Opinião

11 a 1

No final do dia de ontem, li em silêncio a cobrança em meu grupo de whatsapp intrigado por ainda não have postado nenhum comentário após o final do jogo que encerrou mais uma participação brasileira em copas do mundo bem antes do que se esperava.

Bem antes do que se esperava, leia-se, no mundo inteiro: o  Brasil era a seleção favorita nas casas de aposta internacionais, dividindo as expectativas do título com Argentina e França. Fato.

Li em silêncio o chamado para comentar poque há momentos desses na vida em que se faz um deserto na alma e no coração e o olhar parece não encontrar ponto nenhum no infinito enevoado da perplexidade para se fixar. É um turbilhão desencontrado de dados, estatísticas, eventos, erros e acertos se debatendo na esfera racional e um silêncio intransponível na ânima.

Como? Por que?

A urgência primeira é a de entender, de saber motivos, buscar as causas, razões, vilões e culpados.

Perplexidade imposta, abrupta, invasiva, invasora e avassaladora de um sonho desfeito. Não apenas não era o roteiro previsto ou provável, mas sobretudo o desassombro do seu caráter surpreendente exige de nossa racionalidade encontrar alguma razão para explicar o que se apresenta como inexplicável.

E aí está lançada a poção mágica que será o combustével do verdadeiro show de horrores da caça às bruxas que imediatamente toma a frente de todos os sentidos e de todas as razões. Sempre, inexorável: na vida, na história, no infortúnio, na desventura e no futebol: temos que caçar o culpado. Que não será perdoado.

Pano rápido para um filme monumental que remete ao tema: Os Imperdoáveis, diririgado e protagonizado em 1992 por um Clint Eastwood no auge (e quando não esteve?) ladeado por gigantes da monta de Gene Hackaman e Morgan Freeman. Preocupa-me menos o spoiler para quem ainda não tenha visto o filme, do que a pertinência da aplicação a essa análise, da lapidar sentença diante do tiro de misericórdia ao executar seu inimigo que busca a racionalidade do último argumento (“mas eu não mereço”): “Isso não tem nada a ver com merecimento”. BUM.

Volta do pano rápido: isso é a vida! Imensa, múltipla, controversa, incerta, imprevista e, que promulgue a primeira sentença quem souber dizer o que é justo e o que é injusto em cada subida e cada descida dessa montanha russa.

Há coisas que não se explicam. Especulamos, mas de fato não explicamos. Porque há – e sempre haverá – infinitos agentes, circunstâncias, variáveis e interferências que, simplesmente, estarão fora do nosso controle. Fora do controle de qualquer controle. E, outra vez, essa é a vida. Nós não podemos, por definição ontológica até da finitude humana diante da infinitude do universo, controlar tudo que gira e circula em torno de nós. E quem acha que está no controle de tudo que o que faz, planeja e executa, ainda terá muito a aprender sobre a imprevisibilidade da vida.

Preocupado com a ingrata e imperiosa tarefa de “explicar o que aconteceu”, um competente e respeitável mediador de mesa de debates no pós jogo, precisou suplicar por algum endosso às diversas especulações, estatísticas, alterações, erros e desacertos que, julgava, precisaria consolidar para justificar “nossa função aqui de comentaristas”. É preciso encontrar a “bala que matou Kennedy”, o fator determinante do desfecho inverossímel porque, assim, nossa ingênua pretensão de entender, dominar e controlar tudo o que nos circunda, terá as respostas “da razão”, das quais a própria razão seguirá desconfiando.

Não é essa minha motivação aqui, como já se verá, mas, até em atenção a meus companheiros de grupo que até o momento seguem sem um comentário meu sobre o jogo, não me furtarei a ofertar minhas opiniões sobre o jogo. Afinal, se a cada 4 anos, temos aqui sempre mais de 200 milhões de técnicos bissextos, posso me dar a esse breve luxo:

