STF × Lei: 7 a1?
1 – É ilegal uma empresa de fora não ter representante?
Depende do caso.
Trata-se de uma questão complexa e cheia de nuances.
O Código Civil foi elaborado antes da Internet. Lá diz no seu artigo 1.138 que uma empresa estrangeira para operar no Brasil precisa criar uma empresa aqui com endereço e coisa e tal, associado a pelo menos um brasileiro.
Entretanto, isso não acontece com um site, que foi uma novidade posterior à redação do Código Civil. Um site não equivale a uma empresa operando no Brasil. Ele disponibiliza um acesso ao mundo e alguém do Brasil pode ir no endereço do site e acessá-lo e virar usuário.
Se todo site, que aceitasse usuários brasileiros, tivesse que ter um representante legal morando no Brasil, aqui haveria milhões de representantes.
Um site é como se fosse uma ligação de vídeo, com atraso de ambos os lados, mas com centenas de ligações simultâneas acontecendo. É um tipo de comunicação acelerada milhares de vezes, mas não mais do que isso.
Um site estrangeiro que é disponível para brasileiros não se enquadra como uma empresa atuando no Brasil.
Por exemplo, a companhia aérea de baixo custo Vueling, sediada em Barcelona, vende passagens no Brasil pelo site e não tem representante no Brasil. E está tudo bem. Podemos facilmente dar centenas de exemplos similares. Ou seja, são empresas estrangeiras que fazem negócios no Brasil através de um site e absolutamente não têm representantes de qualquer espécie no Brasil.
Se isso não é suficiente para convencer o leitor, vou dar um exemplo anterior à Internet.
Vamos supor que eu quisesse um item na empresa Y só encontrável nos EUA em 1990, antes da Internet existir. Bem, eu poderia ligar para essa empresa Y (difícil na época) e pedir algo para essa empresa, não muito caro, e pedir que eles remetessem para o Brasil. Eu deveria previamente enviar o dinheiro via Western Union, que começou a operar em 1871.
Bem, isso funcionaria e um dia eu receberia meu produto.
Neste momento, eu virei um cliente dessa empresa Y, ou seja, e fiz um negócio com a empresa Y.
Isso quer dizer que, pelo código civil, essa empresa Y opera no Brasil e, assim, deve ter uma empresa aqui chamada Y do Brasil Ltda.?
A resposta é um sonoro claro que não!
Com o X é a mesma coisa. No momento em que ele deixa de operar no Brasil, fecha a empresa e demite todo mundo; ela passa a ser um site qualquer que tem brasileiros como usuários e fica, para efeito do Código Civil, na mesma situação da empresa Y citada acima, só que multiplicado por 1 milhão. Esta é a magia da Internet. No sentido clássico, ela não está mais fisicamente operando no Brasil, apenas permite a comunicação com o Brasil, como a Y “permitia” de maneira precária e, de certo modo, como a empresa Y poderia vir a fazer negócios no Brasil em 1990.
Alguns alegam que não é o Código Civil que determina a necessidade de representação física no Brasil, mas o própio Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), no caso de um site de Internet que opere no Brasil (No caso do X, para mim, me parece que o objetivo do ministro era ter um representante morando no Brasil apenas para o STF poder monocraticamente ordenar sua prisão). Examinei todas as referências no Marco Civil da Internet ás palavras brasil (de modo a abranger Brasil, brasileiro, brasileira), território e nacional e não encontrei nenhuma referência relevante.
Também não encontrei nada na única regulamentação que teve sobre o Marco Civil, o decreto 8.771, de 11 de maio de 2016.
Geralmente, como o Brasil é um país grande, com milhões de usuários potenciais, grandes redes sociais, costumam ter empresas constituídas no Brasil, como é o caso, por exemplo, do Reddit e do Pinterest, pelo potencial de negócios gerados. Nenhuma empresa abriria escritório no Brasil apenas pelos nossos belos olhos….
No entanto, por exemplo, a rede social “Truth Social” não tem nenhum representante no Brasil e eu tenho conta lá, assim com Trump e Kamala…. Só que esta rede ainda é pequena.
2 -É ilegal punir empresa por passivos de outra empresa?
Sim, na maioria dos casos.
É ilegal que qualquer eventual responsabilidade penal, civil, empresarial e fiscal, que eventualmente incida sobre uma empresa (no caso, o X), saia da esfera dos sócios, gestores e da pessoa jurídica dela e se transfira para outra empresa que não pertença ao mesmo grupo econômico, (a Starlink) mesmo tendo um sócio em comum (Elon Musk).
