Opinião

Pílulas de empreendedorismo: O valor do ‘network’

A minha migração da vida corporativa, onde percorri 24 anos de estrada, para o empreendedorismo, ocorreu de forma gradual e planejada, mas essa é uma história que não cabe em um texto simples, são vários capítulos ainda a serem escritos um dia. A experiência como empreendedor, apesar de breve (menos de 2 anos), tem sido intensa e me oferecido muitos momentos de aprendizado que pretendo compartilhar sinteticamente em uma série de artigos. O que segue trata de uma variável absolutamente essencial para o sucesso de qualquer empreitada e que pode inclusive ter o mesmo valor na construção da carreira no mundo corporativo: sua rede de relacionamentos ou ‘network’.

O nascimento da minha empresa se deu através de um café estendido após uma reunião de trabalho, absolutamente despretensioso. Era mais um dia rotineiro de agenda apertada, quando fui apresentado ao representante de investidores em uma ‘start-up’ que buscava oportunidades de parceria com a empresa onde trabalhava. Também egresso do Citibank e HSBC, logo constatamos que tínhamos vários amigos em comum e terminada a pauta, demos sequência à conversa interpessoal, que incluiu as atividades atuais, quando percebi que o Fundo que ele representava podia se interessar em se associar ao negócio que eu e outros sócios pensávamos em lançar, com base em nossa experiência prévia. Esse foi o embrião de tratativas que duraram 6 meses e culminaram com a fundação da empresa em que seria um do sócios e pela qual abandonei minha carreira corporativa para me lançar em uma aventura empreendedora, o resto é história.

Nunca dispense um café. E jamais negligencie o poder embutido na sua rede de relacionamentos. Seres humanos são animais sociáveis e esse é um dos alicerces dos avanços na civilização ao longo dos tempos. Fôssemos eremitas não colaborativos, ainda viveríamos em cavernas. É impossível você crescer em uma organização ou criar empresas de sucesso sem ter que estabelecer relacionamentos, seja com chefes, pares, sócios, investidores, fornecedores, funcionários ou clientes. Tanto a qualidade quanto a extensão dessas relações podem impactar sua vida profissional.

Obviamente que a qualidade de sua rede de relacionamento se mede pelo grau de interação que você tem com ela. Em tempos de redes sociais, o sujeito pode ter milhares de conexões estabelecidas, mas altamente superficiais e de contato reduzido. Por outro lado, mesmo alguém que não seja seu ‘usuário’ pode manter um ‘’network’’ limitado, porém de maior profundidade e consequentemente melhor. Também é evidente que a ‘quilometragem’ é variável importante, não é possível exigir de alguém mais jovem a mesma amplitude e diversidade de relacionamentos de quem já tem anos de experiência. Tal qual uma árvore, que precisa diariamente de água para crescer, uma ‘rede’ de qualidade precisa ser cultivada.

O mundo corporativo das empresas costuma dragar as pessoas para a sua bolha, de tal modo que a maioria das interações no tempo livre ocorre dentro do mesmo ambiente. Não raro, as pessoas restringem seus contatos aos que compartilham de interesses profissionais similares. Trata-se de uma âncora que diminui a aptidão de executivos de sucesso a se lançarem em aventuras empreendedoras. O empreendedor, pelo contrário, não pode se restringir ao seu universo de atuação. A necessidade de desenvolver um ecossistema com sócios, fornecedores, investidores e clientes desde o ‘nada’ obriga o foco na construção de uma sólida rede de relacionamentos, que pode ser o divisor de águas entre o seu sucesso e o fracasso.

A quantidade de negócios criados ou aperfeiçoados, parcerias estabelecidas, sociedades firmadas ou profissionais contratados a partir da utilização da rede de relacionamentos é incalculável. Por mais que possa parecer trabalhoso cultivá-la, e de fato requer disciplina e dedicação, é uma iniciativa com retorno garantido, tanto no âmbito pessoal, e principalmente no profissional, foco desse artigo. Mas é importante não confundir ‘network’ com a quantidade de contatos no seu ‘Linkedin’. Em tempos de conectividade a partir de um click, a empatia e profundidade nas interações seguem sendo muito mais poderosas. Se enganam os que pensam que uma mensagem oferecendo seus serviços imediatamente após o estabelecimento da conexão é algo eficiente, eu classificaria como intrusiva e inadequada. Ao invés de cultivar relacionamentos, ao fazer isso você está simplesmente sendo uma pessoa chata. Há que se ter cuidado para não ultrapassar os limites do bom senso.

