Brasil

O crepúsculo de uma era…

O crescimento pífio do PIB brasileiro no 1° trimestre de 2012, de apenas 0.2%, contrariando as expectativas  realistas que indicavam algo em torno de 0.5%, coloca o Brasil mais próximo dos países em crise do que daqueles mais blindados ao atual momento de estagnação mundial. Entre os BRICS, essa é de longe a performance mais apagada. Somado ao fato de que em 2011 tivemos um ano longe de ser brilhante, com crescimento de apenas 2.7%, há dúvidas crescentes sobre a capacidade da economia brasileira reagir e voltar a crescer de maneira mais robusta, dando vazão ao imenso potencial que segue preso às diversas amarras internas. Essa sequência de cinco trimestres medíocres não deixa muita dúvida: estamos assistindo ao crespúsculo de um modelo econômico.

O governo Lula teve o mérito de tornar o crédito acessível à maior parte da população. A participação do mesmo na economia mais que dobrou desde 2002, representando hoje praticamente 50% do PIB. O lançamento do ‘consignado’ permitiu que muita gente tivesse acesso a crédito barato (por conta do baixo risco de inadimplência) e esse produto é hoje um dos mais representativos no universo do crédito ao consumo. As políticas de transferência de renda, como o bolsa-família, amplificadas ao extremo (e propagandeadas mais ainda) também fizeram com que a classes D,E passassem a consumir um pouco mais do que os itens extremamente necessários para sobrevivência. Os estímulos aos financiamentos de automóveis viabilizaram a aquisição do primeiro veículo por  um contingente gigantesco de pessoas, a partir de crédito financiado à taxas acessíveis e prestações a perder de vista, que no momento mais otimista, chegaram atingir 60 meses, sem entrada. Também o BNDES  abriu as torneiras e inundou o mercado das pequenas, médias e grandes empresas com crédito mais barato, situação impensável em décadas anteriores.

Essa inundação de recursos na economia obviamente impulsonou diversos setores, uma vez que um país pobre e desigual como o nosso alimentava uma demanda reprimida para diversos tipos de produtos, transformada em desejo de consumo, materializado na primeira oportunidade que surgisse. E surgiu. Paralelamente, nosso eficiente agro-negócio e o setor de commodities primárias beneficiou-se de uma onda de crescimento mundial liderada pela China, que abriu-se ao mundo e passou a crescer vertiginosamente, demandando matérias-primas dos países ricos em recursos naturais.

Pode-se dizer que experimentamos na primeira década desse século uma ‘conjunção astral’ extremamente favorável, onde a demanda maior por matérias primas aumentou o preço das commodities, tornando nosso setor exportador tremendamente competitivo. Nossas reservas cambiais foram gradualmente engordando, com os superávits crescentes, a renda e o consumo das famílias aumentou, o crédito foi largamente disseminado, e a demanda maior gerou uma ocupação da capacidade produtiva. Todos esses fatores criaram pressão para um setor de serviços mais consistente e o mesmo também se desenvolveu a passos largos.

A sociedade como um todo se beneficiou; os mais pobres puderam comprar uma geladeira nova, a primeira TV de plasma, uma moto simples. Aqueles que já estavam no ‘meio da pirâmide’ adquiriram seu primeiro automóvel, começaram a andar de avião, melhoraram seu telefone celular, compraram um computador, viajaram. Os que estavam um pouco acima reformaram a casa, fizeram a sua primeira viagem ao exterior, compraram um carro melhor. E quem já estava no topo passou a adquirir mais produtos e serviços de ‘luxo’. Tal qual um efeito dominó, todos desfrutaram das benesses desse período glorioso. Talvez seu maior beneficiário tenha sido o próprio ex-presidente Lula, que surfou na onda da bonança como ninguém. É claro que ele teve seus méritos, afinal, poderia ter caído da ‘prancha’ – basta ver os caminhos tortos que nossos vizinhos ao sul tomaram – mas o contexto internacional foi amplamente favorável ao Brasil, que felizmente estava preparado para aproveitá-lo, pois na década anterior havia feito a lição de casa e estabilizou-se institucionalmente. Assim, quando o mundo mergulhou em sua mais profunda crise financeira desde o crash de 1929, em meados de 2008, tínhamos um arsenal razoável para blindar o Brasil de uma contaminação maior: reservas cambiais altíssimas, boa situação fiscal e poder de fogo para reduzir a taxa de juros e estimular a economia. De fato, nos saímos relativamente bem, com uma estagnação em 2009 seguida de crescimento recorde em 2010 (7.5%), que nada mais foi do que a recuperação do que havia sido perdido no ano anterior. Eis que chegamos em ano de sucessão presidencial com a economia ‘bombando’ como nunca antes na história desse país. Ninguém pode ser culpado por ter sorte…