Inclusive isto viola um princípio básico do direito empresarial que é o respeito aos direitos dos acionistas minoritários.
Vamos detalhar isso:
O X (Twitter) é uma empresa privada com ações da Elon Musk (que é o sócio majoritário, por pouco). Depois temos a Vanguard Group, a Morgan Stanley, a BlackRock Inc e a State Street, dentre outros. O processo de aquisição da fatia que garantiu o controle do Twitter (agora X) foi concluído em 27 de outubro de 2022.
Já a Starlink é de propriedade da SpaceX e opera como uma divisão da empresa mais ampla. A própria SpaceX é de propriedade principalmente do Elon Musk Trust, que tem 54% do capital. O restante da empresa é dividido entre organizações financeiras como a Sequoia Capital – e até mesmo a empresa-mãe do Google, Alphabet.
Para quem quiser se aprofundar, está tudo cristalino no texto “𝐴 R𝑒𝑠𝑝𝑜𝑛𝑠𝑎𝑏𝑖𝑙𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑆𝑜𝑙𝑖𝑑𝑎́𝑟𝑖𝑎 𝑒𝑛𝑡𝑟𝑒 𝑆𝑜𝑐𝑖𝑒𝑑𝑎𝑑𝑒𝑠 𝐸𝑚𝑝𝑟𝑒𝑠𝑎́𝑟𝑖𝑎𝑠 𝑑𝑒 𝑢𝑚 𝑚𝑒𝑠𝑚𝑜 𝐺𝑟𝑢𝑝𝑜 𝐸𝑐𝑜𝑛𝑜̂𝑚𝑖𝑐𝑜 𝑝𝑜𝑟 𝐼𝑛𝑓𝑟𝑎𝑐̧𝑜̃𝑒𝑠 𝑎𝑜 𝐷𝑖𝑟𝑒𝑖𝑡𝑜 𝑑𝑎 𝐶𝑜𝑛𝑐𝑜𝑟𝑟𝑒̂𝑛𝑐𝑖𝑎” de 2016 do advogado empresarial Renan Cruvinel de Oliveira, mesmo que o texto verse apenas sobre um campo do direito.
É muito tentador cair em patriotada, e considerar isso apenas uma guerra entre o Musk e o Brasil e com isso puxar sardinha para “nós”.
3 – É ilegal o STF ordenar retirada de um conteúdo?
É ilegal, porque qualquer crime contra a honra, mesmo quando a vítima é alguém com foro privilegiado, deveria gerar um processo em primeira instância.
Uma vez, instaurado o processo, apenas envolveria o STF se o réu não voltasse atrás em suas afirmações e as mantivessem, que configuraria a figura de exceção à verdade, como determina o artigo 85 do código de processo penal.
Na prática, isso significa que se alguém acusa um ministro do STF de um crime e quando processado por calúnia, alega que a acusação é verdadeira, o réu passa a ser o acusador, e aí essa vertente pode ser analisada pelo próprio STF.
Em suma, o foro privilegiado é aplicado em casos em que a pessoa com foro privilegiado é o réu e não a vítima.
O fato é que, mesmo a ordem de retirada de conteúdo, precisa de um rito, antes dele acontecer.
O artigo 19 § 1º do Marco Civil da Internet afirma que pode ter uma ordem judicial para retirada de um conteúdo que prejudique alguém. No entanto, é preciso que haja uma identificação clara e específica do conteúdo apontado que gerou o dano, que se caracterize por um crime previsto no Código Penal, que pode ser ameaça (artigo 147 do CP), calúnia (artigo 138, é uma mentira sobre o alvo, que implica na imputação de um crime) e difamação (artigo 139, idem, mas de um fato que não é crime) Em alguns casos muito virulentos, pode-se enquadrar como injúria (artigo 140).
O artigo 5 da Constituição afirma que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. É óbvio que a limitação deste artigo se dá quando esta manifestação implica em algum crime, como referido acima.
Em situações práticas, em casos clamorosos, o juiz poderia vir a antecipar esta retirada, através da tutela de urgência.
Só que a a lei é muito vaga. Usualmente, se uma pessoa se sente ofendida, ela entra com uma ação e se a coisa for flagrantemente grave, o juiz pode dispor dessa tutela de urgência. mas é lógico que o espírito da lei não é abusar do uso deste expediente. E também não é razoável que a própria “vítima” seja o juiz que determine isso, por não estar previsto em lei e ainda constituir um claro conflito de interesses.
