Opinião

O “cavalo de pau” da Meta e as polêmicas derivadas…

Reflexões sobre regulação de conteúdo nas redes sociais

Essa semana fomos surpreendidos por uma guinada de 180 graus no posicionamento da Meta (proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp) focada principalmente na verificação de conteúdo, feita por seu fundador, Mark Zuckerberg, que na prática aproxima suas plataformas do direcionamento adotado pelo X, de Elon Musk.

A mensagem de Zuckerberg, na íntegra, está ao final do texto e não vou me ater aos seus detalhes, bastante claros, mas a alguns aspectos mais sutis da polêmica discussão que seguirá, seguramente com posições polarizadas empunhando a suas bandeiras das certezas absolutas.

O cerne da questão é qual o nível de intensidade na checagem de conteúdo das plataformas. Está bem longe de ser um tema simples.

Mas antes de começarmos a divagar sobre ele, também é importante contextualizar. O advento das “big techs” como empresas mais poderosas e valiosas do planeta veio na esteira de um mundo conectado em tempo real, onde um simples anônimo pode atingir um alcance jamais obtido por um veículo de mídia comum.

Na prática, toda pessoa com uma rede social passou a ser um potencial concorrente da mídia tradicional, pois além dela ter a liberdade de produzir textos, vídeos, divulgar notícias e opiniões, também captura atenção da audiência, então naturalmente se alguém consome minutos do seu dia navegando pelas plataformas para fins diversos, diminuirá o tempo dedicado às mídias tradicionais.

Esse fenômeno coloca em cheque o modelo de negócio desses veículos, que vem sendo “desidratado” no mundo “digital conectado’ e também lhes retira “poder de influência”, já que existe uma pulverização cada vez maior das fontes de informação.

As “big techs” antagonizam fortemente com os veículos tradicionais de mídia, tanto por minarem o aspecto financeiro dos seus negócios, quanto por diminuírem seu poder de influência na sociedade em geral. Esse fenômeno, é bom que se diga, não é restrito a uma geografia, mas global, em todos os países democráticos com princípios de livre expressão.

Dito isso, jamais espere uma versão simpática das mídias em relação às “big techs”, ambas estão em lados opostos e trata-se aqui de um tema primordialmente econômico com um componente de disputa de poder relevante. Esse é o antagonismo real, a conversa sobre liberdade de expressão, princípios éticos, etc.. aparecerá bastante por aí, mas eu diria que para os grandes protagonistas, ela acaba sendo secundária e servindo somente para fomentar as narrativas aqui e acolá.

Cientes de que não há “santos” nessa história, voltemos ao cerne da questão. As plataformas não são ‘jornais’, elas não podem ser qualificadas como imprensa, mas pela sua natureza, atingem um público milhões de vezes maior.

Os mecanismos que a mídia tradicional  tem para verificar o conteúdo de qualquer notícia são aplicados a um conjunto limitado de assuntos e situações. Para uma plataforma, seguramente é inviável economicamente fazer um controle tão detalhado sobre o conteúdo que é compartilhado, porque o volume de informações que circula por lá é infinitamente maior, e não é a plataforma que o gera (ela serve como intermediário, seria como uma banca de jornal…). A automação desse processo por meio de algoritmos tem suscitado muitas polêmicas (frequentemente vi materiais inofensivos de amigos serem censurados por “não cumprirem os requisitos mínimos, etc”). Aparentemente, Zuckemberg concorda que esses filtros foram excessivamente rigorosos e sua mensagem indica que haverá mudanças e um processo mais “ameno” de checagem.

Basicamente, o que temos é uma discussão entre “maior ou menor” regulação e vale o ditado de que a diferença entre remédio e veneno está apenas na dosagem (aplica-se para ambos os lados da discussão).

Um ambiente extremamente regulado implicará seguramente em censura, pois quando existem possibilidades de sanções no horizonte, quem pode sofrer punição optará por ser mais conservador. Na outra ponta, nenhum tipo de regulação implica na transformação das redes em uma “selva absoluta’ e aí podemos extrapolar com a sua utilização para cometimento de crimes (tráfico de drogas, pessoas, terrorismo, indução de suicídios, etc). Notem que opiniões políticas “a” ou “b’ deveriam fluir livremente, pois tê-las  jamais será uma infração em um país efetivamente democrático.