  • Vinícius Jr jamais deveria ter saído. Não amerito se vinha bem ou não particularmente nessa partida, mas é o jogador mais letal do elenco e, em 2 segundos de uma arrancada ou de uma ginga genial, pode decidir qualquer jogo. Não se prescinde de jogador assim impunemente.
  • A entrada de Rodrygo, prodígio e promessa de que nossa genialidade no esporte bretão seguirá desfilando pelos gramados por muito tempo, se impunha, sim. Mas em lugar outro, de Paquetá talvez, que não fazia grande partida ou de Raphinha, quem sabe, que também depois acabou saindo para melhor desempenho do muito bom Anthony. Nunca sobre Vini Jr.
  • Pecado menor, mas Militão que, improvisado na lateral, fez exemplar Copa do Mundo e conferia a segurança que a equipe precisava nos minutos finais, não deveria ter saído.
  • A inversão das laterais, decorrente dessa opção, foi outra decisão temerária e, de resto, desnecessária a menos de 10 minutos para o final da partida.
  • Neymar nunca poderia ter sido mantido como último batedor dos penalties quando perdemos o primeiro e seguimos em desvantagem até o final. Poderia sim (não digo que deveria, porque entendo o argumento para a outra opção) ter sido o primeiro a bater (como, aliás, foi Messi no jogo seguinte). Mas, no momento em que saímos em desvantagem, ele deve se antecipar na fila de cobranças, sob pena de acontecer o que de mais bizarro poderia haver acontecido (e aconteceu): ele terminou não tendo a chance de cobrar, porque já estavamos eliminados.
  • Ainda neste capítulo das cobranças capitais, o menino Rodrygo também não poderia haver sido escalado para cobrar nosso primeiro penalty, que seria também o primeiro que bateria com a camisa da Seleção.
  • Noves fora, no fundo, o Brasil deveria ter liquidado a fatura no tempo regulamentar. Chegar aos penalties era tudo o que a Croácia queria. Senão, vejamos: das 9 últimas partidas de mata-mata que a Croácia disputou em Copas do Mundo, 8 foram vencidas em prorrogação e/ou penalties. Frieza, resiliência, experiência e “casco” não lhes faltava para chegar a mais um epílogo vitorioso. Deu no que deu.

Por outro lado:

  • A Croácia jogou um jogaço. Ditou o ritmo e trouxe a cadência para adequá-la à velocidade (baixa) que lhe convinha. Modric jogando, aos 37 anos, o que jogou, compondo um fortíssimo meio de campo fechando em 3 jogadores extra classe, é gigantesco.
  • O goleiro Livakovic foi monstruoso. Já havia sido em jogos anteriores. Nesse jogo, pegou até pensamento. Não foi pouca sua importância nessa vitória.
  • Neymar fez um GOLAÇO. De craque, como ele é. E daqui, poderia derivar para outro artigo, mas cumpre aqui um destaque, a ser reproduzido em alto e bom tom: craque é isso, é isso que o craque faz. Ele DECIDE. Pode passar 40 minutos apagado (não foi o caso, mas ainda que houvesse sido) e, em um lance único, genial, que só ele sabe e consegue fazer, em um segundo, muda a história de um jogo, de um campeonato, de uma Copa, de uma vida. A história do futebol está repleta deles e, cada um a seu estilo, sempre tiveram que estar em campo. Não se discute. Craque joga, tem que jogar, dentro do campo, o jogo é com ele. Fica a dica para aqueles que têm ensaiado a criativa versão de que um time pode ficar melhor sem o seu craque. Tempos interessantes os nossos.
  • Esse mesmo Neymar recuperou-se de lesão séria em pouquíssimo intervalo de tempo, para voltar fazendo o gol que fez nesse jogo. Isso não é pouco. Fato.

Volto ao jogo. Agora vou ao que, me parece, mais interessa.

Conta a crônica esportiva que houve na história 3 casos de “campeões morais” ou, seleções que, embora não havendo conquistado as Copas que disputaram, saíram e se mantiveram e mantém até hoje como as melhores, mais admiradas e mais respeitadas em seus respectivos momentos: (1) a histórica Hungria de Puskás em 1954, considerada a “maior máquina de fazer gols da história do futebol da Europa”, com média de 5,4 gols por partida naquela Copa, perdeu de virada para a Alemanha, por 3 a 2 e ficou com o vice-campeonato. Injusto?

(2) a encantadora Holanda de 1974, o Carrossel holandês do genial Cruyff (inspirador de genialidades recentes como Pepe Guardiola), derrota na final pela Alemanha, que jogava em casa. Injusto?

(3) a mais genial e exuberante seleção brasileira (e para muitos, de todo o mundo) de todos os tempos, atrás apenas da seleção do Tri de Pelé, em 1970, em 1982. A estrutura da Copa era diferente e o Brasil perdeu naquela que era a segunda fase de grupos da competição (algo próximo do que seriam as quartas de hoje), em um improvável, inacreditável e inaceitável 3 a 2 para uma, até então, desacreditada Itália, que viria a se vencer aquela Copa. Injusto?

Injusto? Eu volto à sentença de Clint Eastwood, nos Imperdoáveis, para mais uma vez reconhecer e beber de sua verdade fatal, imperdoável, inexplicável. Fato é que, justo ou não, essas 3 Copas consagraram para a história não os seus campeões, mas essas seleções geniais que, para os amantes do esporte, são (porque deveriam ter sido) as verdadeiras campeãs. Só que não….

