Opinião

Teto de Gastos, Renda Brasil e Reformas. Afinal como sairemos dessa crise?

O debate sobre as propostas começou como se esperava, um novo Fla x Flu com as partes acusando-se de fiscalistas e gastadores.

O mundo muda de forma inesperada, passamos da euforia para a depressão e vice-versa e parece que cada tribo econômica tem sempre a mesma receita, a despeito da conjuntura. Está difícil ver uma luz no fim do túnel pelo que ambos os lados estão a apresentar. Vejamos os porquês.

Comecemos pelos liberais. A saída é que deveremos retornar à austeridade fiscal por causa do alto endividamento público e o crescimento será garantido pelas reformas estruturais da vez – as Administrativa e Tributária, e por um programa agressivo de privatizações e concessões. Eles trarão a confiança para o investimento privado que nos empurrará para um ciclo de crescimento. Tem lógica.

Entretanto, nem nos recuperamos da recessão da Dilma e tomamos outro tombo, o PIB estará, em fins de 2020, uns 9% abaixo de 2014, com um desemprego recorde. Será que alguém investirá com um cenário desses, sem o auxílio emergencial e com um presidente mais preocupado com uma guerra ideológica, o destino dos filhos e a reeleição, podendo investir em qualquer outro lugar do mundo? Além disso, o déficit pré-covid rodava em torno dos R$ 100bi. O orçamento para 2021 mostra um rombo de uns R$ 200bi. O total das despesas discricionárias não passa de R$ 100bi e a primeira versão da Reforma Administrativa parece modestíssima. As despesas previdenciárias e de saúde continuarão crescendo pela pressão demográfica. Logo, sem um crescimento razoável por alguns anos não se reduzirá o buraco. Não é crível. São ações necessárias, mas não suficientes.

Passemos agora para os desenvolvimentistas. A saída é usar a capacidade de endividamento do Estado para criar uma demanda por consumo ou investimentos e assim incentivar as empresas a atendê-la, criando um círculo virtuoso. A maior atividade econômica gera receita fiscal e, com isso, além de sair da recessão, fecha-se o déficit ao longo do tempo. A história mostra casos bem-sucedidos de políticas anticíclicas, a mais famosa delas o New Deal norte-americano nos anos 1930 e mais recentemente o despejar de dinheiro na crise de 2008. Aqui mesmo vimos como o auxílio emergencial sustentou a atividade econômica durante o pico da pandemia. Temos ainda a oportunidade dos juros estarem na sua mínima histórica, facilitando o financiamento público, e até, talvez, propiciando uma versão brasileira do Quantitative Easing (“QE”), ou seja, o banco central financiando a dívida, como usado fartamente pelos países desenvolvidos, sem gerar a inflação prevista pelos liberais. Tem lógica também, não?

Entretanto, o Brasil fechará 2020 com um endividamento quase igual ao dos EUA e sem uma âncora, como o Teto Fiscal, será que o Tesouro conseguiria mesmo se financiar à juros baixos? E como garantir que os gastos públicos não terão o mesmo destino do PAC da Dilma ou do II PND do governo Geisel? Nosso histórico não nos recomenda. Ademais nunca se fez um QE em um país emergente, será que rebaixando-se as taxas de juros de longo prazo para patamares próximos dos países desenvolvidos não haverá uma corrida contra o Real, além do que já tivemos até agora? Quanto as indústrias aguentarão sem repassar o custo cambial (vide o IPA de 14% acumulado nos últimos 12 meses)? Também não é crível.

Pela descrição dá para perceber que, tudo leva a crer, que precisaremos de uma mescla desses dois mundos. Um incentivo à demanda – a Renda Brasil parece melhor do que dar dinheiro para o Ministro Rogério Marinho, mas de tal forma controlado que se mantenha uma âncora crível, um Teto de Gastos redesenhado e, em paralelo, fazer um programa agressivo de concessões e de reformas. Bem, parece fácil, mas precisa “combinar com os russos”. Como fazer que tribos que passaram os últimos anos se ofendendo sentem-se para negociar de boa fé? Aí será necessário fazer política séria, bater no peito e jogar para a plateia não resolverá, dinheiro não aguenta desaforo. A ver, talvez a proximidade do abismo traga um pouco de bom-senso.

Alberto Ferreira

Paulistano adotivo desde 1984, nasceu no Rio de Janeiro em 1961, de onde trouxe a torcida pelo Fluminense. Leitor inveterado de jornais, economia e negócios descansa lendo romances, assistindo futebol e ouvindo MPB. Casado desde 1985 com duas filhas adultas já independentes, foi cfo e controller no mercado financeiro e agora divide o tempo entre um mestrado em administração, acolhimento familiar, administração de bens e consultoria.

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