O novo governo Dilma tomou posse em um mundo muito mais complexo do que experimentamos na década anterior: a Europa em uma crise profunda, expondo as feridas de governos gastadores, economias improdutivas e a insistente aderência a um modelo de bem estar social que não se sustenta mais (para quem quiser mais informações sobre a Europa, acessar o texto ‘A decorrada do velho continente’, nesse mesmo blog),  a China desacelerando o ritmo de seu crescimento, o que afeta em cadeia a demanda global por commodities, os EUA patinando, com a economia andando de lado e problemas políticos complicados decorrentes de uma nação cada vez mais dividida ao meio, sem contar com a sempre temerária situação no Oriente Médio, que a qualquer momento pode brindar o mundo com surpresas desagradáveis no ‘front’ político.

Internamente, o modelo que deu certo na década anterior dá claros sinais de esgotamento: a população já está endividada. Se excluírmos o crédito imobiliário, ainda incipiente no Brasil (por outras razões, que valem ser destacadas em texto futuro), o crédito ao consumo no país praticamente já atingiu o mesmo patamar que nos EUA, ao redor de 16% do PIB. Quase 25% das famílias já tem um comprometimento de mais de 30% da renda com dívidas financeiras (qualquer modalidade de empréstimo), indicador que já não permite que haja maior alavancagem da dívida, em condições normais. Os níveis de inadimplência encontram-se em patamares altos e particularmente no caso de financiamento de veículos, a situação é mais crítica, eles praticamente dobraram nos últimos 18 meses. Ou seja, não é um ambiente favorável ao maior endividamento. O governo escolheu a guerra contra as altas taxas de juros como mantra e os bancos como inimigos. Apesar de conceitualmente louvável, o propósito de reduzir as taxas (que já vem caindo gradualmente no agregado ao longo dos últimos anos) carrega a vontade de fazer ‘mais do mesmo’: estimular a economia através de mais crédito ao consumo. Melhor seria se o governo destravasse alguns obstáculos históricos para o crédito saudável, acelerando a implantação do cadastro positivo e desonerasse as operações financeiras, além de reduzir o compulsório dos bancos (montante que fica depositado no Banco Central e não pode ser utilizado para subsidiar o crédito). De qualquer maneira, ‘malhar’ os bancos é fácil. Desde que o mundo é mundo, as instituições bancárias não são muito queridas, por manusearem o elemento que acompanha os sete pecados capitais:  o dinheiro. Mas ao contrário do momento anterior, não temos mais um contexto favorável à expansão veloz do crédito como elemento propulsor da economia. Ou seja, apesar de popular, ou melhor, populista, o mantra da taxa de juros baixa é mais um ‘enxugamento de gelo’. O crédito seguirá crescendo, em um ritmo muito mais moderado, e não será o salvador da pátria.

Essa insistência do governo em resolver a situação através de estímulos à demanda é temerária. Nosso problema está na ‘oferta’. Temos um custo ‘Brasil’ que é uma exorbitância quando nos comparamos a outros competidores globais, é assim que devemos nos referir a outros países no mundo de hoje. O custo de produzir ou servir qualquer coisa dentro de nossas fronteiras é altíssimo, devido à confluência de fatores perversos, que seguem intocados por uma ação assertiva do governo. Alguns deles são extremamente evidentes:

 