A derivada dessa questão sobre intensidade da regulação é a preocupação sobre a disseminação das “fake news”, que de fato acontecem intensamente no mundo contemporâneo. Eu particularmente não considero que seja possível solucionar esse problema, real, por decreto. As ‘fake news’ sempre existiram, desde que o ser humano passou a viver em sociedade, a diferença agora é que elas “viralizam” muito mais rapidamente.

Existem mecanismos legais para punir os “caluniadores” e “geradores de notícias falsas” , o problema é que a Justiça não está equipada para tratar “analogicamente” os crimes “digitais”. Há um descompasso de velocidade e práticas entre as instituições que deveriam punir os ‘novos crimes”, e os “criminosos digitais”.

A mão pesada sobre a’ censura” das notícias falsas ficaria a cargo de quem, com qual autoridade? Critérios objetivos são possíveis ou estaremos sempre sujeitos a vieses de interpretação? O assunto é “enroscado”, e as respostas a essas perguntas normalmente não satisfazem que as faz.

Os mais libertários entenderão que o “mercado se auto regulará” e no final somente os que constroem uma reputação ancorada na credibilidade se sustentam. Isso é até uma verdade, leitores mais atentos sabem diferenciar a qualidade da fonte e não saem divulgando qualquer notícia que apareça na sua ‘timeline”, mas aqui estamos falando de uma fração pequena da população, e à medida que as fontes ruins caem em descrédito e desaparecem, outras surgem em seu lugar e o problema permanecerá vivo e real, mesmo que as fontes críveis se perpetuem.

Eu particularmente tenho muito cuidado em compartilhar notícias, raramente faço e somente quando considero a fonte ‘segura”, e nesse caso, a postagem carrega mais na “tinta da minha opinião” sobre um fato. E como no caso de “opinião”, cada um tem a sua, nunca sofri nenhum tipo de advertência em 14 anos de utilização do Facebook, mas já presenciei ao longo desse período inúmeros compartilhamentos de notícias que se mostraram completamente equivocadas, por amigos e conhecidos, feitas de boa fé.

Qualquer descuido em relação ao filtro que aplicamos, pode nos converter em propagadores de “fake news”. Se do ponto de vista individual, não é tarefa simples, imagine administrar uma plataforma com centenas de milhões de usuários, seria muito nocivo ao modelo de negócios de uma “big  tech” (custo altíssimo) e geraria uma legião de descontentes pelo material indevidamente “proibido”.

Por outro lado, ninguém em sã consciência defenderá liberdade para o cometimento de crimes e um possível  efeito colateral de uma “flexibilização” intensa seria a maior abertura para a sua incidência.

Eu, por princípios, sou sempre favorável a menos estado e regulação, o que não significa “nenhum estado ou regulação, é importante que se diga que esse universo binário só existe na cabeça dos radicais, então valho-me da crença de que o bom senso é capaz de discernir o que é um crime ou uma prática prejudicial à sociedade e isso não seria ignorado por nenhuma plataforma. Particularmente não entendo que essa guinada no direcionamento da “Meta” a converterá em uma “selva de criminosos selvagens”, como alguns alegam por aí, mas reconheço que essa é uma discussão complexa e não passa pela divisão do mundo entre ‘bons e maus”, esse universo paralelo em que muitos vivem hoje em dia (se fosse para ter uma cor só, o mundo seria cinza, e não preto ou branco…).

Notem, por exemplo, que nenhuma dessas grandes plataformas permite pornografia. Eis um argumento que refuta a tese de que o caos vigorará. É difícil definí-la, mas quando você vê, sabe do que se trata. Facebook, Instagram, X e outras grandes são eficientes em coibí-la, daí pode-se dizer que mesmo com as retiradas dos “filtros”, a Meta conseguiria ser eficaz na identificação da prática de “crimes”.

