Economia

Preços dos combustíveis: o jogo para a plateia e o problema real

O presidente da Petrobras, general Silva e Luna, publica hoje artigo explicando o preço da gasolina. Dos R$ 6,10 na bomba, apenas R$ 2,00 seriam “culpa” da empresa. Para os restantes R$ 4,10, os “culpados” são os intermediários (R$0,60), a mistura do etanol (R$ 1,00) e os impostos (R$ 2,50). Desses R$ 2,50, R$ 1,65 correspondem ao ICMS. E é aí que o presidente da maior empresa brasileira abandona a análise técnica e começa a fazer política. Como um analista distante, pontifica que os impostos são “excessivos”. Os impostos dos outros, claro.

Pode ser uma imagem de texto que diz "produto. Distribuidores acres- centam, em média, R$ 0,59. A mistura de 27% de etanol custa R$ 1,02. Somados, tributos le- vam R$ 2,50, mais do que a fa- tia que cabe à Petrobras (esti- mativas com dados da ANP en- tre 22 e 28 de agosto de 2021). Tributo estadual, Ο ICMS cor- responde a R$ 1,65 por litro de gasolina, em média, fatia próxi- ma à da Petrobras."
Pode ser uma imagem de texto que diz "Não há dúvidas sobre a im- portância da arrecadação para prover recursos para políticas públicas que precisem ser im- plementadas. Ο problema é o excesso de arrecadação em in- sumos energéticos vitais para a movimentação da economia."

Bolsonaro, que Silva e Luna emula nesse artigo, vem usando os governos estaduais como bode expiatório para o preço dos combustíveis. Faz sentido? Vejamos.

Em números redondos, a arrecadação do ICMS nos primeiros 4 meses desse ano foi de R$ 200 bilhões. Usando uma regra de três simples, podemos estimar em R$ 600 bilhões a arrecadação anual com esse imposto estadual. Os combustíveis representam mais ou menos 15% desse total, ou R$ 75 bilhões. Se os governos estaduais abrissem mão do ICMS sobre combustíveis, esta seria a arrecadação perdida. É isso que o governo federal está sugerindo.

Vamos voltar um pouco para os fundamentos do sistema arrecadatório brasileiro. A Constituição de 88 estabeleceu que os estados financiariam as suas atividades com impostos incidentes sobre o comércio, e os municípios com os impostos incidentes sobre os serviços. São justamente os impostos que tornam as mercadorias mais caras. Não somente os combustíveis ficam mais caros, mas eletricidade, comida e uma longa lista de etceteras.

Já a União tributa com impostos que ficam mais “escondidos” nos balanços das empresas: basicamente o IPI, PIS/Cofins, os impostos sobre a folha de pagamento e o IR sobre o lucro. A LDO de 2022 prevê cerca de R$1,3 trilhões de arrecadação desses impostos mais o IR sobre a pessoa física. Portanto, o dobro da arrecadação do ICMS. Esses impostos também pesam sobre os combustíveis, pois oneram a atividade da Petrobras, mas não “aparecem” na nota fiscal.

E mais: os Estados usam essa arrecadação para pagar professores, polícia e uma longa lista de serviços mantidos pela esfera estadual. E não têm o poder que a União possui de se endividar. A LDO de 2022 prevê um déficit de R$ 170 bilhões na esfera federal, que será coberto com emissão de dívida. Os estados não podem fazer isso. O que Bolsonaro sugere para cobrir o rombo de R$ 70 bilhões com a suposta não cobrança de ICMS sobre combustíveis? O governo federal arcaria com as despesas correspondentes? Qual a sugestão?

O Brasil tem, de longe, a maior carga tributária entre as economias emergentes, para não dizer pobres. Se o nome do tributo é ICMS, IPI ou IR, pouco importa. O fato é que o governo, em suas três esferas, é o grande sócio oculto do brasileiro. Bolsonaro e seus bate-paus querem nos fazer crer que os únicos culpados são os governadores. Não são. Ou, pelo menos, não são só eles.

A única conversa séria possível sobre o tema é racionalizar os gastos do Estado brasileiro. Mas isso dá muito trabalho. Bolsonaro e Silva e Luna, que viveram à custa de nossos impostos a vida inteira, preferem usar truques de ilusionismo, jogando a culpa em bodes expiatórios convenientes. Acredita quem quiser.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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