Claro que a lei pode colidir com questões práticas, em alguns casos. Suponha que alguém use a rede social para fazer uma clara ameaça direita ou indireta (incitação para terceiros cometeram um assassinato, por exemplo) à integridade de um membro do STF. Neste caso, a questão pode se tornar uma caso de segurança nacional.
⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇⬇
Atualização: Hoje (2/9) o Estadão publicou um relato, que, se verdadeiro, pode enquadrar pelo menos parte da totalidade dos perfis, cujo bloqueio foi solicitado, no quesito de segurança nacional citado acima. O X publicou. a partir do perfil Alexandre Files, com autenticidade verificada, criada pelo próprio Elon Musk, a decisão de AM, que contém justificativas dos pedidos de bloqueio de vários perfis, que precedem o pedido da nomeação de um representante legal do X em 24 horas. Abaixo segue alguns trechos:
“A ordem inicialmente não cumprida era para bloqueio de usuários envolvidos no que foi apontado como uma campanha de intimidação e ameaças a membros da Polícia Federal que investigam atos antidemocráticos e milícias digitais. …. “Constatou-se que diversas pessoas passaram a aderir à campanha de intimidação dos policiais federais, iniciada por Allan dos Santos, por meio do envio de e-mails anônimos, de exposição de dados pessoais, de publicações de fotografias dos policiais e/ou de seus familiares em redes sociais … “um macaco de pelúcia azul foi pendurado no limpador do vidro traseiro do carro pessoal do delegado Fábio Shor”. Segundo a investigação, seria um “claro recado de que seus autores conhecem o veículo e o local de residência do servidor, como mais uma forma de intimidar sua atuação nas apurações de organização criminosa no STF”
Nesta matéria do Poder 360 (2/9), está a íntegra da decisão de Alexandre Moraes referida acima de 18 de agosto. Contém muitas páginas detalhando os estratagemas usados por vários perfis em várias redes sociais, incluindo contas de menores, expondo dados pessoais de policiais federais, delegados da PF e suas famílias, ligados a alguns inquéritos abertos, incluindo um dos processos de Bolsonaro. Em relação às postagens, seria possível buscá-las nas contas citadas para ver se elas têm o teor descrito (creio que sim porque isso seria facilmente refutável pelo staff do X). Quanto às outras afirmações, elas estão sob o manto do sigilo das investigações.
⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆⬆
Fora essas questões, no campo do banimento seletivo nas redes sociais paira uma bruma de mistério.
Várias pessoas denunciaram sumiço de postagens e contas, mas não existe a lista completa das postagens e contas que foram banidas, muitas vezes o autor do post considerado ofensivo sequer é notificado. Todas essas postagens continham insultos e/ou injúrias e/ou calúnias e/ou ameaças? Ou será que algumas dessas postagens são apenas críticas sóbrias e não insultuosas, mas incomodaram pelo fato de ter sido feitas por pessoas influentes? Por que banir contas inteiras e não apenas algumas postagens? Todos pedidos são baseados em processos abertos?
Ao que tudo indica, existem muitos processos correndo em sigilo. Não há como saber porque não há transparência.
Para citar uma fonte da grande imprensa “insuspeita”, vale à pena, referente à essa questão, ler sobre um caso específico em uma extensa reportagem da Folha de São Paulo.
4 – O X precisa seguir uma decisão do STF se for ilegal?
Aí a resposta é, digamos, meio desapontadora para alguns.
Precisa! Não digo que é certo ou justo cumprir uma ordem legal que o alvo (ou quase todos juristas) considere ilegal, mas a pessoa precisa estar disposta até a passar um período preso (que, em muitos casos, seria um abuso da lei). É puro bom-senso e amor próprio, que alguns até podem chamar de egoísmo e/ou covardia.
Quem prega que se deva descumprir uma ordem do judiciário (ainda mais oriunda do STF) pode estar sendo hipócrita se esse conselho não se aplicar à própria pessoa que dá este tipo de sugestão. É muito fácil defender que outras pessoas façam algo arriscado, se quem diz isso jamais teria coragem de fazer o mesmo.
Caso a pessoa realmente acredite que não irá cumprir ordens judiciais as quais ela não concorda, esta pessoa pode não estar no seu juízo perfeito, mas, devo admitir que ela é muito corajosa.