Nossa carga tributária é vergonhosamente alta. Ela faz com que o custo da energia elétrica, majoritariamente gerada hidricamente (uma das formas mais baratas de geração), seja um dos mais altos do mundo. Energia é insumo básico para indústria. Outro dia li que o custo da utilização de gás (também importante insumo industrial) é cinco vezes maior aqui do que nos Estados Unidos. Até a água, abundante em nosso solo e sub-solo privilegiados, é muito mais cara aqui do que em outros lugares (tema do primeiro texto desse blog). Como não poderia deixar de ser, também temos o custo de telefonia celular entre os mais exorbitantes do planeta. Quase metade da conta é imposto. Para cada R$ 100 que uma empresa paga de salário a seu funcionário, praticamente outros R$ 100 são gastos em impostos e contribuições das mais diversas. É um valor sem precedentes no mundo. Melhor seria se a distribuição fosse R$ 130 em salário e R$ 30 em impostos e contribuições, apenas citando um exemplo simplista. Isso implicaria em 30% a mais de renda para os funcionários, um custo 20% menor para empresa, porém um regime de 70% a menos de arrecadação para o estado ineficiente. Difícil esperar que mude, mas algo deveria ser feito nesse sentido…

Nossa infra-estrutura é precária. A malha rodoviária é normalmente esburacada, perigosa e reduzida (exceção feita às excelentes rodovias estaduais paulistas), a malha ferroviária é praticamente inexistente para a dimensão do país, tal qual a navegação fluvial, nossos portos são limitados e com produtividade prejudicada pela burocracia infame que nutrimos em todos os setores da economica. A mobilidade urbana, um horror. São Paulo, uma das cinco maiores metrópoles do planeta, tem linhas de metrô e trens urbanos compatíveis com uma cidade cinco vezes menor. A situação de nossos aeroportos dispensa comentários. Quem já viajou para o exterior sabe a que estou me referindo. Qualificá-los como ruins, é pouco. E mesmo com um mega-evento esportivo batendo às nossas portas em 2014, as ações são tímidas para torná-los melhores. Isso custa caro para todos nós. É tarefa difícil expor o impacto dessa precariedade em números, mas seguramente gera desperdícios aviltantes, encarece o custo de transporte, de produção, de serviço, de vida.

Nossa educação é de baixa qualidade. No final dos anos 90, atingimos a universalização do ensino fundamental, mérito do governo FHC. Para um país com inacreditáveis 10% de analfabetismo, foi um grande feito. Uma década depois, não temos muito mais com o que se vangloriar. Mantida a universalização, a qualidade da educação progrediu a passos de tartaruga. Tartaruga nervosa, para ser mais preciso. Os burocratas do Ministério da Educação comemoraram os resultados do último teste do PISA (onde alunos do ensino médio de todo mundo testam conhecimento em matemática e intrepretação de texto), alegando que o Brasil foi um dos países que mais melhorou. ‘Uau’! Passamos de quase últimos, para quase últimos. De um universo de pouco mais de 60 países, subimos de 57,58 para 53,54. Para quem pensa grande, convenhamos, é um dos mais desastrosos atestados de incompetência. Imagine um estudante do segundo grau postulante a uma vaga na melhor faculdade disponível. Ele faz um simulado sobre os seus conhecimentos e constata que entre os 100 candidatos para 10 vagas, ele está posicionado no último quartil, ou seja, entre os 25 piores. Qual a conclusão? Ou esse sujeito cria vergonha na cara, e passa a estudar com afinco, disciplina, método, ou irá amargar uma retumbante reprovação. Não existe mágica. E no caso brasileiro, estamos na mesma situação do estudante do exemplo acima. No grupo dos piores. Como podemos esperar triunfar no futuro, se a nossa educação é de baixíssima qualidade? O pior de tudo é que em geral, os pais estão satisfeitos com a qualidade da escola. Infelizmente, não existe uma pressão consistente da sociedade  em relação ao assunto. A opinião pública não é sensibilizada por esse tema, que não vende jornal como os casos de corrupção, a vida das celebridades, os reality shows. Deveríamos exaltar os raríssimos casos de sucesso que existem, e torná-los modelos para uma educação mais qualificada. O governo deveria estabelecer metas audaciosas que se comprometessem a elevar a posição brasileira. Mas isso é um trabalho de formiguinha, dá frutos no longo prazo, e no curto prazo não rende votos. Merenda rende votos. Infelizmente, para os pais que tiveram pouca ou nenhuma educação, o fato dos filhos estarem na escola já é um avanço. Provavelmente esses filhos é que no futuro brigarão pela qualidade do ensino, peleja que não foi ‘assimilada’ pelos seus pais. Enquanto isso, a nossa mão de obra segue despreparada. O trabalho de qualificação tem que ser feito pelo empregador, pelas empresas, o que encarece mais o custo de produzir ou servir.

