Opinião

Conhecereis a verdade e a verdade vos escravizará

Já repeti várias vezes que considero Lulistas e Bolsonaristas gêmeos univitelinos, polos iguais que se repelem, conforme ensina a física. Já fui espinafrado pelos dois lados, mas continuo firme em minha tese. E um dos pontos que os une é a certeza de que só eles conhecem a “Verdade”.

Os religiosos radicais (normalmente conservadores e de direita), têm sempre a palavra de Deus na ponta da língua. Vejam bem, não é a opinião deles; é a palavra de Deus. Mesmo sem apresentar procuração, falam sempre em nome Dele. E citam salmos e provérbios, garantindo que qualquer interpretação diferente da deles é obra de algum demônio que está assediando o interlocutor. São os guardiões da Verdade.

Já os esquerdistas radicais não precisam de Deus (afinal, eles já tem Fidel, Lula, Chavez,,,). Mas também acham que detém o monopólio da Verdade. Citando um exemplo mais ou menos recente sobre o assunto, lembro que Nelson Mandela instituiu, ao fim do “Apartheid” oficial, em 1996, a chamada “Comissão de Verdade e Reconciliação”, visando julgar os crimes cometidos pelo regime racista (dos quais ele mesmo foi vítima, sendo mantido prisioneiro durante 25 anos). Com a mente aberta, própria dos grandes estadistas, Mandela fez questão de abrir espaço para a reconciliação, ou seja, o arrependimento e perdão, que ele próprio exerceu para com seus carcereiros. Todos puderam participar da troca de ideias, e a África do Sul emergiu como um país mais forte, com feridas cicatrizadas até onde possível.

Aqui nas terras de Macunaíma, em 2011, o governo petista também instituiu uma “Comissão da Verdade” sobre o período da ditadura, mas, fiel ao seu estilo, só ouviu a sua turminha. O resultado foi um país mais dividido do que nunca, de onde emergiu a triste figura de Bolsonaro, alguns anos depois. Cada um colhe o que planta.

Tudo isto me veio à cabeça agora, quando meu Facebook é bombardeado a toda hora por matérias promovendo o documentário “Vai prá Cuba, Eduardo!”. A proposta de alguns cineastas e intelectuais brasileiros é revelar “A Verdade” sobre o a vida dos cubanos. Vejam bem, a revolução ocorreu em 1959 e, ao longo de todo este tempo, “A Verdade” se preservou, casta e intocada como as 70 virgens prometidas aos terroristas suicidas que tenham sucesso na sua missão. E agora revela-se, conforme profetizou Madonna, “Like a virgin, touch for the very first time” para este grupo seleto de escolhidos. Esqueça tudo o que você ouviu sobre ditadura, proibição de internet, perseguição e morte de inimigos de “El Comandante”, pessoas fugindo em botes, atletas pedindo asilo político; tudo isto são mentiras propagadas pelo Grande Demônio Capitalista. Caídas as máscaras, esquerda e direita revelam-se almas unidas pelo mesmo ideal; pouca preocupação com os fatos e ódio visceral de quem ousa discordar deles. Fé cega, faca amolada. Em algum lugar do inferno, Torquemada deve estar dando gargalhadas e filosofando; o homem passa, os ideais ficam.

Enfim, cada um acredita no que quer. Conforme nos revelou meu conterrâneo (e gremista!) Humberto Gessinger, “a dúvida é o preço da pureza, e é inútil ter certeza”. Quem quiser que fique com suas “Verdades”. Eu prefiro continuar prisioneiro das minhas dúvidas, escravo de fatos e dados.

Vida que segue.

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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