Opinião

Liberdade sem limites?

Há algum tempo, venho pensando em escrever sobre a diferença entre liberdade e libertinagem. Sobre a questão da importância do limite, da Lei, numa sociedade. Quando falo sobre limite e Lei, seria no sentido mais abrangente da palavra. No limite como fundador da sociedade como a conhecemos, que não seria possível se não tivéssemos temas vetados e considerados tabus. Mas Tabu não sobre o falar, o debater, e sim sobre a prática destes.

Pois bem, dia desses, conversando com meus alunos de Psicologia Jurídica, perguntei a eles o que nos diferenciava de hordas ou de animais considerados irracionais. E todos foram enfáticos em dizer: as Normas, o limite. Sim, que bom que entendem que, para tudo há um limite. E a liberdade de um cessa no momento em que prejudica o outro. E aí, vira libertinagem.

Depois do advento(sim, advento!) das redes sociais e da criação do Tribunal Superior da Internet, toda semana assistimos a um julgamento. E esse julgamento não se detém apenas às celebridades e políticos em questão, mas também divide o mundo digital em lados. Já vi colegas compartilhando até perfis de vovós, consideradas alienadas, fascistas, por terem um posicionamento político diferente aos deles. Não estou aqui querendo julgar ou criticar quem toma um lado ou outro. Todo mundo tem o direito de se posicionar. Mas nunca antes na história do planeta, tantas pessoas foram julgadas ou canceladas quanto agora.

O último réu do tribunal foi o ator Will Smith, que estalou a palma da sua mão no rosto do comediante Chris Rock, após uma piada de extremo mau gosto sobre a aparência de sua esposa. E aí você lê inúmeras críticas do tipo, “violência gera violência”, “eu faria isso ou aquilo”, “ele poderia ter feito diferente”, “foi apenas uma piada”, “o mundo tá chato e ninguém mais pode brincar com nada”, “perdeu a razão “. Cada um tem sua forma de pensar em como faria diferente, na frieza de seu sofá, na tranquilidade de seu lar. É, parece fácil dar opinião não estando no lugar da pessoa. Como diz um ditado que roda as mídias sociais, “o endereço do outro é sempre o lugar mais difícil de encontrar”. Meu avô dizia que o coração do homem é lugar que o outro não habita. E a cada dia vejo o quanto ele estava correto.

A minha intenção aqui não é convencer as pessoas a se tornarem terapeutas da sociedade. Eu sou psicóloga, sei o quanto é complicado estar nesse lugar de mediação, de quase equilibrista das emoções e das transferências maciças de seus pacientes. Mas o que me preocupa é essa dualidade sobre estar uma sociedade que pede mais empatia e também esquecer dela quando lhe convém. Quando as pessoas pautam o seu bom senso pelo viés da política e não pelo da Ética( com letra maiúscula), então, nem se fala. Agora se confunde Ética (no sentido mais amplo) com conservadorismo, moralismo barato, dentre outros absurdos. As pessoas perderam a mão não só nos seus julgamentos, mas também nas nuances das palavras. Tudo agora está cindido em dois lados, como no aparelho psíquico mais primitivo descrito pela psicanalista Melanie Klein, entre Bem e Mal.

No caso do ator, ele foi infeliz sobre a forma e o momento da resposta. Porém, ele não passa de um ser humano com qualidades e defeitos. Artistas não são arautos da perfeição. Eles dormem, acordam, e fazem até suas necessidades fisiológicas, choram, gritam, se zangam, se destemperam, praticam atos ilícitos. Alguns cometem crimes até bem graves. No entanto, como são artistas, muitos desfilam pelo planeta como se fossem poços de virtude. Enquanto outros, podem ser severamente cancelados.

E nesse sentido, precisamos desmitificar artistas. Eles são de carne e osso como nós e podem fazer coisas impensáveis, como se apropriar de recursos públicos, cometer atos libidinosos, matar e até subir num palco do Oscar e dar um tapa num babaca que faz troça da pessoa que ama. Para cada uma das infrações, a Justiça dos homens terá um peso e uma pena a ser aplicada, de acordo com o crime praticado.

Mas eu termino aqui com o olhar sobre a vítima. Ah, essa aí é quase sempre a mais prejudicada. Sim, palavras também doem e machucam como se fossem facas afiadas. Rir e fazer outros rirem de uma condição de saúde, não tem graça alguma. Ainda mais sendo a piada transmitida para todo o planeta.

Liberdade tem limite sim!

Obs: a intenção do texto é apenas mostrar que devemos ter cuidado com julgamentos apressados e cancelamentos. Não uma tentativa de eximir um ou outro de responsabilidades ou concordar com qualquer tipo de violência física ou verbal(sim, também é agressão).

Georgia Lago

Piauiense, 47 anos, mora longe da terrinha há 20 anos. Vida quase cigana, morou em 4 estados e se mudou 7 vezes. Quis ser tanta coisa, de astronauta à desenhista, de cientista à escritora, que precisou cursar Psicologia para não dar um nó na cabeça. Foi meio Amèlie Poulain quando criança e acabou se encontrando na Psicanalise. Formada em Psicologia há 22 anos, trabalhou em todas as áreas afins. Mas sua paixão foi o atendimento à Dependentes Químicos. Recentemente graduada em Design de Moda, se afastou dos atendimentos para pesquisar novas formas de incluir Pessoas com deficiência através do vestuário. Sua maior paixão é ser mãe de duas e, atualmente se dedica as suas filhas e a defesa dos direitos de Pessoas com Deficiência.

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