vacina produzida por um país desenvolvido ocidental, mas não tomariam uma vacina chinesa, porque ela seria uma vacina produzida pelo império do mal.

Isso não procede, porque ainda que lá seja um país autoritário, não transparente e não lá muito bem intencionado; isso não invalida a vacina, até mesmo porque ela vem sendo testada em países fora da China, diferentemente da vacina russa.

Não tem como acharmos razoável uma gigantesca teoria da conspiração para falsificar a testagem em 4 países (Turquia, Chile, Indonésia e Brasil) e seus resultados e análises.

Essa tipo de polarização não é privilégio da esquerda ou direita. Ela acontece em todo o espectro ideológico.

COVID-19 e a polarização

No caso do COVID-19, drogas como ivermectina foram rotuladas de drogas da direita, a despeito de inúmeros trabalhos publicados, inclusive revistos por pares, como esse.

Para mim estão errados os dois lados: tanto os ivermectina lovers, que se recusam a ler e ponderar qualquer evidência contrária e encaram o remédio como um panaceia, como os ivemectina haters, que desqualificam qualquer coisa sobre ela, reputando-a como fraude.

O curioso é que muitos daqueles que agem como amantes de um remédio contra a COVID-19, rejeitam in limine a vacina chinesa, mesmo ela tendo sido testada em dezenas de milhares de pessoas, tendo seus resultados publicados na Lancet.

Direita: Aquecimento Global é coisa do demo

Há um exemplo muito bom em cada campo ideológico:

Do lado da direita, temos o negacionismo em diferentes matizes do aquecimento global, visto como uma conspiração patrocinada e financiada pelo comunismo internacional. No entanto, quando se sai totalmente da esfera ideológica, temos algo amplamente respaldado pela ciência.

Há algum tempo escrevi um longo texto, que demandou um enorme esforço de pesquisa, para explicar de forma detalhada porque o aquecimento global ou a mudança climática (o termo mais moderno) é um fenômeno que pode ser entendido mesmo pelo indivíduo que apenas concluiu o segundo grau e não esqueceu tudo que aprendeu.

Esquerda: Alimentos transgênicos é coisa do demo

Do lado da esquerda, temos a demonização dos alimentos transgênicos, que seria uma conspiração liderada por grandes corporações malignas, como a Monsanto.

Essa visão conspiracionista não tem também nenhuma base científica que a sustente, como detalhei aqui.

Tanto em relação às vacinas (que é o tema do momento), quanto em relação à outras questões exemplificadas aqui; a ciência e os fatos seguem seu rumo, independente e indiferente às ideologias que cada um professa.

O que se chama coisa do Demo é coisa da Ciência!

Ideologias não servem para explicar fenômenos na ciências nem para determinar nosso futuro! O mundo não se dobra pela vontade das pessoas e continua girando impassível.

Vacina: conscientização é o que faz diferença

Para mim, a obrigatoriedade da vacina serve mais para estimular ainda mais a desconfiança de parte da população do que para qualquer outra coisa útil, uma vez que isso se torna objeto de infindáveis debates nas redes sociais, onde os atingidos usam de todo arsenal para tentar convencer os indecisos dos perigos das vacinas da COVID-19.

Muito mais importante do que debater essa questão, seria trabalhar pesado em campanhas de conscientização da população, embora eu tema que esse ceticismo de parte das pessoas esteja bem incrustado. Vejo, assim, dificuldades em mudar a cabeça dessas pessoas.

A conclusão está no título: polarização pode matar!

Infelizmente, esse posicionamento sem base científica que leva a uma proporção significativa da população se insurgindo contra a vacina da COVID-19 (em especial a vacina chinesa), pode ser mortal para muitos.

Mesmo pensando de forma 100% egoísta, a verdade dos fatos é que o risco de tomar uma vacina aprovada contra a COVID-19 tem tudo para ser bem menor do que o risco de não tomar; que é justamente o oposto que essas pessoas imaginam, bebendo, provavelmente, de influências polarizadas.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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