Salve o espetáculo brasileiro
A maré anda tão desfavorável que havíamos esquecido que sabemos fazer festa, e muito bem. O que faltar em verba, sobra em criatividade e animação. A cerimônia de abertura das Olimpíadas ontem nos provou isso mais uma vez.
Por causa da draga econômica, da roubalheira descomunal e da tragédia política, estávamos chicoteando a nossa auto estima e de maneira recorrente nos classificando como párias da humanidade, o povinho sem noção e sem futuro. As evidências da falta de planejamento na entrega da Vila Olimpica, em eventos relacionados e o fracasso na despoluição da baía da guanabara aguçaram nosso espírito crítico. Só faltava um fiasco na festa de abertura, receio que aumentava à medida que as notícias de que o orçamento da cerimônia seria apenas uma fração do que foi utilizado nas últimas sedes, Pequim e Londres.
Eis que o show começa e aos poucos somos absorvidos pela sua energia positiva, a estética simples e ao mesmo encantadora, o ritmo sempre alegre e aquela coisa do ‘calor humano’, referência universal quando se fala de Brasil. Luzes, fogos, música, vibração, alto astral.
É claro que à luz das preferências individuais surgirão críticas pontuais à presença desse ou daquele artista: afinal de contas, o que a Regina Casé foi fazer lá? E aquela dupla de ‘funkeiras’ no centro do grande palco? Quem eram? Não sei e provavelmente nunca saberei. Faltou o sertanejo, dirão alguns. Faltou. Mas vamos lembrar que a festa era no Rio, cidade onde o ritmo não é exatamente uma unanimidade, assim como o Axé. Faltou falar mais sobre a imigração européia: italianos, espanhóis e alemães, por exemplo, não foram citados. Ok. Vamos lembrar que em 40 minutos nem sempre é possível cobrir tudo.
De um modo geral, foi uma excelente abertura, que não deixou nada a desejar em relacão às anteriores, apesar do orçamento muito inferior, simbolizando que muitas vezes a falta de dinheiro não pode ser justificativa para o ‘mais ou menos’. Nesse sentido, a abertura dos Jogos no Rio foi a antítese do Brasil: extremamente produtiva.
A preocupação com a sustentabilidade e meio ambiente também chamou atenção e não ficou piegas. A transformação dos espelhos em plantas formando os círculos olímpicos verdes foi uma ideia sensacional. Os rabugentos de plantão vão destacar que enquanto se exaltava a ecologia, a poluída baía de guanabara segue como paraíso dos detritos. Verdade. Qual a sugestão dos reclamantes: uma ode aos cocôs da baía?
Ninguém aqui ousará pensar que uma bela cerimônia de abertura nos absolve das mazelas do dia a dia, que segue inóspito para dezenas de milhões. Por outro lado, isso também não deve ser motivo para nos metermos em um permanente estado depressivo e de auto flagelação.
As olimpíadas são um evento esportivo global, agregador, uma das poucas situações desse mundão em que as pessoas se aproximam genuinamente uma das outras independentemente de suas diferenças e o espírito de camaradagem torna-se preponderante. Não podemos desperdiçar esse tempo com rabugice.
Quando vivi na Grécia em 2006, meus amigos gregos me contavam da sensação de dever cumprido e patriotismo que tomou conta do país em 2004, por ocasião dos jogos de Atenas. Desacreditados na Europa por serem da banda menos desenvolvida do continente, eles também promoveram um grande espetáculo. Isso não impediu que os aparelhos olímpicos fossem abandonados alguns anos depois e o país quebrasse. As Olimpíadas não tiveram nada a ver com isso.
Nossa responsabilidade com o Brasil deve ser permanente e alheia ao eventual sucesso em esportes ou grandes eventos. A cerimônia de ontem revelou o espírito brasileiro ao mundo. Não foi suntuosa como a chinesa, nem tecnicamente impecável como a londrina. Foi brasileira e por isso tocou a (quase) todos nós. Paulinho da Viola cantando o hino no gogó e violão a sintetizaram.
Vamos torcer para que nos próximos 18 dias, o saldo dos nossos êxitos supere por larga margem o dos fracassos. Ao final dos jogos, vida que segue, com muitos problemas para resolver. E que esse período ajude a resgatar um pouco da nossa combalida auto estima. O Brasil merece e provou que é possível.