Tanto em relação à leis, quanto ordens judiciais, sem considerar a questão ética e moral, o respeito à ordem constituída em cada caso é uma avaliação de custo x benefício: fumar em varandas de restaurantes no Rio de Janeiro é hoje em dia um ato de baixíssimo risco, assim como, a partir de agora, uma pessoa não famosa acessar o X via VPN idem, pois qualquer boa VPN não fornece uma referência aos sites visitados no provedor de acesso.
Voltando para a questão posta: O X, enquanto fisicamente presente no Brasil, deveria seguir as ordens dadas, MESMO que o Elon Musk tenha convicção da ilegalidade dessas ordens, porque no Brasil uma decisão da suprema corte deve ser seguida, ainda que que seja considerada ilegal pela grande maioria dos juristas renomados no Brasil, porque esta corte é a a palavra final no Brasil e na maioria dos países. Quer queiramos ou não, é assim que funciona.
Foi isso, por exemplo, o que aconteceu em 2017 quando o então ministro do STF Ricardo Lewandowski presidia a sessão do Senado que decidiu pelo impeachment da Dilma, que Lewandowski acatou, MAS ele resolveu, por conta própria, manter os direitos políticos da Dilma Rousseff, indo em um caminho totalmente contrário do que determina explicitamente a Constituição brasileira no parágrafo único do artigo 52, que versa sobre a destituição de autoridades públicas:
Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
O inciso I refere-se justamente aos cargos de presidente e vice-presidente.
Elon Musk é a pessoa mais rica do mundo e tem, para mim, o ego quase do tamanho de sua riqueza (já outros o veem como paladino da liberdade de expressão e da democracia). A verdade não sabemos, pode ser qualquer coisa. Ainda não sabemos ler pensamentos.
O X (antigo Twitter), uma de suas empresas, foi adquirida em 2022. O X não tem enfrentado problemas não só no Brasil (há conflitos com governos na Europa continental, Reino Unido, Austrália e Canadá) e Musk não adota a mesma régua em todos os lugares (Há recuos do X na Índia, Turquia, Arábia Saudita e China).
Acredito que ele deveria estar olhando com mais atenção aos interesses econômicos do X, o que parece que está, por vezes, em segundo plano. Afinal, os problemas do Musk com o X não se limitam aos conflitos e à questão da censura, mas à própria gestão e saúde financeira do X, também abalada com o boicote de muitos anunciantes.
Entretanto, no momento que o X deixa o país, demite todos seus funcionários e fecha a empresa, Elon Musk não é mais obrigado a seguir as leis do Brasil. Eventualmente, ele pode vir a ser proibido de pisar em território brasileiro, mas não mais do que isso.
Proibição de acesso ao X na prática
Um toque de humor é a forma que o STF fez a notificação: pelo próprio X!
Isto para dizer o mínimo, é totalmente heterodoxo em termos de notificação judicial.
Algumas pessoas dizem que o STF descumpriu a própria ordem ao postar no X a notificação. Isto não é correto porque a decisão diz:
APLICAÇÃO DE MULTA DIÁRIA de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) às pessoas naturais e jurídicas que incorrerem em condutas no sentido de utilização de subterfúgios tecnológicos para continuidade das comunicações ocorridas pelo “X”, tal como o uso de VPN (‘virtual private network’).
Se a redação fosse um pouco diferente, sem o termo subterfúgio tecnológico, aí teríamos uma situação kafkiana: O STF estaria descumprindo sua própria ordem!
Obviamente qualquer postagem feita no X antes dele cair ou feita no exterior não é ilegal porque não se trata de um “subterfúgio tecnológico”, no máximo, pode ser rotulado como “subterfúgio não tecnológico”.
Além disso, como um leitor de uma versão prévia deste artigo assinalou, não se pode obrigar que todo brasileiro conheça o teor de decisões judiciais, se ele não for parte envolvida. Nenhum cidadão pode alegar desconhecimento da lei, mas decisão judicial não é lei. Se alguém está de férias, fazendo uma desintoxicação virtual, volta para casa, e, já sendo usuário regular de uma VPN, acessa o X; com certeza não está descumprindo uma ordem judicial, ele simplesmente não tomou conhecimento dela.
Mesmo a proibição de acessar o X via VPN é quase impossível de fiscalizar e multar porque a maioria dos VPNs fazem com que nem o provedor saiba os sites que alguém visitou, a não ser haja uma denúncia que alguém está atualizando o X e o STF determine um mandato de busca e apreensão.
Isto obviamente não impede o STF de interpretar criativamente a lei, se descobrir que um desafeto atualizou o X do exterior.
