Opinião

A luta é pela inclusão… dos meus amiguinhos

Nasci em 1952, e sou de uma geração que cresceu com dois paradigmas sobre “moral e bons costumes” muito claros; moças de família casavam virgens (e jamais se divorciariam) e homossexuais não eram tolerados. A pena para transgressão era a expulsão de casa e o banimento do convívio social com “gente decente”. Simples assim. Negros? Sim, a gente até convivia com eles, mas não se misturava. E o maior elogio que se fazia a um negro era dizer que ele tinha “alma branca” (Jorge Aragão até colocou esta frase em um samba maravilhoso chamado “Identidade”. Os poetas sabem tudo…).

Fico impressionado ao olhar para trás e ver o quanto a nossa sociedade conseguiu progredir em tão pouco tempo nestas questões (quando vocês chegarem à minha idade vão perceber que meio século passa voando). É claro que estamos longe da perfeição, mas os progressos foram evidentes. Neste ponto, o gesto do governador gaúcho Eduardo Leite, tornando pública a sua homossexualidade, pode ser considerado um marco histórico. Eu comemorei o fato e imaginei que o sentimento de todos os que militam em movimentos por uma sociedade mais justa e inclusiva deveria ser o mesmo… só que não foi bem assim. Sabe nada, inocente!

Todos somos iguais – mas alguns são mais iguais que os outros

Por incrível que possa parecer, a reação contrária veio logo do ex-deputado federal Jean Wyllys, um gay que conseguiu vencer preconceitos, em uma bela história de vida e lutas. Ao invés de solidarizar-se e apoiar o gesto (que eu entendia ser a reação natural de alguém que passou pelos mesmos problemas), Wyllys colocou água no chope da nossa comemoração ao questionar o posicionamento político de Leite, numa visão de que isto era mais importante do que o fato de ser ou não ser gay.

Não contente, Wyllys estendeu o seu preconceito aos negros e mulheres que apoiam o Presidente (democraticamente eleito) Jair Bolsonaro. No frigir dos ovos, como diria a minha avó lá de Santa Maria, ele deixou claro que apoiava a causa dos gays, negros e mulheres – desde que não ousassem ter uma visão política diferente da dele. Lembrei na hora de uma bem-humorada campanha publicitária antiga de um fabricante de televisores, que dizia que “os nossos japoneses são diferentes dos outros” (será que alguém lembra disto)?

Resumindo, Jean Wyllys também saiu do armário. Afinal, “o armário”, simbolicamente, é aquele local escuro onde guardamos os nossos sentimentos mais profundos, que se forem revelados podem nos causar problemas. Ao vender a imagem de “batalhador das causas de inclusão”, ele deixava cuidadosamente escondido este seu lado obscuro. Que já tinha vindo à tona no famoso episódio em que ele tentou cuspir no então deputado Jair Bolsonaro, em plena Câmara. E ainda errou a cusparada; acertou em outro parlamentar, que não tinha nada a ver com o assunto (e não consta que tenha pedido desculpas). Na minha escala de valores, um sujeito que acha que tem o direito de cuspir nos outros não é grande coisa. E, diga-se, nem pontaria prá cuspir teve, foi incompetente até nisto. Não tem como gostar de um cara destes. Tudo bem, é uma opinião pessoal.

Suspeitei desde o princípio – o caso Decotelli

Usei o bordão do impagável personagem “Chapolim Colorado” para lembrar uma situação semelhante ocorrida em 2019, que já tinha me servido de alerta.

Pra quem não se lembra, o professor Decotelli foi indicado pelo Presidente Jair Bolsonaro para ocupar o Ministério da Cultura. Nunca o conheci pessoalmente, mas como já dei aulas e workshops na FGV tenho muitos amigos lá que o conhecem há muito tempo. E posso dizer que ele era uma unanimidade entre eles; competente, inteligente, um grande nome para mudar para melhor a educação do Brasil.

A partir de um erro técnico descoberto no seu currículo Lattes (e que não influenciaria em nada a sua indicação, uma vez que o doutorado mencionado por ele não era pré-requisito para o cargo), Decotelli teve sua reputação jogada na lama de forma totalmente injusta e absurda. Alguma entidade de defesa dos direitos dos negros se manifestou? (Ah, sim, esqueci de dizer, porque nunca achei relevante; ele é negro).

O raciocínio é lógico; imagina se Bolsonaro, o monstro racista excomungado pela esquerda, nomeia um ministro negro e ele faz um bom trabalho? Jean Wyllys e a sua turminha jamais aceitariam isto. Jogaram sujo e conseguiram evitar o “problema”.

De dentro do bem é que o mal trama… (Paulo César Pinheiro, em “Evangelho”)

Infelizmente, a realidade é esta; a justa luta pela melhoria da sociedade com a inclusão de mulheres, negros e gays, é desviada por gente inescrupulosa para um vale-tudo cujo único objetivo é tirar Bolsonaro e colocar o “cumpanheiro” Lula de volta na Presidência. Na minha humilde opinião, Lula, Bolsonaro, Jean Wyllys e tudo o que os cerca são farinha do mesmo saco populista, que se realimenta de ódio e ignorância. E o grande perigo que Eduardo Leite representa é se tornar uma opção viável que quebre este ciclo. Este medo vai tornar o jovem e promissor governador gaúcho o alvo de toda a vanguarda do atraso deste país ao longo dos próximos meses (incluindo, claro, Renan Calheiros e o centrão todo).

Citando mais uma vez o mestre Paulo César Pinheiro, “que medo você tem de nós, olha aí”…

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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