Opinião

Enfim um plano. Plano capenga, mas é um plano

Silvana Destro

O Plano Nacional de Imunização-PNI dominou grande parte das discussões no último fim de semana, desde que foi apresentado ao Superior Tribunal Federal-STF, e a ele dado publicidade. Mas os problemas estão só começando.  

O ministro Lewandowiski já solicitou ao MS que inclua no PNI uma data para início da vacinação. Sim, não tem vacina, mas e quanto tiver? Vai esperar chover para comprar guarda-chuva? Nem agulha o governo comprou, demonstrando uma inépcia surpreendente para um “especialista em logística”.

A peça é uma obra ficção, feita às pressas para atender o que determinou o ministro Lewandowiski, e nada mais. Serviu ao menos para escancarar o que já era transparente como a água: a especialidade em logística do ministro Pazuello é uma miragem no deserto: até hoje ninguém apontou um único projeto do qual ele tenha liderado (a Copa do Mundo foi tocada pelo General Ramos, que já liderava a Segurança no Rio de Janeiro).

 Já vi obras mais bem fundamentadas em Trabalhos de Conclusão de Curso de recém formados em universidades de segunda linha.

A missão de Pazuello é inglória, reconheçamos. A fidelidade à diretrizes do PR tem um custo alto. O ministro postergou o quanto pôde a reserva de vacinas, em pelo menos três laboratórios. Não, não havia vacina aprovada, mas pelo menos duas estavam em estágio avançado de aprovação e uma delas já passou pelo crivo do FDA. E ele sabia que não era compra, mas reserva técnica. Quando, e se fossem aprovadas, ele já teria colocado o Brasil na lista dos primeiros países a vacinar sua população. Isso foi há quatro meses. Mas o ministro optou por ignorar solenemente esse movimento: não se mexeu, não mobilizou nenhuma força do ministério, desconsiderou as abordagens dos laboratórios.

Se as pessoas querem ou não ser vacinadas – e a campanha do PR tem dado bons resultados, como mostra a curva ascendente de cidadãos que não tomarão nenhuma vacina – é absolutamente lícito. Mas milhões de outros cidadãos querem e esperam com muita ansiedade o início do ciclo vacinal.

Pazuello negligenciou. Quando, então, João Doria apresentou seu plano estadual de vacinação a ficha caiu. Ressalta-se que o plano estadual de Doria conta com a permissão expressa do Superior Tribunal Federal – STF.

Assim, Pazuello fez uma descoberta surpreendente: ele não é a última bolacha do pacote.

À essa altura, Estados Unidos, Canadá, Japão e União Europeia fecharam acordos, há quatro meses, para compra de vacina, e até países da América Latina, nossos vizinhos, já tinham comprometido os primeiros lotes de vacinas produzidas pela Pfizer. Fizeram a reserva técnica e agora estão formalizando a compra. Para que se tenha uma ideia do comprometimento desses países com a saúde de seus cidadãos, o Reino Unido comprou cinco doses por habitante; o Canadá comprou nada menos do que 10 doses por habitante. O ministro da Saúde do Brasil reservou e comprou ZERO vacina por habitante, quando os laboratórios começaram o processo de vendas das vacinas.

A irresponsabilidade do ministro Pazuello, no sentido de colocar questões semânticas (não existem vacinas ainda) como entrave para compra da vacina vai custar milhares de vidas de brasileiros.

Assim, acomodados no fim da fila, um lote de consolação, de aproximadamente 500 mil doses, pode ser disponibilizado para o Brasil no curto prazo. É quase risível, não fosse a expressão máxima de absoluta falta de responsabilidade civil.

E por falar em falta de responsabilidade, para dar mais confiança e credibilidade ao PNI, o MS cravou o nome de 36 técnicos que auxiliaram o governo nesse processo. Só esqueceu um detalhe: de mostrar a esses técnicos o plano final de imunização. Foi um detalhe básico que evidencia o caráter oportunista e irresponsável do governo.

Os cientistas constam do PNI numa lista que recebeu a classificação de “ELABORAÇÃO”. E “elaboração” ainda se entende por “quem elaborou”. Dúvidas podem ser esclarecidas em quaisquer dicionários da língua portuguesa.

Em nota, o ministro esclareceu que esses técnicos têm status de “convidados”, e nessa condição não têm nenhum poder de decisão sobre o planejamento. Ora, ora, ora, então por que usou os nomezinhos deles? Eles colaboraram ou estavam apenas observando a “elaboração”?

Sim, sim, e sim, a vacina foi politizada. Afinal, é só isso o que os políticos no Brasil sabem fazer: política. Bolsonaro optou por fazer política à custa da saúde dos cidadãos. Doria, exímio marqueteiro desde que tomava mamadeira de leite ninho, foi no caminho inverso e jogou água no chopp de Pazuello. Xeque-mate.

Mas tem um pequeno detalhe no meio desse caminho: ministro não é cargo político, é cargo técnico.

Pazuello não está preparado para trombar com uma cobra criada feito Doria, que perguntou a ele, durante uma reunião com governadores, se ele tem intenção de comprar as vacinas do Butantan. Pazuello respondeu que sim, “se houver demanda”. Oi?

CAIADO FICOU NERVOSO

Em entrevista à Globonews, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, soltou a língua ferina sobre o Governo do Estado de São Paulo por estar criando um “desgaste político” para o restante do país ao “anunciar até data para início da vacinação”.

Diante dessa pérola, fica evidente que Caiado está mais preocupado com o “desgaste político” do que com a saúde da população. O estresse provocou no governador de Goiás uma espécie de amnésia temporária e seletiva. Ele esqueceu que o STF concedeu a todos os estados da Federação a permissão de tocarem seus próprios planos de combate à covid-19.

Diante da crônica das mortes anunciadas, e do estrago que suas desastrosas decisões vão provocar na saúde de milhões de brasileiros, o ministro Pazuello tomou uma decisão radical: contratou o marqueteiro Markinhos Marques, ex-secretário de Comunicação de Roraima, para dar um tapinha na imagem e, quem sabe, resgatar o tiquinho de reputação que ainda lhe resta.

Organizar filas de imigrantes venezuelanos em Roraima foi o grande feito da vida do general Pazuello, sua máxima referência e talvez por isso o nome de Markinhos Marques. Provavelmente, venha daí sua exímia experiência em logística, ainda que ninguém saiba o destino desses venezuelanos atualmente.

Não se assustem se “Markinhos” orientar o ministro a adotar uma peruca. Por ora, é o máximo que se tenha a fazer pelo ministro. Seria digno, nesse momento, que Pazuello entregasse o cargo.

Silvana Destro

Silvana Destro é jornalista, voltada à comunicação corporativa há quase três décadas, atualmente com forte atuação em gerenciamento de crises de imagem e reputação. Mãe do Pedro, do João e avó de Maria Clara.

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