Nossa burocracia é uma erva-daninha que corrói a eficiência em todos os setores. Quem passou pela experiência de resolver qualquer assunto que requisite alguma ação pública sabe disso. Experimente abrir ou fechar uma empresa, vender ou alugar um imóvel, passar adiante seu carro. Quem tem experiência internacional sabe o quanto é mais fácil fazer  qualquer coisa lá fora. É claro que isso é verdade quando nos comparamos aos países do primeiro pelotão em termos de produtividade. Não vale se comparar aos africanos. Temos que olhar para o começo da fila, não para o final. E tal qual nos rankings de educação, nossa posição intermediária nos rankings de produtividade deveria ser motivo de indignação. A vitória contra a burocracia seria um grande propulsor de nossa produtividade. Para isso, não são necessários planos mirabolantes, ações voltadas à micro-economia resolveriam os problemas. Não vejo movimento nesse sentido.

Nossa cultura patrimonialista é um câncer que nos acompanha desde os nossos primórdios como nação. O brasileiro confunde o público com o privado e considera que uma vez empossado de alguma função pública, pode utilizá-la em seu proveito pessoal. Os casos de corrupção, malfeitio, nepotismo, abuso de poder, entre outros, são inúmeros e pipocam a todo instante. É bem verdade que eles sempre existiram, mas em outros tempos nunca eram levados ao conhecimento público. Hoje isso mudou. Ponto positivo. Mas ainda não vimos ninguém parar na cadeia por isso. No máximo, algumas noites e a defenestração pública. Avançamos, mas ainda estamos longe de um estágio plenamente civilizado. Vejam o caso Madoff, o milionário americano que aplicou um mega-golpe em milhares, descoberto durante a crise de 2009. Típico crime de colarinho branco. Lá no ‘Tio Sam’ ele foi preso e julgado em poucos meses e condenado à prisão perpétua. Imaginem uma situação similar no Brasil. O sujeito passaria uns dias em ‘cana’, mas através de ‘habeas corpus’, rapidamente estaria livre, e apesar de execrado pela opinião pública, continuaria frequentando as ‘altas rodas’, sendo recebido por políticos e autoridades com tapinhas nas costas. Patrimonialismo com impunidade resulta nesse tipo de situação.  Vergonha.

É claro que essas ‘mazelas’ não podem ser eliminadas no curto prazo e tampouco todas elas tem um fundo econômico. Mencionei a carga tributária, educação, infra-estrutura, burocracia e patrimonialismo (com impunidade). Não estão necessariamente sob o escopo do Ministério da Fazenda ou do Banco Central, mas fazem parte do nó que teimará em deixar nossa economia enroscada daqui em diante, sem dar vazão ao seu pleno potencial.

Ou encaminhamos mudanças radicais na maneira como tratamos os problemas acima, ou estaremos fadados ao crescimento medíocre. Já passamos a fase dos vôos de galinha do passado, mas agora podemos entrar no ritmo de um jegue preguiçoso, camuflado de cavalo de corrida. Para que a ambição de nos tornarmos uma grande nação desenvolvida seja mais do que um discurso populista movido a ações que ‘enxugam gelo’ e agradam à grande platéia, precisamos resolver essas pendências históricas. Esse governo tem capital político e popularidade para isso, resta saber se terá vontade, pois são mudanças trabalhosas e que potencialmente podem desagradar a muita gente.

O Brasil precisa entrar na era da racionalidade. Foi-se o tempo em que podíamos progredir no ôba-ôba, empolgados por discursos emotivos de um futuro brilhante que nos esperava e de uma conjuntura que nos acelerava. É sempre bom lembrar que a Grécia, hoje pária na Europa, assolada por uma crise desgraçada, tem renda per capita 2.5 vezes superior à brasileira, com todos, absolutamente todos os indicadores sociais bem melhores que os nossos. O mundo complexo de hoje exige respostas diferentes daquelas que foram exitosas no passado. Apesar do Brasil ter munição para se blindar contra uma crise de maiores proporções, andar de lado não é exatamente compatível com os anseios de uma nação de quase 200 milhões de pessoas, rica em recursos e potencial, que pode e deve fazer muito mais. É hora de despertar.

 

 

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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