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O Manifesto e os Economistas

No dia 21 de março de 2021, um conjunto expressivo de economistas e banqueiros (neste caso não tão expressivo, eis que são poucos os banqueiros em qualquer país do mundo) lançou um manifesto “pedindo medidas de combate à pandemia”, conforme reportagem que pode ser lida aqui.

Este texto se propõe a uma célere reflexão sobre o propósito desse manifesto. Mas, antes, convém notar que a chamada mudou, vez que a associação com banqueiros acaba não sendo muito desejável. Virou carta de empresários e economistas aqui, aparentemente algo mais simpático.

Inicialmente, deixo registrado que muitos amigos e pessoas que admiro assinaram-se nessa carta. Acredito que os signatários em geral não concordam com todos os termos do documento, porém viram ali uma forma de protesto civilizado contra o governo federal. Num momento em que protesto nas ruas não é recomendável em função da pandemia, parece-me racional querer-se expressar por esse meio e consignar sua insatisfação. E o fato de ser uma iniciativa de um grupo bem definido de pessoas dá um senso de pertencimento e importância.

Pessoalmente, devo dizer, tenho convicção que as pessoas devem-se manifestar e protestar, especialmente quando se veem insatisfeitas com o curso dos acontecimentos e com a inoperância dos governos. Portanto, expresso aqui minha empatia a quem se vê calado ante o que considera inaceitável.

Em boa parte do manifesto, expressa-se essa insatisfação e eu mesmo concordo com vários pontos. Mas, há um problema: restringir aqueles reclamos aos economistas, quando se trata de uma insatisfação eventualmente mais ampla, ao mesmo tempo que a contribuição que a classe realmente poderia dar foi simplesmente ignorada.

Portanto, faço aqui minha crítica não exatamente ao conteúdo da carta, mas ao fato de se ter restringido a economistas (e banqueiros), razão pela qual se perdeu uma oportunidade de mostrar a importância desses profissionais, especialmente os economistas, à sociedade.

Com efeito, o economista é formado (ou deveria ser) para avaliar custos e benefícios da implementação de medidas de estado ou de governo. A partir dessa avaliação poderia recomendar com mais ou menos razão/força a adoção de determinada política. Pois bem, na condição de um manifesto de economistas, em que seria possível mostrar justamente sua importância à sociedade nesse sentido, faltou um enunciado claro de medidas inéditas ou originais que deveriam/poderiam ser adotadas para minimizar os efeitos da pandemia.

De fato, talvez esse não tenha sido objetivo, daí o conjunto de platitudes do manifesto, destinado a angariar a simpatia de economistas de diversas tradições, multiplicando o número de adesões à carta, de forma a potencializar seu impacto midiático e, eventualmente, seus nobres propósitos.

O manifesto sugere que o governo federal negligencia ou ignora a “evidência científica no desenho das ações para lidar com a pandemia”. Esse é um ponto importante, mas é contraditório, pois o manifesto sugere que “a necessidade de adotar um lockdown nacional ou regional deveria ser avaliado” (sic). Bem, a contradição está no fato de existir considerável literatura contrária à adoção desse tipo de medida, parte dela com links neste texto do Paulo Buchsbaum.

Obviamente o economista não é treinado para sugerir medidas sanitárias ou protocolos médicos, mas pode medir o impacto de diferentes alternativas possíveis. Se essas medidas tiverem sido publicadas e dependerem de ensaios aleatórios controlados (RCT – Randomized Controlled Trials, na sigla em inglês), ele é capaz de interpretar os resultados e avaliar seus efeitos. À propósito, foi exatamente essa técnica que justificou o prêmio Nobel em Economia de 2019. Pois bem, caberia nesse manifesto uma palavra sobre o tema, não sugerindo este ou aquele protocolo, mas avaliando os custos e benefício a adoção de protocolos de tratamento ambulatorial em comparação ao protocolo convencional adotado por hospitais e universidades de referência de enviar para casa pacientes com sintomas iniciais do covid19 apenas com paracetamol. Ora a literatura sobre o assunto é numerosa já e eu mesmo escrevi sobre o tema neste artigo, repleto de links para estudos originais, agora já mais antigos.

A omissão sobre esses temas impede o protagonismo que o manifesto poderia ter, ao mesmo tempo que revela um caráter eminentemente político, deixando de oferecer à sociedade alternativas de combate à pandemia. Estas seriam, no meu entender, a contribuição mais importante do manifesto, no momento em que se fazem urgentes medidas para reduzir as internações e mortes decorrentes da pandemia. Ora, sem uma sugestão racional, eficaz e cientificamente fundamentada, qual a contribuição marginal desse manifesto para a redução dos efeitos da pandemia?

Rodrigo De Losso

Rodrigo De Losso tem Ph.D em Economia pela Universidade de Chicago e é professor do Departamento de Economia da USP. A ideia aqui é mostrar como teoria econômica pode ser aplicada a temas do cotidanos, às vezes polêmicos, sem deixar de falar dos outros assuntos que o interessam com música, vinhos, literatura, cinema e política.

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Um Comentário

  1. Lembremos que o manifesto acusa o governo e defensores da “quarentena vertical” de negacionistas e anti-ciência. No entanto, os signatários da carta falham exatamente nesse ponto. Eles recomendam um lockdown agressivo e nacional, sendo que a literatura teórica do próprio campo – vide Eichembaum et al. (NBER 2020); Acemoglu et al. (NBER 2020) e Berger et al. (NBER 2020) – recomenda algo diferente: políticas de quarentena que levem em conta o impacto sobre toda a sociedade, que igualem benefício marginal a custo marginal (descartando assim formas extremas de quarentena como um “lockdown horizontal”), que sejam separadas por grupos de risco (seja por conta da geografia, atividade econômica ou situação de saúde), e que façam uso de testes em massa para isolar quem testar positivo, reduzindo-se assim a pressão para se tomar medidas mais drásticas. Também ignoram a evidência empírica que mostra claramente que lockdowns são dominados empiricamente por medidas de ataque seletivo e inteligente, como mostrado em Chang et al. (NATURE 2021) e Janiak et al. (J Econ Beh & Org 2021), além dos artigos citados na revisão de literatura que você postou. A carta também faz acusações graves ao governo (estimular o movimento anti-vacina, por exemplo), mas não apresenta provas de atos oficiais do governo que venham a substanciar essas acusações. Dessa forma, entendo que os signatários do manifesto falharam em entregar o objetivo da carta: recomendações sólidas de política pública baseadas no que a teoria econômica e a evidência empírica (de qualquer ramo da ciência) tem a oferecer de melhor até o momento, que fazem jus às acusações que a própria carta faz ao governo e aos adeptos de políticas por ele promovidas.

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