Seguindo em frente.

Revolução, Golpe ou Contragolpe?
Qualquer que seja o nome que se dê para o movimento ocorrido em 31 de março de 1964, o que se percebe é que na esmagadora maioria das análises sobre esse momento tão conturbado de nossa história, sobra paixão ideológica e falta honestidade intelectual .
Todo evento histórico tem um contexto que nunca poder ser ignorado e não é diferente quando se analisa o que aconteceu por ocasião da deposição de Jango.
Buscar entender um processo, a lógica que o permeia, nem de longe quer dizer aprovação ou reprovação, mas sim o desejo de ir mais a fundo fugindo de uma polaridade boboca, rasa, tão típica de nossos tempos.
Uma análise minimamente isenta leva à constatação de que muitos dos que fizeram oposição ao regime durante a Ditadura Militar não pretendiam de fato fazer do Brasil uma Democracia, mas sim uma Ditadura nos moldes da que até hoje oprime o povo cubano.
Nesse sentido, o jornalista Fernando Gabeira tem um importante e honesto depoimento sobre esse período, como pode ser ver no vídeo abaixo.
O movimento que tomou o poder em março de 1964 foi antes de tudo político-social, com amplo apoio da população, do empresariado e dos meios de comunicação.
Contudo, esse movimento foi além da ruptura de um mandato presidencial, se transformou num longevo regime de exceção, o mais longo da América do Sul, período histórico ricamente documentado na série de cinco livros do jornalista Elio Gaspari.

Do 31 de março de 1964 à eleição de Trancredo Neves, a obra de Gaspari é leitura obrigatória para se entender a história recente do país.
Durante a Ditadura Militar, o país se tornou palco de uma guerra suja, de um lado tortura, censura e execuções, do outro, sequestros, terrorismo e justiçamentos.

Deixar os excessos de ambos lados para trás, foi o que se buscou em 1979, através de um grande pacto envolvendo todo o espectro político brasileiro, quando foi aprovada a Lei da Anistia, que tinha como slogan: Anistia, ampla, geral e irrestrita.

“É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares“
(Hino de uma época, em alusão ao clima de Anistia, “O Bêbado e a Equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco, na voz da inesquecível Elis, falava da “volta do irmão do Henfil (Herbert de Souza, o Betinho) e de tanta gente que partiu”)
De 1979 à 1985 o Brasil caminhou na direção da redemocratização, inicialmente com a volta dos exilados políticos, posteriormente com a vitória de Tancredo Neves em eleição indireta contra Paulo Maluf no colégio eleitoral.
Em 1988, Ulysses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte proclamou a nova Constituição Federal, a “Constituição Cidadã”. Reflexo de um momento histórico, ainda no frescor da vivência de um regime de exceção, ao invés de um conjunto de valores para nortearem o país, a nova Constituição acabou se tornando um tratado de muitos direitos e poucos deveres.
Em 1989 o Brasil foi às urnas e elegeu Fernando Collor como Presidente da República, na primeira eleição direta desde 1961 quando Jânio Quadros havia sido eleito. Finalmente o Brasil voltava a ser uma Democracia.
Desde então passamos por mais sete eleições diretas para Presidente, mas mesmo assim, cinquenta e sete anos depois, do Presidente Jair Bolsonaro aos seus opositores, todos insistem em seguir nessa areia movediça histórica que se iniciou em 1964.
Nossa classe política é medíocre, fundamentalmente formada por gente incapaz de seguir em frente e deixar para trás aquilo que em 1979 se acordou superar.
Reféns do passado, rasos, por conta de um proselitismo chulo, os políticos brasileiros preferem abrir feridas, do que ter a grandeza de amadurecer e escrever uma história de melhor sorte para nosso país.
O passado não se muda, o futuro se constrói, é certo que a História ensina, mas é pra frente que se anda.
Sobre o tema, vale a pena a leitura do texto brilhante de Marcelo Guterman, aqui no Papo de Boteco:
https://papodeboteco.net/brasil-princ/31-de-marco-ou-1o-de-abril/