Brasil

Quando o Brasil vai deixar de ser o País do Nezinho do Jegue? Você decide

“Não pergunte o que o seu País pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer pelo seu País”. (John F. Kennedy)

“O Bem Amado”, obra escrita por Dias Gomes que, adaptada para a TV, ficou célebre como uma das melhores (senão a melhor) novela de todos os tempos, conta a história de uma fictícia cidade nordestina chamada Sucupira e seu prefeito corrupto Odorico Paraguaçú. É uma fábula maravilhosa sobre o Brasil e os seus “coronéis”, os salvadores da Pátria que, infelizmente, ainda são uma realidade por aqui.

Não vou entrar em detalhes porque todo mundo conhece a história, mas como em toda a grande trama, até os personagens menos relevantes podem despertar interesse. E este era o caso de Nezinho do Jegue. O jegue em questão tinha até nome de gente – Rodrigues – e era levando crianças no lombo de Rodrigues que Nezinho ganhava seu parco dinheirinho, que gastava no boteco, em cachaça. E a característica interessante de Nezinho era que, quando sóbrio, era o maior admirador de Odorico, puxando sempre as palmas e o coro de “Viva Odorico!” nos pronunciamentos do prefeito em praça pública; já quando estava de porre, mudava de personalidade e gritava “Morra Odorico! Cão sarnento, ladrão de cavalo!”. Certamente a segunda personalidade estava mais próxima da opinião dele afinal, como já sabiam os romanos, In vino veritas, ou seja, bêbado pode ser até chato, mas dificilmente vai mentir.

#somostodosNezinhodojegue

Nezinho sempre foi para mim uma metáfora do comportamento típico do povo brasileiro com relação a seus governantes; ou idolatra, ou esculacha. É assim desde Getúlio Vargas, passando por Brizola, Maluf, Lula e outros. E é um sintoma (preocupante) do que sempre considerei o grande problema do nosso país; a terceirização dos problemas. Ou seja, não elegemos alguém para nos liderar na grande mudança que é (ou deveria ser) compromisso de todos; jogamos tudo no colo dele e continuamos fazendo as mesmas merdas de sempre. Assim, logo depois da eleição é “Viva Odorico!”, passado um tempo é “Morra Odorico!”. E tome impeachment…

Expandindo um pouco o raciocínio, gostaria de citar um dos meus autores favoritos, Douglass North, prêmio Nobel de economia em 1993. Em linhas gerais ele sustenta que o principal fator determinante do desenvolvimento ou não de uma sociedade é a qualidade de suas instituições. Ou seja; sociedades onde se acredita que as pessoas podem ser mais importantes que as instituições não melhoram. Eu complemento; sociedades que precisam de um salvador não merecem ser salvas.

O Brasil-Sucupira e seus dois Odoricos

Como nada é tão ruim que não possa piorar, o Brasil nos últimos anos arrumou logo dois Odoricos; Lula, a Santa Criatura, e Bolsonaro, o Mito que é Messias até no nome. Obviamente os fãs dos dois se odeiam, sem entender que são Nezinhos do mesmo jegue, urrando pela glória de um e desgraça do outro. O que os dois lados têm em comum é exatamente o desprezo pelas instituições; enquanto os “Viva Lula!” acreditam piamente que a Lava-jato foi um plano arquitetado pelos agentes da malignidade para derrubar Lula, o grande amigo e defensor do povo, a turma do “Viva Bolsonaro!” garante que o STF está a serviço dos comunistas para derrubar Bolsonaro, o grande amigo e defensor do povo. As provas evidentes de corrupção e, principalmente, abuso de poder contra os dois (Lula e Bolsonaro) são tratadas de forma diferente pelos xiitas; contra “o deles” são claras (morra Odorico!), contra “o nosso” são fake news produzidas pelos “inimigos do povo” (viva Odorico!). Em defesa do Nezinho do Jegue original eu pelo menos posso dizer que ele tinha a desculpa de estar bêbado.

Acho que dá para escrever um livro só com as barbaridades que li nos últimos anos sobre o assunto. Tenho colegas e amigos que pesquisam a internet todos os dias para catar notícias contra o Odorico dos outros. E nenhum deles é analfabeto ou bêbado como Nezinho. O que ninguém nota é que nesta santa guerra contra o dragão da maldade só quem perde é o Brasil, porque raramente vejo alguém com uma proposta realmente boa e construtiva. Já vi muita gente bem instruída postando que “enquanto o presidente for o Bolsonaro eu quero que dê tudo errado, mesmo!”. Ou dizendo que “este gado que votou 17 tem mais é que morrer!”. Veja bem, o cara está pedindo a morte de 54 milhões de brasileiros. E não é genocida; genocida é o outro (morra Odorico!). Comparado com este pessoal Nezinho do Jegue é quase um santo; só pedia a morte de Odorico. E ainda assim quando estava de porre.

Resumindo, entendo que o Brasil tem jeito, mas temos que levar a nossa discussão política para outro patamar, conforme as palavras imortais de Bruno Henrique, excelente atacante e filósofo ocasional. Não se pode negar o carisma, a inteligência e a história de vida de Lula mas também é evidente que o poder o embriagou (sem duplo sentido… quer dizer, vá lá, só um pouquinho de duplo sentido!). E embriagado como Nezinho do Jegue, extrapolou suas funções e comandou um esquema que arrebentou com a economia brasileira. Quanto a Bolsonaro, pode ser que algum dia tenha tido boas intenções, mas sua grosseria e suas imensas limitações intelectuais ficaram muito claras na crise. E, de quebra, abusa despudoradamente do poder para tentar abafar os casos evidentes de corrupção que acontecem à sua volta. Nenhum dos dois é uma boa escolha. E ninguém será uma boa escolha enquanto a nossa atitude for apenas a oscilação quase esquizofrênica entre o “viva Odorico!” e o “morra Odorico”. Precisamos aprender a criticar, a ouvir críticas e, principalmente, fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para melhorar a situação, como na frase imortal de John Kennedy.

Entre Bolsonaro e Lula, fique com Dominguinhos

Fechando com poesia, como sempre, lembro os versos inspirados de Dominguinhos em “Quem me levará sou eu”; “Repare a multidão precisa, de alguém mais alto a lhe guiar”. Em outras palavras, precisamos líderes, guias, orientadores, nunca salvadores da pátria, oniscientes e onipotentes. Porque quem vai fazer o Brasil melhorar somos nós.

E quem me levará sou eu.  

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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