Em outro pano rápido, a crônica trata como “Campeã moral” a Seleção brasileira de 1978, que terminou invicta e em terceiro lugar, jogando um futebol inovador, transicionando da geraão de 70 (Rivelino ainda estava lá) para a futura geração de 82 (Zico já estava lá), cujo técnico Cláudio Coutinho cunhou movimentos (hoje corriqueiros), como o “overlaping” e a “a bola no ponto futuro”.  Mais não falta dizer, aliás, sobre essa Copa, polêmica e até hoje sob severas supeitas de indevida interferência política no resultado, que consagrou pela primeira vez a Argentina campeã, em Buenos Aires, sob a estreita observação do governo ostensivamente presente na figura do sinistro General Jorge Rafael Videla que viria a morrer, em 2013, em prisão perpétua após admitir em juri a responsabilidade sobre a morte de 8.000 pessoas e o desaparecimento de mais de 30.000 sob seu comando. Não é sobre isso, mas vale assistir ao brilhante “Argentina, 1985” do genial e solar Ricardo Darín sobre essa tenebrosa quadra da história do país.

Não assisti às Copas de 54 nem de 74 e guarda vaga lembrança de infância da Copa de 78.

Mas tenho marcado o dia 5 de junho de 1982, como a Tragédia do Sarriá, dia em que a mágica seleção de Zico, Sócrate, Falcão, Junior e cia, foi injustamente, inexplicavelemente e muito dolorosamente, eliminada. Esse dia eu guardo junto com o primeiro de maio de 1994, em que um acidente estúpido, injusto, inexplicável e jamais esperado, matou na curva Tamburelo, em Ímola, na Itália, Ayrton Senna, aos 28 anos, o maior, mais espetacular e mais genial piloto de todos os tempos. O Brasil parou nessas duas ocasiões e se irmanou para chorar (muito) e compartilhar o desespero conjunto, comum e coletivo, que devastou a todos. Fomos, então, todos brasileiros – como em poucas outras oportunidades. Unidos pela comoção que, no Brasil, poucas coisas como o esporte conseguem produzir. Como? Por que? Não pode ser? Não é justo!

Telê Santana era o técnico de 82 – e viria a ser também em 86 quando, jogando outra vez melhor perdeu, justamente nas quartas de final e justamente e uma vez mais nos penalties. O algoz da vez foi a França e a seleção campeã foi a (aí sim genial) Argentina de Maradona vencendo a Alemanha na final, após campanha heróica sobre a Inglaterra, o 2 a 1 com dois gols de don Diego, um deles tido como dos mais espetaculares de todas as Copas e o outro que consagrou “la mano de Dios”.

Tanto em 82 quanto em 86, apesar de tudo, não faltaram críticas duríssimas, caças a bruxas e busca ensandecida por culpados. Teve aí origem do que passou a ser conhecido e convencionado como o dilema entre o futebol de resultados e o futebol arte.

Críticas ferozes também a convocado e não convocados, após a tragédia da copa derramada. Lembro de haver também buscado, furiosamente, responsáveis e culpados. Eu insistia que, se Leão houvesse sido o goleiro (Telê não o convocou) ao invés de Valdir Perez, o Brasil não teria perdido aquele jogo. Lembro também que nosso volante Toninho Cerezzo, jogador de toque refinado e craque de bola, falhou inexplicavelmente em uma saída de bola infeliz que redundou em um dos gols italianos. E de Zico, desesperadamente mostrando para sua excelência, o juiz, a camisa rasgada por um puxão do marcador italiano, em escandaloso penalty não marcado. Fatos. E a história poderia (deveria?) ter sido diferente. Só que não foi.

O velho Telê, um visionário e apaixonado pelo futebol, nunca abriu mão de suas convicções. Jogava com um conceito claro e inegociável de futebol arte, paixão, beleza e espetáculo. E fez rigorosamente o que havia se proposto a fazer. Só que nunca ganhou a Copa. No final da vida, isolou-se e sofreu as agruras das solapantes e impiedosas críticas dos novos resultadistas, que viriam a dominar a maneira de entender, ler e julgar o futebol, de maneira aborrecida e fastidiante, durante anos a fio após a geração de 82/86.

Alguma semelhança com o que vi, li e assisti nessa semana não terá sido mera coincidência. Toda essa história se repetindo e eu não poderia fazer paz com minhas próprias memórias e emoções se não tivesse revisitado tudo isso que essa crônica, escrita ao sabor de mais essa rasteira que a vida nos prega. Como olhar, reagir e refletir isso é só o que importa. E isso só a vida ensina.

Tive o privilégio de patrocinar a Florida Cup em duas edições (2017 e 2018) e, em uma delas, os organizadores nos convidaram para um Ted talk com Tite.

