Eleições 2018: os cinco pustulantes
Ouso dizer que não houve na história da República brasileira uma eleição com um grau de incerteza tão alto. A menos de 45 dias do pleito, há cinco postulantes com chances reais de chegar ao segundo turno, sendo que um deles oficialmente ainda é candidato a vice.
Existem duas grandes questões em aberto, para as quais ainda não há resposta conclusiva, que serão decisivas para a configuração do cenário final:
1 – Qual será a relevância do tempo de rádio e TV na definição do voto?
Em 2014, foram fundamentais. Naquela época, as redes sociais já eram profundamente disseminadas e foram pouco relevantes. Não tivemos exemplos de candidatos que prosperaram somente a partir da sua efetiva utilização. Por outro lado, a propaganda eleitoral foi decisiva. Marina Silva que o diga, desconstruída pelo programa petista em um momento em que ela despontava como favorita.
Esse ano, os dois primeiros colocados nas pesquisas (Bolsonaro e Marina) terão poucos segundos de exposição, o que é um obstáculo não somente para a divulgações das próprias propostas, como uma vulnerabilidade diante dos prováveis ataques que receberão dos adversários.
Qual o grau de resiliência dessas candidaturas nesse cenário? O quanto vão resistir aos ataques? Bolsonaro começará o período de propaganda eleitoral uns 5 pontos percentuais acima da fronteira de classificação (que estou assumindo será ao redor de 15% dos votos totais). É uma boa margem inicial, mas ainda insuficiente para garantí-lo na segunda fase. A vice líder Marina encontra-se nessa região fronteiriça, perto dos 15%, e tem bom ‘recall’. Resistirá às investidas pela esquerda de Ciro e Haddad? Não sabemos.
A propaganda eleitoral também é o trunfo de Geraldo Alckmin para finalmente alçar voo. Estático em quarto lugar, o tucano conta com 44% do tempo de rádio e TV disponível a todos os candidatos. Qual será a efetividade do uso desse latifúndio?
O PT também conta com o período de propaganda eleitoral para difundir a ideia de que o seu chefe presidiário está encarnado em Haddad, e assim maximizar a transferência de votos. Sem o rádio e TV, seria uma missão quase impossível, já que grande parte do eleitorado de Lula, de baixa renda e escolaridade, é mais acessível através desses canais. Conseguirá efetuar essa migração rapidamente?
2 – Qual será a efetividade da transferência de votos de Lula para Haddad?
Mesmo condenado e preso, Lula é um grande puxador de votos. Mas o PT enfrenta um dilema: quanto mais tarde retirar de cena o candidato Lula, menor será o tempo útil para realizar a transferência. Cono se sabe, o espólio dos seus votos hoje seria bastante pulverizado, com Marina e Ciro sendo os maiores beneficiários. Será necessário um trabalho de ‘doutrinação’ de seus eleitores para redirecionar os votos e catalisar a candidatura Haddad. Não é automático. Nesse sentido, quanto mais tempo durar a encenação da candidatura Lula, pior para Haddad.
Oficializá-lo o quanto antes seria mais lógico. Porém, ao fazê-lo, Haddad estará automaticamente envolvido na pancadaria e sua candidatura alvo do tradicional processo de desconstrução. Hoje, como vice que não é vice, ele não apanha. Quando isso começar a ocorrer, servirá de contraponto à migração dos votos de Lula. Nesse sentido, quanto mais tempo durar o teatro, melhor para Haddad.
Qual seria então o momento ideal para tal anúncio e a capacidade real de transferência de votos? Mistério.
Ninguém tem respostas para essas perguntas e quem o fizer estará baseado em puro ‘achismo’. Mesmo assim, é possível avaliar as possibilidades de cada um, a despeito da nebulosidade do cenário.
Muitos dão como certa a presença de Bolsonaro no segundo turno. Superou a etapa dos primeiros debates e entrevistas sem brilhar, mas esteve longe de ser um desastre. Falou adequadamente para o seu público, repetindo os bordões que o popularizaram. Com o horário eleitoral, atravessará uma tormenta, já que seus parcos 8 segundos de TV não lhe permitirão se defender dos ataques que receberá. Parece ter atingido um teto mas intenções de voto para o primeiro turno e seu nível de rejeição, o mais alto entre todos os candidatos, será um grande obstáculo no segundo, onde por enquanto derrotaria apenas Haddad. Aliás, esse parece ser o adversário preferido para o capitão, cuja fama recente é muito decorrente de sua postura antipetista. Será que sobreviverá à tormenta?
