Margem equatorial – uma análise sobre riscos e tomada de decisões

“Two roads diverged in a yellow wood. And sorry that I can’t travel both. (…) I took the one less travelled by. And that has made all the difference” (Robert Frost – The road not taken).
Dou aula de gerenciamento de riscos em projetos há mais de vinte anos. E às vezes cito este belo poema. Sempre existem dois caminhos, e temos que tomar decisões. Das quais, no futuro, poderemos nos orgulhar ou arrepender. Há toda uma teoria para que a decisão seja baseada em fatos, mas nunca poderemos garantir sucesso.
Tecnicamente, o primeiro ponto que tem que ficar claro é diferenciar riscos de fatos. E que também é importante entender que jamais teremos todos os dados na mão para decidir; toda a decisão envolve riscos, desde o jogador que escolhe como vai bater um pênalti, até o gestor que aprova (ou não) um projeto de bilhões de dólares. Numa visão bastante simplificada, toda a decisão envolve um ciclo definido por três etapas; conhecimento dos fatos, avaliação dos riscos (cenários futuros) e tomada de decisão.
A bola da vez é a exploração de petróleo na chamada “Margem Equatorial”, uma área predominantemente off-shore, situada mais ou menos entre o litoral do Rio Grande do Norte e o Amazonas. Vamos usar a técnica proposta para analisar a situação.
Vamos aos fatos
Os principais fatos que temos são;
– Estudos mostram que há um potencial enorme na região (fala-se em 10 bilhões de barris recuperáveis). Estes estudos só serão confirmados (ou não) através da perfuração de poços exploratórios;
– Com a entrada em produção da Bacia de Campos, nos anos 80, e do Pré-sal, já no século atual, o Brasil cresceu sua importância como player internacional na produção de petróleo;
– A Petrobras respondeu com muita eficiência ao desafio de produzir em águas profundas, portanto temos capacitação nacional altamente confiável para fazer o trabalho;
– Desenvolver um campo destes demanda pelo menos uma década, portanto, se começar hoje, a produção vai atingir um ponto economicamente viável lá por 2035;
– É justamente por volta de 2035 que, estima-se, a produção do pré-sal vai começar a diminuir, pelo esgotamento dos reservatórios, portanto a Margem Equatorial pode ser a garantia da manutenção do Brasil entre os grandes produtores de petróleo do mundo pelo menos até 2050;
– A indústria de petróleo requer investimentos pesados, com um tempo de retorno longo;
– Por outro lado, a geração de empregos e a movimentação da economia local não pode ser desprezada;
– Por menos que se goste do tal “combustível fóssil”, o fato é que a demanda de energia do mundo só cresce, e ainda não se conseguiu um substituto para ele, pelo menos na quantidade necessária. O assunto é discutido desde a ECO-92 (alguém se lembra dela?) mas, do ponto de vista prático, muito pouca coisa mudou.
E os riscos?
Uma análise preliminar de riscos nos traria algo do tipo;
– Toda e qualquer exploração de petróleo apresenta riscos de acidentes ambientais. E a sensibilidade da opinião pública seria muito abalada por um acidente (mesmo que não fosse muito significativo), na área amazônica;
– As mudanças climáticas parecem ser um fato, mas ainda há controvérsias sobre o quanto o ser humano e o petróleo influenciam nesta história toda. A dúvida é; vale a pena investir hoje em um combustível que pode vir a ser proibido em pouco tempo?
– Embora não haja indícios de que tal vá acontecer, pode surgir, ao longo deste tempo, uma tecnologia disruptiva que mude completamente a matriz energética mundial. Neste caso, o investimento em petróleo seria dinheiro jogado fora;
– Além destes, teríamos os riscos normais de qualquer megaprojeto nesta área (mudanças políticas, alterações de cotação do petróleo, taxação do aço e de outros insumos, guerras e atentados terroristas, etc…).
E agora, vamos decidir?
Costumo brincar com meus alunos citando dois personagens de desenhos animados do grupo Hannah-Barbera, que assisti muito na infância e adolescência; Lippy e Hardy. Prá quem não sabe, Lippy era o otimista, e Hardy, o pessimista, com seu famoso bordão “isto não vai dar certo”. Não conheço absolutamente nada sobre o comportamento do cérebro humano, sou apenas um engenheiro, mas tenho certeza de que existe um Lippy e um Hardy dentro de cada um de nós. E é preciso buscar o equilíbrio entre os dois. Dando um exemplo histórico, Hardy certamente diria a Santos Dumont prá esquecer este negócio de avião (isto não vai dar certo). Por outro lado, Lippy está por trás de várias tragédias aéreas, quando as condições de voo não eram boas e o pessoal resolveu decolar assim mesmo.
Enfim, o fato é que, em algum momento, a decisão tem que ser tomada. “Quem decide erra, quem não decide já errou”, dizia minha sábia avó lá de Santa Maria. O grande problema deste imbróglio todo sobre a Margem Equatorial é exatamente este; o assunto está à espera de uma decisão sobre a licença ambiental há mais de dez anos. Neste ponto estou completamente alinhado à Presidente da Petrobras, Magda Chambriard. E não podemos jogar toda a responsabilidade em cima de Marina da Silva, a atual Ministra do Meio-ambiente; o assunto já passou por outros governos. E o pior cenário, na minha visão, seria a judicialização; é bem melhor que os técnicos cheguem a uma conclusão, do que termos uma inútil guerra de liminares e decisão pelo STF, ou algo parecido.
Ouvi dizer que Lula está disposto a segurar este touro pelos chifres e chamar para si o ônus (e, quem sabe, o bônus) de mandar seguir o baile. Por menos que eu simpatize com as posições políticas de Lula, nesta decisão ele terá meu apoio total. E se decidir pelo contrário, ou seja, não vamos mais investir em petróleo e não se fala mais nisto, também acharei uma atitude correta; afinal, presidente é prá decidir (mesmo que eu discorde da decisão dele). Donald Trump, com toda a sua antipatia, está fazendo o que se propôs; decidir é com ele mesmo. Para o bem e para o mal.
Enfim, vamos ver o que acontece. Diria o grande Cazuza, ainda estão rolando os dados. Só que os dados não podem ficar rolando até o fim dos tempos…
Hervé,
Concordo com quase tudo que escreveu, mas uma coisa que me chama a atenção é que para uma decisão de investimento é necessário saber para onde se caminha e assim se levantar os fatos, analisar os riscos e tomar uma decisão. No caso Brasileiro, o país não sabe muito bem o que quer, portanto, o que é prioridade ?
Meu caro amigo Hervé, petróleo não é apenas sobre combustível. É sobre tudo ao nosso redor.
Imagine um mundo sem os componentes que vieram do petróleo ao seu redor.
Fica um vazio danado…
Então o tal so ouro negro vai permanecer por muito tempo em nossas vidas, até que surja algo que o substitua, não tem como escapar disso.
abraço,
Antonio Candiota.