Além disso, processar alguém por descumprir uma ordem judicial pode ser algo seletivo. Por exemplo, o STF pode tomar conhecimento que um jornalista famoso está usando a VPN para acessar o X e cruzar os braços.
O bem comum
O banimento pelo STF do acesso ao X (Twitter) no Brasil, como meio de pressão sobre o X, trará prejuízos, de diferentes calibres, para milhões de brasileiros, inclusive no campo dos negócios, que abrange muitas mídias, pequenos e médios negócios.
Hoje o X é (era) a maneira mais instantânea de se informar, mesmo sobre eventos perto de onde as pessoas moram, como enchentes, desastres etc.
O que o STF fez cassando o X no Brasil é similar a brigar com a Kibon, e, a partir da recusa da empresa em acatar decisões judiciais, o STF proibisse o Sol de emitir calor para não estimular as pessoas a tomarem sorvete. O que o Sol tem a ver com a Kibon?
Outra possibilidade seria o STF punir a Light por algum passivo, forçando ela a cortar a luz de todo mundo.
Aí alguém pode dizer, ah, mas o X se beneficiará se o acesso a ele fosse mantido no Brasil. Ora, bem menos, porque afinal o X fechou sua sede no Brasil, inviabilizando muitas parcerias. Além disso, o preço dessa externalidade negativa é bastante elevada para muitas pessoas.
Uma visão mais abalizada e técnica da desproporcionalidade da suspensão do X no Brasil em punição ao descumprimento de ordens judiciais é a visão do jurista André Marsaglia, citando o inciso IV do artigo 774 do Código de Proceso Civil.
Adicionalmente, o STF, de forma monocrática, tentou (depois voltou atrás) proibir a Apple Store e a Google Play de vender aplicativos de VPN. Neste caso, mais ainda que no caso da Starlink, o STF estaria afetando empresas que nada tem a ver com o pato, sem nenhum sócio em comum. Além disso, a VPN tem muitas utilidades, além de acessar o X do Brasil.
A Starlink é a maior fornecedora de internet banda larga via satélite do Brasil, com 200 mil utilizadores. Se o STF, de forma monocrática decretasse a suspensão dos serviços, isso causaria grande impacto, especialmente na região norte do Brasil, e a pressão sobre o STF seria de toneladas.
Uma externalidade negativa aberrante, ainda que a fiscalização seja extremamente difícil, é a multa imposta a todos de 50 mil por dia para quem tentar acessar o X via VPN. E se o usuário precisar salvar seus dados do X? Que se exploda?
A proibição de acessar o X via VPN se baseia em que leis? Foi aberto um processo sigiloso contra todos os usuários do X no Brasil? Pessoas externas a um processo sigiloso podem sofrer sanções? E se alguém viajar e acessar o X no exterior, a Interpol prende? Qual a proporção de brasileiros tem capital para pagar 50 mil por dia? por que 50 mil e não 5 mil ou 500 mil por dia? Terá execução fiscal dos inadimplentes dessa multa? E se o infeliz não puder pagar? 17 anos de prisão? Pena de morte?
A lei é soberana
Mas felizmente ou infelizmente (dependendo do ponto de vista) , a lei vem em primeiro lugar, até mesmo do que pretensamente é justo. Caso contrário, não estaríamos em uma sociedade de direito, e prevalece o discurso do “Eu faço isso, porque EU acho isto certo”.
Só que em Direito não existe bom-senso, já que ele é muito subjetivo. Nenhuma empresa ou indivíduo é obrigado a fazer nada que não esteja expresso em alguma lei e nem a deixar de fazer algo, se a lei não proibir explicitamente. Não existe essa coisa de “isso deveria ser proibido” ou “Aquilo deve ser feito, porque é justo”.
Podemos até concordar que em muitos casos a lei não é justa e o que é justo não está contemplado na lei, mas enquanto não está preto no branco, tudo isso são questões opinativas e subjetivas. Para valer de fato, precisa estar na lei!
Por que precisamos de leis?
O arcabouço legal existe por um motivo.
Imagine se não houvesse esse balizador: as autoridades invocariam qualquer coisa a qualquer momento.
Mesmo vendo várias vezes ela sendo flagrantemente desrespeitada por autoridades, a lei ainda serve como uma bússola para a maioria das questões quotidianas.
Se não precisa de lei, só precisa de quem exerça o poder?
O que pode ser feito?
Penso que questões envolvendo a coletividade deveriam ser tomadas pelo plenário do STF e não estarmos à mercê dos caprichos de uma única pessoa.