De qualquer maneira, a questão das regulações das mídias sociais não é um tema que se restrinja à vontade da uma empresa, trata-se de um assunto que está sendo pautado por legisladores no mundo todo e não existe um consenso de qual o melhor caminho a seguir. O alinhamento às práticas hoje mais flexíveis (já adotadas pelo X), gerará inúmeras reclamações, acusações, comentários negativos, etc, mas eu não entendo que isso seja o “apocalipse”, afinal, ninguém é obrigado a usar a rede social, quem não está satisfeito, pode se retirar, chama-se “livre arbítrio” e ainda temos a condição de exercê-lo.

Essa é uma discussão que está muito longe do fim, pois trata-se de um tema novíssimo na história, há duas décadas ele nem existia, portanto não há uma “jurisprudência” que nos ensine as melhores práticas, elas serão descobertas por “tentativa e erro”, que é o modo usual de encontrar soluções para problemas até então desconhecidos.

**************************************

Segue a transcrição da mensagem de Zuckemberg (créditos da tradução ao Marcelo Guterman):

“Olá pessoal, quero falar sobre algo importante hoje, porque chegou o momento de voltar às nossas raízes a respeito da liberdade de expressão no Facebook e no Instagram. Eu comecei a construir redes sociais para dar às pessoas uma voz. Fiz um discurso em Georgetown há 5 anos sobre a importância da proteção à liberdade de expressão. E eu ainda acredito nisso hoje. Mas muita coisa aconteceu ao longo dos últimos anos. Tem havido um grande debate sobre os potenciais danos do conteúdo online, governos e a mídia tradicional tem defendido mais e mais a censura. Muito disso é claramente político.

Mas há também muita coisa ruim por aí – drogas, terrorismo, exploração de menores – essas são coisas que nós encaramos de maneira muito séria e quero ter certeza de que lidamos com isso responsavelmente. Por isso, nós construímos sistemas complexos de moderação de conteúdos. Mas o problema com sistemas complexos é que eles cometem erros. Mesmo que eles censurem acidentalmente apenas 1% dos posts, isso significa milhões de pessoas. E chegamos ao ponto em que simplesmente há muitos erros e muita censura.

Além disso, as recentes eleições parecem ter marcado uma mudança cultural na direção de priorizar o discurso mais uma vez. Assim, nós vamos voltar às nossas raízes e focar em reduzir erros, simplificar nossas políticas e restaurar a liberdade de expressão em nossas plataformas. Mais especificamente, eis o que nós vamos fazer.

1. Substituir os Fact-Checkers por Notas da Comunidade.

Vamos nos livrar dos Fact-Checkers e substituí-los por Notas da Comunidade, similar ao que funciona no X, começando pelos EUA. Depois que Trump foi eleito pela primeira vez em 2016, a mídia tradicional escreveu sem parar sobre como a desinformação era uma ameaça à democracia. Nós tentamos, de boa-fé, endereçar essas preocupações sem nos tornarmos árbitros da verdade. Mas os fact-checkers eram tão enviesados politicamente, que destruíram mais confiança do que criaram, especialmente nos EUA. Portanto, nos próximos meses, vamos dar início a um sistema amplo de Notas da Comunidade.

2. Simplificação das políticas de conteúdo.

Segundo, vamos simplificar nossas políticas de conteúdo e nos livrar de um monte de restrições em tópicos como imigração e gênero que estão fora de sintonia com a visão da maioria. O que começou como um movimento de maior inclusão foi sendo crescentemente usado para calar opiniões e cancelar pessoas com ideias diferentes. E isso foi longe demais. Quero ter certeza de que as pessoas possam compartilhar suas crenças e experiências em nossas plataformas.

3. Nova abordagem para a aplicação das políticas de conteúdo.

Terceiro, nós estamos mudando a forma de fazer com que os usuários cumpram as nossas políticas de conteúdo, de forma a reduzir os erros que causam a maior parte da censura em nossas plataformas. Nós costumamos ter filtros que procuram por qualquer violação da política de conteúdo. Agora, nós vamos focar esses filtros no combate às violações de maior ilegalidade e severidade. E para violações de menor severidade, vamos esperar que alguém reporte o problema antes de agir. O problema aqui é que os filtros cometem erros e derrubam um monte de conteúdo que não deveriam. Então, dando um passo atrás, vamos reduzir dramaticamente o volume de censura em nossas plataformas. Vamos também ajustar nossos filtros de conteúdo de modo a requerer muito mais precisão antes de derrubar conteúdos. A verdade é que se trata de um trade off. Significa que vamos pegar menos coisas ruins, mas vamos também reduzir o número de conteúdos e perfis de pessoas inocentes que são derrubados acidentalmente.

