Economia

O foguete brasileiro

Enquanto isso, na sala de projeto do primeiro foguete brasileiro…

Haddadson, o chefe da equipe, toma a palavra:

– Pessoal, reunimos esse time com as mentes mais brilhantes do planeta para tirar do papel o projeto do primeiro foguete brasileiro. Mas não só isso: temos aqui diversidade de visões de mundo, de modo que cada um vai aportar a sua opinião para construirmos o melhor foguete de todos os tempos!

Persikovsniski, o cientista russo, levanta a mão.

– Chefe!- Pois não Persikovsniski, fale.

– Longe de mim posar como dono da verdade, respeito a opinião de todos, mas acho que os cálculos balísticos estão incorretos.

– Por que?

– Os cálculos foram feitos desconsiderando a curvatura da Terra. E, como sabemos, a Terra é redonda.

Barbosman, o cientista alemão responsável pelo cálculo balistico, interrompe seu colega e fala de maneira exaltada.

– Como assim, “sabemos”? Esse é um consenso ultrapassado na ciência balística!Haddadson procura conter os ânimos.

– Calma, estamos aqui em uma equipe com diversidade de opiniões justamente para enriquecer a discussão. E se refizéssemos os cálculos considerando uma forma oval para o planeta?

Barbosman e Persikovsniski balançam a cabeça e dizem quase ao mesmo tempo: – Mas a Terra é plana (redonda), os cálculos ficarão errados!

– Certo ou errado são conceitos que não cabem em uma equipe com diversidade de opiniões. Devemos aprender a respeitar a opinião de todos. Acredito que a forma oval é a que mais se aproxima do consenso da equipe, concordam?

Os outros membros da equipe, que não entendem de balística, abanam a cabeça em concordância. Haddadson sorri, satisfeito por ter alcançado um consenso.

– Chefe!

– Sim, Persikovsniski, fale.

– Tem outra coisa: foi usada uma gravidade de 5 m/s2 para os cálculos, quando sabemos que o número correto é de 10 m/s2.

Agora foi a vez do cientista japonês Pokemon se exaltar.

– Como assim, “sabemos”? Einstein provou que tudo é relativo, não tem essa de se tornar refém de um número!Haddadson teve que exercer sua capacidade de coordenação de novo.

– Parece-me que temos aqui uma divergência apenas na superfície. Ambos concordam que a gravidade existe, estamos divergindo apenas em relação a um número. E se usássemos 7,5 m/s2?

Pokémon e Persikovsniski falaram ao mesmo tempo: – Mas esse número está errado!

Haddadson, já demonstrando alguma irritação: – Senhores, desse jeito não conseguiremos avançar. A equipe com diversidade de opiniões serve justamente para que tenhamos o melhor de todos. Vamos colaborar, por favor. Usaremos 7,5 m/s2 e ponto final.

– Chefe!Era Persikovsniski novamente, levantando a mão de maneira tímida. Haddadson não esconde o enfado.

– Fala, Persikovsniski.

– Desculpe-me interromper de novo, mas estou preocupado com o material usado na construção do foguete. Entendo a preocupação ambiental com o lixo espacial, mas penso que usar papelão reutilizável talvez não seja uma boa ideia.

O cientista chinês Xi Le Me Me Lo, autor da ideia do papelão, contrapõe com calma.

– Meu caro colega, estamos presos a esquemas ocidentais de uso de materiais, os mesmos esquemas que vem destruindo o planeta. Devemos acreditar em soluções alternativas.

Haddadson entra em campo para exercer a sua principal habilidade, atingir consensos.

– E se reforçássemos o papelão com fitas de metal?Persikovsniski: – Não é o suficiente!

Xi Le etc: – O metal vai poluir o nosso espaço!Haddadson não vê outra maneira de encerrar a discussão a não ser levar a questão ao voto. A maioria votou pela solução do chefe. Haddadson conclui a reunião, satisfeito:

– Senhores, estou orgulhoso do resultado alcançado. Tenho certeza que essa equipe diversa chegou ao melhor projeto possível!

Em poucos meses o foguete ficou pronto. Todo o povo brasileiro embarcou, e não vê a hora da decolagem. A contagem regressiva começou…

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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