A experiência me marcou. Tite veio me cumprimentar, aperto de mão firme e fraterno, olhar sereno nos olhos e voz, a um tempo forte e suave: “estamos juntos”.

Tite é um homem sério. Educado. Cortez. Cordial. Elegante. Simples. Honesto. Sincero. Transparente. E foi fiel ao seu estilo e suas convicções (como Telê). Nada disso é pouco. E tudo isso é muito especialmente nos dias correntes. Deveriam se envergonhar os atabalhoados, histriônicos, deselegantes e mal educados críticos de plantão, que correrão para recorgitar suas ensandecidas sabugices de botequim tão logo terminada a partida.

Li, vi, assisti e ouvi a todas (ou quase) críticas, análises e cometários. Com rara felicidade  acompanhei Gian Oddi e Paulo Calçade, uma dupla que representou no final da noite um verdadeiro oásis de serenidade, sobriedade, rigor analítico e dignidade em meio a um deserto de abutre rapinos. Uma desfaçatez.

E aqui, vamos ao título do artigo: 11 a 1 foi o placar de chutes a gol no jogo Brasil e Croácia. Mais: somados os 3 jogos contra os europeus que jogamos no Qatar, Servia, Suiça e Croácia, o Brasil levou apenas 1 chute certeiro a gol ao longo de todas eles. E, só contra a Croácia, teve 11 chutes no alvo, a maior parte salva magistralmente pelo colossal goleiro croata.

E, se aquele que foi o único chute tomado e terminado em gol, não houvesse caprichosamente desviado milimetricamente no joelho de Marquinhos (melhor zagueiro do mundo e da Copa, ao lado do Thiago Silva) para desviar do goleiro e terminar em gol? E se? Porque não fosse isso, não teria sido gol. E a manchete seria que o Brasil está na semi-final com um espetacular gol de Neymar.  Justo? E aí?

A brilhante Tábata Amaral, em outro lampejo do frescor dessa nova liderança que nos mantém vivas as melhores esperanças e expectativas de país, postou singelamente em sua conta: “Obrigado aos meninos da seleção, que nos trouxeram de volta a alegria de nossas cores brasileiras”. Uma aula de civilidade, compreensão e entendimento do que foi esse ciclo, do que esse momento e do que representa o nosso futebol e nossa seleção, de todos os brasileiros.

O futebol é essa genial amálgama da própria vida. É o espaço da arte, do improviso, do imprevisto, da genialidade, do grande encontro de gerações, classes sociais e todo o universo da diversidade nacional. No Brasil e, pelo que se viu das espetaculares reuniões de torcidas durante a Copa, no mundo todo.

Torcidas que traduzem a alegria, a esperança, a fé e todas as idiossincrasias de um povo, suas culturas, suas diferenças, sua inusitada e fascinante beleza multifacética.

Encerro prestando uma homenagem à torcida argentina. Vivenciei a experiência mais próxima de uma epifania em minha vida quando, na Copa de 2014, assisti no Mineirão um jogo da Argentina, com Belo Horizonte inteiramente tomada por esses torcedores. É um espetáculo de energia colossal, brutal, de uma força e intensidade que você sem perceber já está entoando seus hinos: “Maradona es más grande que Pelé….”, por exemplo, eclode em meus ouvidos como se fosse hoje. Só que não, hermanos: ninguém “es más grande que Pelé”. Nunca será. Mas é de se respeitar e admirar imensamente essa torcida e essa energia, presente aliás em todos os jogos desta Copa no Qatar – quem está lá repercute a força desse mesmo espetáculo ensurdecedor.

Por isso, por Messi e, principalmente, porque acho que essa rivalidade entre brasileiros e argentinos é um coisa muito tola, tosca e ultrapassada  e que, no fundo, somos muito iguais, inclusive em nossa paixão inegociável pelo futebol – porque admiro a história, a cultura, a gastronomia e o povo argentino de queridos amigos e porque Buenos Aires é uma das cidades mais encantadoras e charmosas do mundo, estarei torcendo para essa Argentina de Messi a partir de hoje.

Ao meu querido grupo Basile boys, espero que essa análise, embora tardia, sirva como a resposta com a qual faltei ontem.

Max Basile

Maior aprendiz no grupo Basile boys

Max Basile

Executivo internacional com mais de 25 anos no mercado de meios pagamento e serviços financeiros. Vivência em posições c-level em empresas líderes no segmento, com liderança de turn around e gestão de times de mais de 100 pessoas. Experiência de 6 anos nos eua e mais de 20 anos de liderança direta de negócios e parcerias na américa latina e europa. Exposição e reconhecimento global, locutor convidado frequente na latam, emea e apac sobre liderança e desenvolvimento de negócios nas áreas de pagamentos e financeiros.

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