Marina Silva é outra que será desafiada pela escassez de propaganda. Bem colocada nas pesquisas, onde aparece em um consistente segundo lugar, é a maior beneficiária do espólio lulista. A acreana leva uma vantagem em relação a seus adversários, consegue transitar com razoável aceitação pela centro esquerda, centro e até centro direita. Seu discurso pouco assertivo e avesso à polêmicas, se por um lado não empolga, também não causa rejeição, o que é uma vantagem em uma eleição onde se votará no menos pior. É uma sombra à candidatura de Geraldo Alckmin, pois se essa não emplacar, Marina tem grandes chances de ser abraçada pelo centro, caso também demonstre resiliência. Muita gente não acredita que ela se mantenha competitiva, mas o fato é que hoje, Marina passaria ao segundo turno, derrotaria Bolsonaro e seria eleita presidente do Brasil.
Se Geraldo Alckmin tivesse nas urnas o mesmo desempenho que demonstrou nos bastidores políticos, seria eleito no primeiro turno. O tucano dobrou a tradicional fratricida resistência tucana e arrebanhou uma gigantesca aliança ao redor de si, cobiçada por todos os candidatos. É dono de quase metade do tempo de TV e tem nessa vantagem sua bala de prata para enfim, decolar. Na última pesquisa Datafolha, cresceu de maneira consistente nas sondagens para o segundo turno, mas permaneceu ancorado próximo de 10% no primeiro. Precisa mexer o ponteiro até meados de Setembro, sob o risco de assistir ao desengajamento da base aliada, que serviu para lhe fornecer tempo, mas não hesitaria em exercer a traição ao primeiro sinal de fraqueza. Qual será a postura do tucano no horário eleitoral: partirá para o embate com Bolsonaro? Tentará se posicionar como o legítimo anti petista? Ressaltará sua experiência administrativa? Em relação ao tema corrupção, bastante caro à boa parte do eleitorado, Alckmin só está em situação melhor que a do PT, cujo chefe reside na cadeia. O telhado de vidro que seus aliados, partido, alguns de seus assessores e cunhado lhe proporcionam é tão extenso quanto seu tempo de TV.
Ciro Comes já desfrutou de dias melhores nessa campanha. Há pouco, esteve próximo de fechar com o Centrão e PSB. Perdeu o primeiro grupo para Alckmin e os socialistas para Lula, a quem Ciro serviu com lealdade por 16 anos (segundo seu próprio testemunho), que em contrapartida lhe desferiu um potente chute no traseiro. Isolado, ficou sem alianças e pouco maior que um nanico no horário eleitoral. Restou-lhe apelar para promessas impossíveis: vai tirar 63 milhões de brasileiros do SPC!! De boa retórica, o cearense tem contido o tradicional destempero de sua língua afiada, por quem morreu em outras ocasiões. As circunstâncias o tornam o menos cotado entre os cinco favoritos no momento, mas lutará para reverter o quadro. Terá que superar um desafio de posicionamento: traído por Lula, Ciro tem vontade de ‘esganá-lo, mas ao mesmo tempo não quer ferir a sensibilidade dos eleitores do ex-chefe, está em uma sinuca de bico, daí a invenção de soluções simples para problemas complexos para chamar atenção do eleitor. A maré está desfavorável.
Sem Lula, Haddad estaria no pelotão de baixo. O ex-prefeito paulistano sequer foi capaz de passar ao segundo turno da eleição de São Paulo enquanto exercia o mandato. Sozinho, não tem envergadura eleitoral. O dilema do PT, conforme descrito acima, é definir o momento correto de assumir sua candidatura. Tudo indica que sob orientação do chefe, o partido insistirá na encenação até o último minuto. Me parece uma estratégia ‘kamikaze’, por mais que a exposição antecipada do ex-ministro da educação traga à tona outros efeitos colaterais. Até que nível e em qual velocidade Haddad crescerá? Saberemos em breve.
Sejamos práticos, os demais candidatos não tem chance. Álvaro Dias carece de força para se tornar uma opção viável ao centro, é melhor senador do que presidenciável. Henrique Meirelles é o único a acreditar nas próprias chances, deve repetir o desastroso desempenho de Ulysses Guimarães e Orestes Quercia, Amoedo será uma grata surpresa se ultrapassar os 5% e Boulos quer se tornar conhecido, além de servir como linha auxiliar do PT.
A essa altura, nenhum oráculo é capaz de prever o desfecho da corrida, que é tão emocionante quanto desagradável. O Brasil repleto de problemas que aguarda pelo tira teima do segundo turno, não conseguiu produzir nada melhor para governá-lo. Uma pena.
Tempo: passe logo, de preferência, voando.