Se maus exemplos existem, os bons são igualmente frequentes. Já presenciei muitos ótimos negócios serem estabelecidos pelo Linkedin, assim como contratações de sucesso, parcerias comerciais etc., trata-se de uma ferramenta indispensável no mundo atual. Também sou testemunha de amizades construídas a partir de interações no Facebook e que culminaram em parcerias comerciais. As redes sociais são parte do mundo contemporâneo e sua gestão adequada pode contribuir para enriquecer e sedimentar seu ‘network’, lembrando sempre que relacionamentos podem até ser iniciados com um ‘click’, mas são construídos a partir de interações, empatia e interesses convergentes, que inevitavelmente culminam em contatos reais, além dos virtuais.

Eu defendo a tese de que ‘não se pode desperdiçar um café’. Se em 10 conversas informais, somente uma delas se converte em uma grande oportunidade de negócio, as 9 infrutíferas foram ‘pagas’. Eventualmente, sua má vontade em realizar a décima pode lhe custar exatamente o bilhete premiado. Muitas vezes, interações de hoje que não renderam nada podem resolver seu problema de amanhã. O empreendedor não pode se furtar em conhecer pessoas. E se ele for do grupo dos ‘introvertidos’ que não se sente confortável nesse papel, terá que encontrar um sócio que o faça, pois é uma característica imprescindível para o sucesso da empreitada, uma rede de relacionamentos construtiva.

Diversidade também importa. Se o seu ‘network’ se resume aos que compartilham do mesmo ambiente de trabalho, trate de melhorá-lo. Menos ruim, mas ainda limitada, é uma rede composta apenas por profissionais da sua área de atuação. A diversificação lhe tornará propenso a absorver novas ideias e trocar opiniões com outras perspectivas. Apesar de passarmos boa parte do tempo dentro da nossa ‘bolha de conforto’, transitar fora dela e estabelecer conexões com outras é enriquecedor do ponto de vista pessoal e agregador profissionalmente. Com o tempo, você também saberá diferenciar o ‘joio do trigo’ e priorizar as interações que mais lhe adicionam valor.

Para verificar se você possui uma rede de relacionamentos relevante, basta consultar sua agenda no celular, quantos contatos você tem cadastrado com nome e telefone? Com quantas pessoas você trocou mensagens no último mês? Quantas delas não eram do seu ambiente de trabalho? Quantos foram os almoços diferentes na última semana? Ou em tempos de pandemia, qual foi a quantidade de telefonemas ou videoconferências alheias ao seu trabalho? Se as respostas a essas perguntas lhe trazem números modestos, é importante avaliar o grau de importância que você confere ao seu ‘network’ e trabalhar em um plano de ação para aprimorá-lo, caso julgue necessário. Como dito anteriormente, se você empreende e não o faz, arrume um sócio que faça, trata-se de uma atividade essencial para o seu sucesso!

Eu sou um dos 100 mil primeiros usuários do Linkedin, desde 2003 que eu mantenho cuidadosamente meu perfil. Quando fui expatriado, minha rede era majoritariamente embasada no exterior, situação que mudou rapidamente após meu retorno para o Brasil, em 2009. Por muito tempo concentrada ao redor do mercado financeiro, hoje extrapolou para as mais diversas áreas, por causa do meu trabalho recorrente sobre as informações da pandemia. Para quem nunca exerceu o cultivo do ‘network’, dedicar tempo de qualidade ao Linkedin é uma ótima primeira ação, pois a rede tem essa capacidade de aproximar pessoas com interesses profissionais semelhantes e potencial para alavancar excelentes negócios ou parcerias.

É importante destacar que nada substitui o contato ‘face to face’, desde sempre o mais efetivo meio de estabelecer relacionamentos. A sua rede de conexões, além de ser um ativo pessoal, pode lhe trazer benefícios inestimáveis em seus negócios. O famoso ‘alguém que conhece alguém’ que lhe trará a solução para um problema é tão mais frequente quanto mais amplo for seu ‘network’, não há alternativa que não seja cultivá-lo com dedicação, paciência e satisfação, pois somente o que é feito de bom grado produz resultados excepcionais.

Dito isso, como anda a sua agenda de cafés? E almoços? E aquele telefonema para um amigo das antigas, que você pensou em fazer na virada do ano e nunca executou? Se lhe falta tempo, um ‘zápi’ já ajuda. Aliás, eis uma desculpa esfarrapada, a falta dele. Porque encontramos tempo para tudo que é prioridade, e por se tratar de um ‘ativo’ valioso para o seu sucesso, a construção e manutenção de uma sólida rede de relacionamentos deve estar na sua lista. Se não estiver, é sinal de que você está não está dando importância ao assunto. Pense nisso.

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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