4. Trazer de volta Conteúdo Político.

Quarto, vamos trazer de volta conteúdo político. Durante um certo tempo, a comunidade solicitou ver menos conteúdo político porque isso estava fazendo com que as pessoas se estressassem. Então, paramos de recomendar esses posts. Mas parece que estamos em uma nova era agora. E temos recebido feedback de que as pessoas querem ver esse tipo de conteúdo novamente. Portanto, vamos começar a voltar atrás nessa política no Facebook, Instagram e Threads, ao mesmo tempo em que trabalhamos para manter as comunidades amigáveis e positivas.

5. Mudança das nossas Equipes de Moderação e de Segurança.

Quinto, vamos mudar as nossas Equipes de Moderação e de Segurança da Califórnia, e a nossa equipe de revisão de conteúdo estará baseada no Texas. Na medida em que trabalhamos para promover a liberdade de expressão, penso que será útil para construir confiança realizar esse trabalho em lugares onde haja menor preocupação com relação ao viés de nossas equipes.

Proteger a liberdade de expressão no mundo inteiro.

Finalmente, vamos trabalhar com o presidente Trump para pressionar os governos ao redor do mundo, que estão perseguindo companhias americanas e forçando mais censura. Os EUA têm as mais fortes proteções constitucionais do mundo para a liberdade de expressão. A Europa tem um número crescente de leis institucionalizando a censura e tornando difícil construir qualquer inovação por lá. Os países da América Latina têm tribunais secretos que podem ordenar que as companhias discretamente derrubem conteúdos. A China censurou nossos aplicativos até mesmo de funcionarem no país. A única forma de voltar atrás nessa tendência global é com o suporte do governo americano. E é por isso que tem sido tão difícil, ao longo dos últimos quatro anos, quando até o governo dos EUA promoveu a censura. Perseguindo a nós e a outras companhias americanas, incentivou outros governos a irem mais longe. Mas agora temos a oportunidade de restaurar a liberdade de expressão e estou animado em fazer isso.

Levará tempo para consertarmos isso. São sistemas complexos que nunca serão perfeitos. Há também muita coisa ilegal, sobre as quais ainda temos que trabalhar duro para remover. Mas a conclusão é que, depois de anos tendo o nosso trabalho de moderação focado primariamente em remover conteúdo, é hora de focar em reduzir erros, simplificar nossos sistemas, e voltar às nossas raízes sobre dar voz às pessoas. Estou ansioso por este próximo capítulo. Fiquem bem, e aguardem mais para breve.”

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

Artigos relacionados

2 Comentários

  1. Victor,
    Concordo com seu texto e pontos de vista. É um assunto espinhoso que mereceria uma discussão mais ampla da sociedade, medindo, dentro do possível, às consequências, porque como bem menciona, é algo que não existia há vinte anos atrás.
    Sua reflexão, abaixo, define bem o desafio e ainda é preciso considerar cada país e sua cultura. Um trabalho nada fácil!

    “Existem mecanismos legais para punir os “caluniadores” e “geradores de notícias falsas’, o problema é que a Justiça não está equipada para tratar “analogicamente” os crimes “digitais”. Há um descompasso de velocidade e práticas entre as instituições que deveriam punir os ‘novos crimes”, e os “criminosos digitais”.

    Não a censura. Sou a favor de menos Estado e regulação, mas para podermos viver em sociedade deve existir um mínimo de regras e vale salientar, que se quero viver em sociedade não da para impor minha vontade aos outros e com minhas regras, porque assim seria um ditadura. Assunto espinhoso!
    Obrigado pelo seu texto e reflexão.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
%d blogueiros gostam disto:
Send this to a friend