Acho essencial que o STF mudasse sua regulamentação para limitar o alcance de decisões monocráticas, o que pode ser bem difícil, pelo espírito corporativo de um grupo de pessoas que trabalham juntas e acumulam tanto poder em em grupo tão restrito de 11 pessoas.
Fora essa questão, só o Congresso, que tem uma credibilidade bem questionável no geral, pode tentar fazer com que o STF se volte apenas para suas atribuições constitucionais (artigos 102 e 103) e pare de legislar, dar ordens e abrir processos, quando o foro apropriado seria a primeira instância, que é o caso de todos os processos que não envolvem como réu uma autoridade que tem foro privilegiado.
Quanto a nós, podemos apenas espernear, escrever e fazer manifestações pacíficas e ordeiras, mas dentro da lei, sem injúrias, calúnias, difamações, ameaças, sem bloqueio de vias públicas importantes sem autorização e sem vandalismo; mesmo que existam arbitrariedades vindas de cima.
Não há outro jeito!
Seus comentários estão cheios de posições políticas. A decisão do STF é correta. Qualquer empresa que opera no Brasil deve ter um representante legal. Fim.
Excelentes considerações, Paulo. Parabéns!
O primeiro ponto não faz sentido. Existem algumas trocas comerciais que são toleradas por serem mínimas, mas a medida que há um relacionamento comercial entre uma empresa e consumidores/usuários brasileiros, essa empresa precisa de representantes no país e de seguir as leis do país. Independentemente de ser um site na internet ou uma empresa tradicional.
O segundo ponto fala sobre os donos das empresas americanas X e Starlink. Moraes considerou que o Twitter Brasil e a Starlink Brasil pertenciam ao mesmo grupo. As empresas brasileiras provavelmente têm estrutura acionária diferente da matriz e não via ainda se isso justifica ou não a decisão.
Para o terceiro ponto, a lei que foi usada para retirar os conteúdos não foi de difamação, mas sim as leis especiais para o pleito eleitoral. Essas leis são mais severas e podem sim ser usadas nesse contexto sem um processo mais longo.
Paulo,
Texto sintético e esclarecedor.
Se tivéssemos uma Lei, um marco claro para a internet, como fizeram os Europeus, a situação estaria mais clara, mas o congresso não fez a parte dele. Sou contra a censura, mas é preciso discutir bem os limites de postagens criminosas ou não. Assunto não trivial, mas deixá-lo a cargo das empresas, que ganham dinheiro com tráfego de mensagens e produção alheira, não!
Acredito que precisamos de uma lei clara e atual para fazer frente a alguns descalabros que acontecem nas redes. Não é possível um pedófilo, aqui um caso extremo, ficar cooptando jovens e compartilhando fotos, imaginando que uma família entrará na justiça, esperará dias ou meses uma ação. É preciso uma “lei mais ágil, digital, e não analógica” ,e uma responsabilização mais rápida dessas “Big Techs”. Os Franceses mandaram prender o dono do Telegram , porque o fato que mencionei acima, ocorreu lá.
Obrigado pelo seu texto.
William Rachid Junior
Valeu pelas palavras, William Rachid, a Internet trouxe muitas questões completas e difíceis soluções, mas isso não acorreria, neste caso, porque o Elon Musk pode ser audar, mas não é louco. O X censura pedofilia, sexo explícito etc.
Paulo,
Agradeço o retorno. Não sabia que o X já “controla o conteúdo”, e penso que poucos sabem, porque nas mensagens do Elon Musk, ele deixa implícito, que o X não faz isso, porque seria uma censura. De qualquer forma não é o caso do Telegram. Veja, como mencionou a regração das redes é um assunto complexo e no meu ponto de vista não se pode deixar que os donos das empresas usem o “bom-senso” do que moderar ou não.
Abs
William
Sem dúvida. E a coisa está complicando. Nada é simples quando se aprofunda.
Veja https://www.estadao.com.br/politica/elon-musk-expoe-decisao-sigilosa-alexandre-de-moraes-stf-bloqueio-x-twitter-ignora-investigacao-ameaca-delegados-nprp/
e isso
https://www.poder360.com.br/poder-internacional/quanto-mais-souberem-pior-sera-para-moraes-diz-musk/
(que contém a íntegra de uma das decisões de AM).
Estou pasmo. Fiz até um update no artigo.
Paulo,
Muito orbigado. Lerei os aritogs que me enviou.
Abs e sucesso!
William Rachid
Paulo,
Muito orbigado. Lerei os aritigos que me enviou.
Abs e sucesso!
William Rachid