Eles voltaram.


Treze de outubro do ano da graça de 2025.
Não há mais reféns vivos sob o poder dos terroristas do HMS. Os vinte restantes foram trazidos para casa. Como desejei escrever isso!
Ontem, chorei com o discurso de Rachel, na Praça dos Reféns. Seu único filho, Hersh, foi torturado e assassinado após 328 dias de cativeiro em um túnel em Gaza. Rachel e o marido, Jon Polin, apesar da indescritível perda, se mantiveram incansáveis na luta pela libertação de todos os reféns. Nunca consegui ouvi-la, durante esses dois anos, seja na praça dos reféns, nas Nações Unidas, ou diante de formandos, sem me emocionar. Mencionando a dualidade de sentimentos do momento, em que alguns terão a alegria do reencontro dos reféns vivos e outros prestarão suas homenagens aos restos mortais de seus entes queridos, ela citou o Eclesiastes: há um tempo para cada coisa e, ainda assim, às vezes somos chamados a viver todos os tempos de uma só vez: nascer e morrer, chorar e rir, sofrer e curar – tudo agora. Inclusive, dançar e chorar.
Que eu nunca me esqueça da força, coragem, da luz de pessoas como Rachel, uma leoa pelos seus e pelos demais. Que Deus as mantenha nas palmas de suas mãos e as envolva em sua infinita misericórdia. Que a memória de Hersh e de todos os que não viveram para estar aqui hoje seja abençoada. Que aqueles que retornaram tenham todo o suporte para curar as feridas internas e seguir adiante. Que as cicatrizes sejam lembrança da força que os trouxe até aqui.
Não consigo imaginar o que foi para os israelenses viver e lutar até chegar a este dia. Muito menos o que os reféns suportaram durante dois anos de terror e isolamento em Gaza. Hoje, nessa dualidade de sentimentos, as lágrimas foram de alegria e alívio por vê-los finalmente reunidos com seus amigos, seus amores, suas famílias. O algoritmo do Instagram entregou exatamente o que eu queria: a alegria do reencontro entre pais e filhos, amigos de infância, amores interrompidos. Não acredito em motivação melhor para qualquer luta ou ativismo.
Nos últimos dois anos, usei este espaço para deixar inequívoca a minha solidariedade com o trauma vivido pelos israelenses naquele 7 de outubro e com toda a comunidade judaica. Os primeiros leitores dos meus textos lidos antes de os publicar foram os meus filhos. Priorizo que eles saibam como penso e me posiciono. Na adolescência, dei aos dois o livro “O Diário de Anne Frank”, que li aos 13 anos.

Foi meu primeiro contato com os horrores do nazismo. Nunca vou esquecer a minha incredulidade diante daquele relato. Eu me perguntava, o tempo todo, como tantos puderam ser indiferentes ao que acontecia. Jamais poderia imaginar que voltaria a me fazer essa pergunta no tempo que me foi concedido viver. Diante de um massacre tão brutal, de uma campanha tão desumanizadora, perguntei-me muitas vezes: como tantos podem se manter indiferentes? Como podem sucumbir a narrativas torpes que normalizam o terrorismo como resistência, priorizando trincheiras ideológicas em vez do apoio sincero na dor aos seus ditos amigos judeus? Alguns, decepcionados, dividiram esse sentimento comigo. Tais amigos também não estão hoje ao seu lado na alegria desse instante de resgate.
O que sei é que publiquei meu primeiro texto no dia seguinte àquele 7 de outubro, deixando claro que permaneceria ao lado dos filhos e filhas de Israel e da comunidade judaica na hora mais escura, deste século, sem inverter vítimas e algozes. Não havia – e não há – qualquer complexidade nisso. Os horrores do século passado me foram apresentados por livros, filmes e relatos, nasci em 1973. Meu compromisso com a memória do Holocausto, para que um crime tão grave como o genocídio, tão marcante na memória judaica, não seja banalizado, e com o combate ao antissemitismo, crime previsto na legislação brasileira, é também um compromisso pessoal.
Meu foco nunca foi a política interna de Israel, questão a ser resolvida pelos israelenses. Ao contrário de seus vizinhos, vivem em um país democrático, não em uma ditadura. Também usei este espaço para combater a desinformação espalhada pelo HMS e por seus apoiadores – conscientes ou não -, que prolongou a guerra, agravou seus danos humanitários colaterais, atrasou o retorno dos reféns e colocou vidas judaicas em risco. Mas não quero falar disso hoje.
Quero registrar o meu desejo de que hoje seja o dia em que Israel começará a curar suas próprias feridas, com o retorno para casa dos últimos reféns – marco zero, repito, de qualquer possibilidade de paz.
Não voltarei a olhar o mundo, e algumas pessoas, com as lentes de 6 de outubro de 2023. Mantenho, todavia, a esperança. Sempre.
Após alguns textos que publiquei desde aquele terrível 7 de outubro, algumas pessoas me perguntaram se eu tinha descendência judaica. Eu sempre respondi: não que eu saiba. Rs. Reza a lenda que um dos sobrenomes da família da minha mãe pode indicar esse caminho. Quem sabe um dia eu faça essa pesquisa sobre minha árvore genealógica. Até hoje, isso não foi importante para que eu me posicionasse em nada.
Confesso, entretanto, com prazer, que, considerando a profunda admiração que tenho pela corajosa e resiliente comunidade judaica com quem aprendi muito durante esses dois anos, que isso me faria muito feliz.
Por falar em aprendizado, hoje li que por uma dessas ininteligíveis circunstâncias do destino, aquele infame 7 de outubro foi durante a Simchat Torá, quando os judeus celebram a alegria da Torá. Pois hoje, no cair da tarde de Israel, iniciou-se outra Simchat Torá. E porque há um tempo para chorar e para dançar, juntos, como lembrou a brava Rachel em seu discurso ontem, reflito. Dançar com a Torá é transformar a fé em um movimento. Anuncia fim e recomeço, juntos. Nesse abraço ao rolo sagrado, se afirma que a alegria é resistência e que a esperança atravessa a dor para renascer.
Que a paz definitiva chegue um dia para Israel. Antes, é preciso que ela seja, finalmente, desejada e aceita em toda a região.
Hoje eu vou dançar com vocês.

“WELCOME BACK HOME”.