Brasil

Uma guerra civil nas redes sociais

Nas redes sociais, o Brasil já está em guerra civil. Isso não significa que ela se transpostará para o mundo real, mas o clima virtual está para lá de belicoso. O ‘nós x eles’, instituído como mantra do presidiário mais querido, parece ter atingido seu apogeu.

O Facebook funciona como um reino com milhões de feudos, cada um deles com centenas de ‘associados’, normalmente de ideologias similares. Poucos são os sócios que destoam da linha de pensamento dominante. A diversidade ocorre somente em páginas de revistas, jornalistas ou jornais, que funcionam como praças públicas onde os grupos divergentes trocam sopapos e desaforos.

Tenho uma página ativa, com 4000 conexões e uma amplitude razoável, os posts repercutem inclusive fora da minha rede. Minha TL é frequentada principalmente por liberais, prova disso é o resultado de uma enquete para as eleições presidenciais feita há um mês, com quase 300 respondentes, na qual João Amoedo obteve 70% das intenções de voto.

É possível que haja algumas dezenas de esquerdistas associados ao meu feudo, mas poucos se atrevem a emitir comentários sobre as postagens, e quando o fazem, sabem que terão uma peleja em várias frentes. Sob os domínios da minha TL, ofensas são proibidas e a divergência é aceita, muito embora a ironia e o sarcasmo estejam presentes e algumas caneladas sejam distribuídas nas discussões mais acaloradas.

Recentemente, o bloco antes homogêneo de antipetistas se fragmentou entre bolsonaristas e seus contrários e o calor se intensificou. Misturados aos poucos mas ativos simpatizantes à esquerda, converteram minha TL em uma babel um tanto caótica, um boteco ruidoso. Raríssimos são os invasores, aqueles que entram sem serem convidados, empunhando a bandeira do PT. Compreensível, pois apesar do zelo que tenho em manter um ambiente cordial, ele não é exatamente convidativo aos extremistas, que poderiam se sentir como se estivessem com roupa de praia em uma festa de gala, ou vice versa.

Essa é a avaliação que faço de uma TL relativamente pouco belicosa, apesar de posicionar-se com clareza, sem neutralidade. Seria um reino com religião oficial, mas que permite a liberdade de credo. Minorias a exercem, mas sempre desconfiadas. Quando menos se espera, podem se surpreender com uma pedrada.

De vez em quando passo nos ‘feudos’ dos simpatizantes à esquerda que frequentam a minha TL. Provavelmente, experimento sensações semelhantes às que eles tem em meus domínios. Meu sentimento é que uma simples divergência indicando que estou no espectro ideológico oposto me torna alvo de ofensas. Já aconteceu algumas vezes. Isso obviamente é um desestímulo à frequência em territórios diferentes, e o túmulo do debate saudável.

Em ‘reinos’ radicais, a pancadaria rola solta. Quando o próprio anfitrião recebe convidados a botinadas, está dada a senha para o linchamento. Os argumentos racionais minguam e dão lugar aos desaforos. No final, ninguém se convence e os ânimos se acirram ainda mais.

Em páginas abertas, a violência faz parte do cenário. Também tenho experiência no assunto, pois publico textos do meu blog em uma página específica, com quase 5000 seguidores, dos quais apenas 1000 são conexões pessoais. Os artigos navegam em mar aberto, pois chegam às redes dos que seguem o blog e seus amigos. Esporadicamente, alguns tem grande repercussão e atraem comentários de todos os tipos, desde os construtivos até os raivosos. Ouço cobras e lagartos toda vez que critico o divino preso, e fui amplamente ofendido quando tratei das heranças malditas da ditadura. Um artigo desconstruindo tecnicamente uma proposta ruim do Ciro Gomes produziu mais de 20 mil visualizações e vários xingamentos, e com poucos dos seus autores foi possível dialogar. (Curiosamente, textos ácidos contra tucanos nunca atraíram defensores).

Em geral, o espaço para debate praticamente não existe. Olheiros podem frequentar ‘reinos opostos’, mas raramente se atrevem a emitir opinião, sob pena de serem atacados. Os poucos que o fazem, exercem o direito de expressão em locais minimamente controlados. Mesmo quando existe a tentativa de uma análise isenta, ela não é bem aceita. Eu mesmo, já fui chamado de petista (!!) e bolsonarista, em momentos diferentes.

As pessoas consomem informação muito rapidamente e a interpretação de texto pobre gera mais confusão. É preciso explicar quando um deles contém piada ou ironia, sob o risco de ferir sensibilidades. Um ruído na linha e começa o bate boca.

Me parece que atingimos um ponto sem retorno. Não creio em convergências possíveis, nem em tréguas. O ‘nós x eles’ venceu. É uma constatação infeliz, provavelmente não restrita ao Brasil, mas exacerbada por essas bandas. É triste concluir que o diálogo é impossível e que a razão é matéria prima rara.

Em que medida essa guerra civil travada nas redes sociais influenciará o cotidiano real? Qual o nível de esgarçamento da corda, esticada ao extremo pelos opostos? Quando ela se romperá?

Li recentemente que o consumo rápido e superficial de notícias estaria estimulando posições mais extremistas, já que a ponderação exige mais palavras, argumentos e tempo para assimilá-los. Com isso, o discurso moderado vem perdendo relevância. Essa parece a realidade brasileira, que pela primeira vez em sua história deve levar extremos ao segundo turno. O PT, em sua versão mais radical e raivosa, com seu chefe na cadeia e ressentido com a justiça que condenou vários de seus líderes por corrupção, e Jair Bolsonaro, há 28 anos no Congresso, ex- estatista e recém convertido ao liberalismo, notória metralhadora verbal, símbolo do politicamente incorreto e detestado pela esquerda. Tudo indica que serão os dois caminhos possíveis para o Brasil, o quê aumentará a fissura.

Meu reino no Facebook não é território neutro, já que minha posição antipetista é histórica, mas não histérica. Sou favorável à liberdade plena de expressão e devo exercê-la. Opiniões contrárias são bem vindas, desde que respeitem as regras do jogo, sem ofensas. A guerra se intensificará, não há dúvidas, mas dentro da TL desse escriba a vida seguirá intensa e sem submeter-se à gritaria reinante lá fora. Até o dia em que eu me canssr de tudo isso e partir para o auto exílio.

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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